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Visões
do futuro se mostraram equivocadas
neste século
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília
O século 20 chega ao final e as previsões _utópicas
e antiutópicas_ idealizadas por artistas e intelectuais sobre
como estaria organizado o trabalho neste ponto da história
não se realizaram.
As fantasias sobre a condição do trabalho no futuro
imaginadas no início do século foram quase sempre
sugeridas por Karl Marx.
Mesmo antimarxistas militantes, como George Orwell, no fundo partiam
dos conceitos usados por Marx em seus escritos do século
19 para conceber o futuro.
A noção de "trabalho alienado" está
no cerne de obras de arte que moldaram a imaginação
coletiva sobre o trabalho neste século.
A desumanização, a reificação do operário,
denunciada por Marx, aparecem com toda a clareza em "Tempos
Modernos" (1936), filme de Charles Chaplin.
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"TEMPOS
MODERNOS"
Em 1936, Charles Chaplin leva a produção frenética
da linha de montagem industrial ao cinema eretrata o operário
tragado pelas maquinas da modernidade. |
O início da fita, sobrepondo imagens de operários
no caminho da fábrica à de um rebanho de carneiros
no campo, não poderia ter sido exemplo mais ostensivo.
No filme, o anti-herói Carlitos é literalmente tragado
pela máquina, triturado pela engrenagem.
Ele também é um símbolo da auto-alienação,
outra idéia introduzida por Marx no debate acadêmico
(em "Manuscritos Econômicos-Filosóficos",
de 1844).
Carlitos, embora seja na prática agente da subversão
ao sistema, está longe da consciência de classe que
os marxistas tentavam construir. Ambíguo, oscilava entre
integração e transgressão da ordem.
"1984"
Em 1949, o livro de George Orwell, levado ao cinema em 1955,
prevê um futuro com trabalho alienado e controle total
da vida da população
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Dois romances de autores politicamente conservadores, Aldous Huxley
e George Orwell, também se sustentaram nos princípios
marxistas da alienação.
"Admirável Mundo Novo" (1932) e "1984"
(1949), que tiveram enorme influência sobre o público
ao longo do século, são extensões artísticas
da hipótese de Marx, pela qual "se (o homem) se relaciona
com o produto do seu trabalho (...) como um objeto alheio, inimigo,
poderoso, então se relaciona com ele de maneira tal que um
outro homem alheio a ele, inimigo, poderoso, independente dele,
é o senhor deste objeto".
O "Grande Irmão", de "1984", podia ser
uma alegoria de Joseph Stalin, o ditador soviético que Orwell
odiava. Mas também era o senhor do trabalho alienado que
o anti-herói Winston Smith fazia.
Em "Admirável Mundo Novo", ambientado no ano 632
DF (depois de Ford), o coletivismo e a passividade do trabalhador
derivam do desenvolvimento deturpado da ciência e da tecnologia.
Tais cenários pessimistas sobre o futuro do trabalho eram
consequência de três décadas extremamente dolorosas
para o Ocidente, durante as quais enfrentou duas guerras mundiais,
uma grande depressão econômica, o maior genocídio
da história contemporânea e vários regimes totalitários.
Na medida em que essas previsões lúgubres não
se materializavam e as condições objetivas de vida
pareciam melhorar, ao menos nos países industrializados,
a imaginação coletiva se desanuviou.
Os anos dourados da década de 50 e o aguçamento da
Guerra Fria motivaram Hollywood a produzir filmes e séries
de TV em que o "American Way of Life" era representado
por famílias felizes lideradas por trabalhadores realizados
em empregos recompensadores.
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"ESCRITÓRIO
EM UMA CIDADE PEQUENA"
Em 1953, com este quadro, Edward Hopper se une aos artistas
que criticam a imagem do trabalhador feliz e bem-sucedido do
"American Way of Life" |
Claro que não deixaram de aparecer obras de arte críticas
em relação ao presente e ao futuro do trabalho: das
telas de Edward Hopper, retratando a solidão do escritório
(como "Office in a Small City", 1953), à novela
de Kurt Vonnegut sobre as consequências nefastas da excessiva
substituição de homens por máquinas no trabalho
manual ("Player Piano", 1952) e aos filmes sobre conflitos
de classe produzidos na Europa e até nos EUA, apesar do macartismo
(como "Salt of the Earth", de Herbert Biberman, 1953).
Mas a maioria das projeções sobre o futuro do trabalho
feitas pelos controladores da cultura de massas do Ocidente nas
décadas de 50 e 60 era mais otimista.
A linha era a de "Papai Sabe Tudo", "I Love Lucy",
"A Feiticeira", "Jeannie é um Gênio"
em que todos as ocupações (vendedor, artista, publicitário,
astronauta) eram estimulantes, ou até mesmo "Hazel",
a superempregada doméstica capaz de resolver qualquer problema
da família a que servia.
"Os Jetsons", o desenho da dupla Hanna-Barbera, talvez
tenha sido o mais rematado exemplo desse período róseo.
As máquinas fariam todo o trabalho duro e aborrecido e os
seres humanos, ainda que chateados pela quase completa inação,
estariam bem.
"OS
JETSONS"
Nos anos 60, a visão rósea da vida nos EUA chega
ao futuro com a familia chefiada por George Jetson |
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Os choques econômicos provocados pela crise do petróleo
nos anos 70, pela revolução conservadora na década
de 80 e pela globalização na atual mostraram que as
coisas não seriam tão simples.
A questão social voltou às telas na forma de reflexão
sobre o passado ("Matewan, de John Sayles, 1987), preocupação
com o presente ("Norma Rae", de Martin Ritt, 1979) ou,
mais uma vez, temor sobre o que virá ("Blade Runner",
de Ridley Scott, 1982/1991).
O receio do desemprego, os efeitos da concorrência econômica
predatória internacional por indústrias e as disputas
étnicas provocadas por ondas imigratórias nos países
desenvolvidos têm sido representados no cinema, teatro, literatura
e TV, ainda que sem o mesmo tom apocalíptico que caracterizou
as décadas de 20 a 40.
Também aparece na representação cultural do
trabalho neste final de século uma nostalgia dos anos 50,
embora seja só idealização.
Talvez em consequência dela, a imagem das grandes corporações
vai, aos poucos, mudando. Elas deixaram de ser demonizadas pelos
trabalhadores, como haviam sido até pouco tempo.
Esse é um fenômeno que ocorre tanto nos centros do
capitalismo quanto na sua periferia, ainda que por razões
talvez diversas.
Nos EUA, empresas como Ford e General Motors passaram a ser vistas
como uma espécie de modelo, um símbolo do passado
em que os empregos eram estáveis e havia entre a fábrica
e a comunidade uma espécie de compromisso.
Na América Latina, as multinacionais se tornaram um tipo
de exemplo de correção e pragmatismo na relação
com o funcionário.
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