São Paulo, domingo, 30 de Maio de 1999

Jornada de 28 horas
elimina desemprego


ESTUDO MOSTRA QUANTO O BRASILEIRO TERIA DE TRABALHAR PARA O PAÍS CHEGAR AO PLENO EMPREGO

da Reportagem Local
Atualmente, as pessoas com algum tipo de ocupação no Brasil trabalham em média 43 horas e 48 minutos por semana. Se a jornada semanal fosse reduzida para 28 horas e 6 minutos seria possível empregar todos os brasileiros com mais de 14 anos de idade.
O cálculo, feito pelo economista Marcio Pochmann, baseia-se na premissa de alguns teóricos da sociologia do trabalho, como Domenico De Masi. O italiano defende que, na sociedade pós-industrial, é tão importante redistribuir o trabalho já existente quanto criar novas oportunidades de emprego.
Em recente entrevista à Folha, o professor da Universidade de Roma citou países onde há um grande percentual de trabalhadores em meio período e o desemprego é baixo. Na Holanda, 36,5% de trabalhadores têm jornada parcial e há só 3,6% de desempregados.
Se em tese seria possível empregar todo mundo, na prática a teoria é outra. A redução da jornada sem diminuição dos salários interessa aos trabalhadores porque aumenta as oportunidades de emprego e valoriza o trabalho. Mas o mesmo raciocínio não vale do ponto de vista das empresas.

Aumentam od que não trabalham e os que trabalham mais
Distribuição da PEA, por jornada de trabalho no Brasil, em horas por semana
*de 40 a 44 horas/semana **mais de 44 horas/semana

PRODUTIVIDADE
No passado, os ganhos de produtividade foram repassados aos trabalhadores, mesmo que minimamente, por meio da redução de jornada. Entre 1870 e 1996, enquanto a produtividade cresceu 2,9% ao ano, na média dos países pesquisados por Pochmann, a jornada caiu ao ritmo anual de 0,36%.
No Brasil, durante o mesmo período, a aumentos médios anuais de produtividade de 3,15% correspondeu uma redução na jornada de trabalho de 0,32% por ano.
Nas duas últimas décadas, porém, os aumentos de produtividade têm sido muito baixos. No Japão, por exemplo, a produtividade, que cresceu a taxas anuais de 9% entre 1960 e 1973, passou a aumentar 1% ao ano na década de 90.
Se antes já era difícil reduzir as jornadas, agora, portanto, a tarefa ficou muito mais difícil. O problema, entretanto, não pára por aí.
Outro estudioso do assunto, o ex-secretário do Trabalho dos EUA Robert Reich ressalta um aspecto negativo da redução da jornada de trabalho: ela resulta em oportunidades desiguais, já que o aprofundamento da competição leva a maiores disparidades sociais e de renda.
Reich divide os trabalhadores na era pós-industrial em três categorias: analistas simbólicos (com trabalho intelectual, baseado em informação e na produção de idéias), trabalhadores manuais ligados diretamente à produção, e prestadores de serviços pessoais.
Dessas categorias, apenas a primeira deve se beneficiar das novas oportunidades de emprego e melhor remuneração. Principalmente porque, segundo Reich, as nações mais competitivas serão aquelas com maior capital humano. Ou seja: os tais analistas simbólicos.
Mesmo para eles, lembra Pochmann, a jornada ainda é uma questão central. Nem tanto pelo tempo, mas pela intensidade do trabalho. "No trabalho criativo, o conceito de tempo é completamente diverso do que no repetitivo. Neste, o tempo equivale a resultado. Mas no criativo o resultado é desconectado do tempo'', diz De Masi.

Países produziram mais com menos trabalho
entre 1870 a 1996 (setor urbano), média em %
Fonte: elaboração de Marcio Pochmann (Unicamp), a partir de dados da OCDE, OIT e BLS (EUA)

