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Sociedade
global tira poder de pressão do trabalhador
AUMENTO DO
DESEMPREGO DESESTIMULA
GREVES E ENFRAQUECE O SINDICALISMO
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília
"Trabalhadores do mundo, uni-vos!". A palavra de ordem
básica de Karl Marx no Manifesto Comunista, de 1848, talvez
jamais tenha estado tão longe de se realizar do que agora,
quando o mundo está mais unido _economica e culturalmente_
do que nunca.
No debate da globalização, um ator social importante,
o trabalhador, tem estado ausente de modo sistemático. As
entidades que representam seus interesses _sindicatos em nível
nacional e a Organização Internacional do Trabalho
(OIT)_ estão em declínio.
O principal método de pressão de que dispunha o trabalhador,
a greve, se tornou anacrônico diante de uma realidade social
em que o "exército industrial de reserva", para
usar o jargão marxista, se tornou epidêmico e inesgotável.
As alterações no mercado de trabalho no decorrer deste
século, em especial nos últimos 30 anos, a "Terceira
Revolução Industrial", criaram o que tem sido
chamado de "sociedade global de risco", caracterizada,
entre outros aspectos, pelo desemprego estrutural.
Ou, como diz o sociólogo alemão Ulrich Beck, a "brasilização
do Ocidente", processo em que o paradigma do trabalho passa
a ser emprego temporário e informal.
Os sindicatos têm sido lentos para responder aos desafios
da globalização e da substituição acelerada
do trabalho humano pelo de computadores, que vêm atingindo
os três setores econômicos.
A esses fatores, some-se o fim da Guerra Fria. Os trabalhadores
ficaram sem o principal ponto de referência que lhes norteava
a ação, o conceito de socialismo, e os Estados capitalistas
perderam o medo da revolução comunista internacional,
que em oito décadas havia justificado uma série de
concessões deles para os trabalhadores.
Pegue-se a OIT. Ela foi criada em 1919, sob o impacto da Revolução
Russa, dois anos antes. Os Estados que a constituíram deram
aos trabalhadores uma posição central na definição
do jogo econômico internacional ao conceberem a sua estrutura
tripartite (governos, empresários, trabalhadores).
A OIT foi instrumental, junto, é claro, com o o embate político
em cada país, para a quase universalização
de padrões de direitos trabalhistas como jornadas de trabalho,
salários mínimos, proibição de trabalho
infantil ou forçado etc.
Em 1944, chegou-se ao ponto de modificar o regimento da OIT para
se incluir nele o princípio de que "trabalho não
é commodity".
Na maioria dos países do Ocidente, o temor de que a escassez
de benefícios sociais poderia criar instabilidade propícia
para a disseminação de idéias marxistas fez
com que quase todos os governos investissem em educação,
saúde e habitação públicas e criassem
redes de segurança contra desemprego e para a aposentadoria.
Essa situação mudou depressa e radicalmente nos últimos
20 anos. A revolução tecnológica, que permitiu,
ao mesmo tempo, a globalização econômica e a
dispensa massiva de trabalhadores no campo, nas indústrias
e nos serviços, ocorreu junto com a "revolução
conservadora" (simbolizada pelos governos Thatcher e Reagan)
e com a vitória ideológica dos conceitos liberais
na Guerra Fria.
A globalização da economia trouxe um obstáculo
a mais para a união dos trabalhadores do mundo sonhada por
Marx. Por causa dela, empregos nos países desenvolvidos passaram
a ser ameaçados pela importação de produtos
manufaturados no Terceiro Mundo, onde seu custo é menor devido
à sua mão-de-obra mais barata.
Esse aspecto fez dos trabalhadores dos países desenvolvidos
aliados de seus governos nacionais em foros de comércio internacional
na exigência de cláusulas trabalhistas na elaboração
de acordos.
Tais requisitos funcionam como uma espécie de barreira protecionista
disfarçada, que ameaça as exportações
dos produtos do Terceiro Mundo e, em consequência, prejudica
ainda mais as perspectivas de emprego em seus países.
Diante desse quadro, quais as perspectivas de os trabalhadores virem
a ter seus interesses representados nos processos de decisão
política mundial e nacional?
Além de visões otimistas e ingênuas (como a
do sociólogo italiano Domenico De Masi, que ainda parece
crer na tese de que a automação do trabalho resultará
em tempo de ócio criativo para o trabalhador), há
luz no fim do túnel.
Ela aparece na forma do pragmatismo: o desemprego e o subemprego
provocam (além da ampliação do fosso entre
ricos e pobres em todos os países, aspecto da brasilização
do mundo pouco lembrado por Beck) uma indesejável e generalizada
queda no poder de compra do consumidor.
Para evitar recessões e diminuições nos índices
de lucratividade, os detentores do poder econômico e político
talvez considerem necessárias algumas mudanças, como
já se percebe na Europa e nos EUA.
Há sinais de que aumenta a possibilidade de se criar consenso
em torno da idéia da diminuição da semana de
trabalho para 30 horas, ainda que com perda salarial.
A recomposição da renda de empregados que trabalham
menos e de desempregados poderá vir na forma de "salários
sombras" ou "salários sociais": incentivos
fiscais para quem dedica tempo a atividades comunitárias
ou, no lugar de seguro-desemprego, vencimentos pagos pelo Estado
a quem trabalhe em entidades filantrópicas.
No lugar de sindicatos e OIT, os interesses dos trabalhadores vêm
sendo defendidos _ em temas específicos, como o combate ao
trabalho infantil_ por organizações não-governamentais
que, em vez de greves, usam como instrumentos de pressão
a publicidade, o boicote, processos na justiça e outros métodos
de ação social similares.
TRABALHO
Conceito vive período de crise
O desenvolvimento
do conceito de trabalho acompanhou a evolução do capitalismo.
William Petty (1623-1687) e Adam Smith (1723-1790) sustentam que
o trabalho é a fonte do valor. David Ricardo (1772-1823)
desenvolve a teoria do valor-trabalho.
A partir das
teses defendidas pela economia política e pelos socialistas
utópicos, Karl Marx (1818- 1883) elabora o conceito de mais-
valia: o trabalho não-pago seria a fonte do lucro, do juro
e da renda da terra. Essa tese seria exposta em 'O Capital', publicado
em 1867.
Os economistas
iniciam o ataque à teoria do valor-trabalho. Karl Menger
(1840-1921), William Jevons (1835-1882) e Léon Walras (1834-1910)
definem o valor de uma mercadoria a partir de sua utilidade. O trabalho
seria apenas um dos fatores da produção.
Essa posição
secundária se acentuaria com a difusão do taylorismo,
no início do século 20, que enaltecia o papel do trabalho
'mental' do administrador em detrimento do trabalho 'manual' do
proletário _mero executor de ordens, sem nenhuma importância.
Depois da Segunda
Guerra Mundial, a automação crescente leva muitos
teóricos a sustentar, na esteira do taylorismo, que a ciência
e a tecnologia haviam tomado o lugar do trabalho como principal
força produtiva. Essa tese aparece nos trabalhos de teóricos
como o alemão Jurgen Habermas (1929-).
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