São Paulo, domingo, 30 de Maio de 1999

Sociedade global tira poder de pressão do trabalhador

AUMENTO DO DESEMPREGO DESESTIMULA
GREVES E ENFRAQUECE O SINDICALISMO


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília
"Trabalhadores do mundo, uni-vos!". A palavra de ordem básica de Karl Marx no Manifesto Comunista, de 1848, talvez jamais tenha estado tão longe de se realizar do que agora, quando o mundo está mais unido _economica e culturalmente_ do que nunca.
No debate da globalização, um ator social importante, o trabalhador, tem estado ausente de modo sistemático. As entidades que representam seus interesses _sindicatos em nível nacional e a Organização Internacional do Trabalho (OIT)_ estão em declínio.
O principal método de pressão de que dispunha o trabalhador, a greve, se tornou anacrônico diante de uma realidade social em que o "exército industrial de reserva", para usar o jargão marxista, se tornou epidêmico e inesgotável.
As alterações no mercado de trabalho no decorrer deste século, em especial nos últimos 30 anos, a "Terceira Revolução Industrial", criaram o que tem sido chamado de "sociedade global de risco", caracterizada, entre outros aspectos, pelo desemprego estrutural.
Ou, como diz o sociólogo alemão Ulrich Beck, a "brasilização do Ocidente", processo em que o paradigma do trabalho passa a ser emprego temporário e informal.
Os sindicatos têm sido lentos para responder aos desafios da globalização e da substituição acelerada do trabalho humano pelo de computadores, que vêm atingindo os três setores econômicos.
A esses fatores, some-se o fim da Guerra Fria. Os trabalhadores ficaram sem o principal ponto de referência que lhes norteava a ação, o conceito de socialismo, e os Estados capitalistas perderam o medo da revolução comunista internacional, que em oito décadas havia justificado uma série de concessões deles para os trabalhadores.
Pegue-se a OIT. Ela foi criada em 1919, sob o impacto da Revolução Russa, dois anos antes. Os Estados que a constituíram deram aos trabalhadores uma posição central na definição do jogo econômico internacional ao conceberem a sua estrutura tripartite (governos, empresários, trabalhadores).
A OIT foi instrumental, junto, é claro, com o o embate político em cada país, para a quase universalização de padrões de direitos trabalhistas como jornadas de trabalho, salários mínimos, proibição de trabalho infantil ou forçado etc.
Em 1944, chegou-se ao ponto de modificar o regimento da OIT para se incluir nele o princípio de que "trabalho não é commodity".
Na maioria dos países do Ocidente, o temor de que a escassez de benefícios sociais poderia criar instabilidade propícia para a disseminação de idéias marxistas fez com que quase todos os governos investissem em educação, saúde e habitação públicas e criassem redes de segurança contra desemprego e para a aposentadoria.
Essa situação mudou depressa e radicalmente nos últimos 20 anos. A revolução tecnológica, que permitiu, ao mesmo tempo, a globalização econômica e a dispensa massiva de trabalhadores no campo, nas indústrias e nos serviços, ocorreu junto com a "revolução conservadora" (simbolizada pelos governos Thatcher e Reagan) e com a vitória ideológica dos conceitos liberais na Guerra Fria.
A globalização da economia trouxe um obstáculo a mais para a união dos trabalhadores do mundo sonhada por Marx. Por causa dela, empregos nos países desenvolvidos passaram a ser ameaçados pela importação de produtos manufaturados no Terceiro Mundo, onde seu custo é menor devido à sua mão-de-obra mais barata.
Esse aspecto fez dos trabalhadores dos países desenvolvidos aliados de seus governos nacionais em foros de comércio internacional na exigência de cláusulas trabalhistas na elaboração de acordos.
Tais requisitos funcionam como uma espécie de barreira protecionista disfarçada, que ameaça as exportações dos produtos do Terceiro Mundo e, em consequência, prejudica ainda mais as perspectivas de emprego em seus países.
Diante desse quadro, quais as perspectivas de os trabalhadores virem a ter seus interesses representados nos processos de decisão política mundial e nacional?
Além de visões otimistas e ingênuas (como a do sociólogo italiano Domenico De Masi, que ainda parece crer na tese de que a automação do trabalho resultará em tempo de ócio criativo para o trabalhador), há luz no fim do túnel.
Ela aparece na forma do pragmatismo: o desemprego e o subemprego provocam (além da ampliação do fosso entre ricos e pobres em todos os países, aspecto da brasilização do mundo pouco lembrado por Beck) uma indesejável e generalizada queda no poder de compra do consumidor.
Para evitar recessões e diminuições nos índices de lucratividade, os detentores do poder econômico e político talvez considerem necessárias algumas mudanças, como já se percebe na Europa e nos EUA.
Há sinais de que aumenta a possibilidade de se criar consenso em torno da idéia da diminuição da semana de trabalho para 30 horas, ainda que com perda salarial.
A recomposição da renda de empregados que trabalham menos e de desempregados poderá vir na forma de "salários sombras" ou "salários sociais": incentivos fiscais para quem dedica tempo a atividades comunitárias ou, no lugar de seguro-desemprego, vencimentos pagos pelo Estado a quem trabalhe em entidades filantrópicas.
No lugar de sindicatos e OIT, os interesses dos trabalhadores vêm sendo defendidos _ em temas específicos, como o combate ao trabalho infantil_ por organizações não-governamentais que, em vez de greves, usam como instrumentos de pressão a publicidade, o boicote, processos na justiça e outros métodos de ação social similares.

TRABALHO
Conceito vive período de crise

O desenvolvimento do conceito de trabalho acompanhou a evolução do capitalismo. William Petty (1623-1687) e Adam Smith (1723-1790) sustentam que o trabalho é a fonte do valor. David Ricardo (1772-1823) desenvolve a teoria do valor-trabalho.

A partir das teses defendidas pela economia política e pelos socialistas utópicos, Karl Marx (1818- 1883) elabora o conceito de mais- valia: o trabalho não-pago seria a fonte do lucro, do juro e da renda da terra. Essa tese seria exposta em 'O Capital', publicado em 1867.

Os economistas iniciam o ataque à teoria do valor-trabalho. Karl Menger (1840-1921), William Jevons (1835-1882) e Léon Walras (1834-1910) definem o valor de uma mercadoria a partir de sua utilidade. O trabalho seria apenas um dos fatores da produção.

Essa posição secundária se acentuaria com a difusão do taylorismo, no início do século 20, que enaltecia o papel do trabalho 'mental' do administrador em detrimento do trabalho 'manual' do proletário _mero executor de ordens, sem nenhuma importância.

Depois da Segunda Guerra Mundial, a automação crescente leva muitos teóricos a sustentar, na esteira do taylorismo, que a ciência e a tecnologia haviam tomado o lugar do trabalho como principal força produtiva. Essa tese aparece nos trabalhos de teóricos como o alemão Jurgen Habermas (1929-).

 

 

 



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