METAS
Para financistas, publicitários e executivos, por exemplo, a tendência é que o controle do período de trabalho seja transferido para o próprio trabalhador. Sai o relógio de ponto e entram as metas de produção.
Ele tem de cumprir tarefas, não importa quando (se à noite, no fim-de-semana), onde (se em casa) e quantas horas trabalha. Se por um lado isso permite jornadas mais flexíveis, por outro transfere para o trabalhador controle de sua própria produção.
A pressão para atingir as metas se transforma, por vezes, em estresse, jornadas mais longas do que o previsto no contrato de trabalho e, no limite, depressão e desinteresse.
No Japão, a situação chegou a tal ponto que foi até criada uma expressão para designar o problema: "karoshi'', algo como "morte por excesso de trabalho'', que atinge indistintamente os trabalhadores de todas as categorias.
"Apesar de vivermos o dobro do que nossos antepassados imediatos, trabalhamos menos. Temos à nossa disposição um tempo enorme de não-trabalho, mas, apesar disso, temos a impressão de não termos tempo'', constata De Masi.
Os números lhe dão razão. Em 1900, os brasileiros viviam em média 300 mil horas. Desse tempo, 30% era ocupado pelo trabalho. Hoje, a expectativa de vida é quase o dobro, e a jornada de trabalho ocupa só 16% de nossas vidas _praticamente a metade do que no início do século.
"Mesmo que no futuro a jornada de trabalho atual seja mantida, o tempo de trabalho em relação ao total da vida deve diminuir'', diz Pochmann.
Projeção feita por ele aponta que, em 2010, os brasileiros deverão viver por cerca de 720 mil horas, das quais apenas 12% serão ocupadas pelo trabalho. O resto será preenchido por atividades burocráticas _como pagar contas no banco ou ir ao supermercado_, pelo sono, estudo, lazer e aposentadoria.
Um dos pioneiro no diagnóstico dessa dinâmica, De Masi tornou-se famoso _e polêmico_ por defender a sociedade do não-trabalho. "O ócio é nosso parceiro de amanhã: o lugar e o tempo no qual teremos a possibilidade de pensar e de criar para nós e para o próximo'', prevê.
O problema é que, sem equalizar o problema do acesso universal ao trabalho, o ócio pode ser também nosso inimigo de amanhã: o ócio total, proporcionado pelo desemprego, está mais próximo da marginalização, criminalidade e violência do que do bem comum. (JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO)

EVOLUÇÃO

Da caça e coleta aos computadores

Aquilo que chamamos trabalho sofreu diversas mutações durante a história. Nas comunidades tribais primitivas, o trabalho consistia basicamente na atividade de caça e coleta. Trabalhava-se pouco (4 a 6 horas por dia, 1.000 a 1.500 horas por ano), e o trabalho era intercalado com o lazer.

Esse quadro se altera com o aparecimento das sociedades de classes (Egito, Mesopotâmia, Roma). O trabalhador já não produzia apenas para si: precisava obter um produto excedente para entregar ao proprietário das condições de produção. A produção desse excedente exigia uma jornada maior.

Surge então a jornada de sol a sol (12 horas/dia, cerca de 3.000 horas/ano). As propriedades adotavam a cooperação simples: muitos trabalhadores executavam as mesmas operações simultaneamente. Na Idade Média, a jornada anual diminuiu (2.500 horas) por causa dos feriados religiosos.

Com o advento do capitalismo, a jornada atinge sua extensão máxima. A agricultura perde importância com a Revolução Industrial. Surgem turnos de 16 (e até 18) horas/dia (4.000 horas/ano). Desenvolve-se a divisão do trabalho e a fiscalização dos horários de entrada e saída dos trabalhadores.

Na Segunda Revolução Industrial (1870 a 1910), aparecem os primeiros cartéis e oligopólios. As fábricas concentram milhares de operários. Expande-se o trabalho nos escritórios, com a criação de uma vasta estrutura de chefia, em oposição ao trabalho manual. Surge uma nova classe média.

Grandes empresas trocam o salário por tempo de trabalho pelo salário por peça produzida, para controlar a produtividade. Sindicatos forçam o Estado a limitar a jornada a 8 horas/dia, com repouso semanal remunerado. No final do século 19, a jornada havia caído para menos de 3.000 horas/ ano.

Jornada cai até a década de 70, para 2.000 horas/ano, quando começa a Terceira Revolução Industrial. Os avanços tecnológicos e a "reengenharia" permitem uma redução drástica nos quadros de funcionários. Trabalhadores de classe média (bancos e comércio) são demitidos em massa.

Enquanto as antigas tecnologias substituíam a força muscular por máquinas, as novas trocam o trabalho mental por computadores. Expansão do trabalho de marketing e de pesquisa. Fim do cientista isolado: a ciência se transforma numa mercadoria produzida em grandes laboratórios privados.

Dentro das empresas, cresce a intensidade do trabalho, para compensar a redução de quadros. A produtividade passa a ser controlada pelo empregado, obrigado a alcançar as metas da empresa. Surgem novas doenças no trabalho (estresse, LER). Expansão do desemprego e do trabalho informal

 



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