São Paulo, domingo, 30 de Maio de 1999

Jornada deve cair, mas
não para todos
Mulher vai ganhar espaço; trabalhador
entrará e sairá mais tarde do mercado


Menos trabalho e mais ócio. Esse deve ser o cenário do próximo milênio. Mas nem todos vão se beneficiar: uns estarão desempregados, outros vão trabalhar menos horas, e alguns, mais.

Homem aproveita tempo ocioso para tomar sol no vale do Anhangabaú(SP)

A tendência mundial observada no século 20 foi a redução da jornada de trabalho média. Em vários países, ela é hoje quase metade do que há cem anos.
O Brasil não foi exceção. A carga horária caiu 30% entre 1913 e 1996. Hoje, o trabalho ocupa 16% do tempo de vida do brasileiro. Em 2010, não deve passar de 12%. Mesmo assim, o trabalhador nacional não tem nada do preguiçoso Macunaíma. Ao contrário do anti-herói de Mário de Andrade, ele trabalha mais do que americanos e japoneses.
A continuidade da redução do tempo de trabalho, porém, não está garantida. As novas condições socioeconômicas não ajudam. A globalização enfraqueceu os sindicatos. As empresas têm cada vez mais dificuldades para obter ganhos de produtividade.
Esse ambiente favorece os trabalhadores criativos, capazes de ter idéias novas e processar uma quantidade crescente de informações.
Para os chamados analistas simbólicos, a jornada tende a cair, mas o trabalho é cada vez mais intenso: ele livrou-se do relógio de ponto, mas ganhou metas de produção; tornou-se mais competitivo, mas sofre com o estresse.
Para trabalhadores manuais e prestadores de serviços há outros problemas: desemprego e informalidade.
Diante do desemprego e da flexibilização das regras, teóricos utopistas como o sociólogo Domenico De Masi propõem redistribuir o trabalho já existente e valorizar o tempo ocioso.
Levada ao limite, essa idéia implicaria, por exemplo, reduzir a jornada de trabalho no Brasil das 44 horas atuais para 28 horas por semana -para eliminar o desemprego, ocupando toda a população com mais de 14 anos.
Na Europa, alguns países já caminham nessa direção. Na Holanda, por exemplo, 36,5% dos empregos são em tempo parcial. Não por acaso, o desemprego no país é de apenas 3,6%.
Os jovens têm de se adequar às crescentes exigências dos empregadores, o que os leva a passar mais tempo na escola e a ingressar mais tarde no mercado. Na outra ponta, os idosos são pressionados a trabalhar por mais tempo, evitando longas aposentadorias.
O único segmento que continua a ganhar espaço no mercado de trabalho é o das mulheres. Ocuparam 68% das vagas abertas no Brasil entre 1989 e 1997.
Mais escolarizadas, deixaram de ver as responsabilidades domésticas e com os filhos como sua única função na sociedade. Seu desafio agora é romper os redutos profissionais masculinos, alcançar os cargos de liderança e igualdade salarial com os homens. Para isso, as tarefas domésticas terão de ser divididas entre os sexos.
As transformações na natureza do trabalho se refletiram no espaço. Cada vez mais empresas buscam conforto e flexibilidade, fatores que podem impulsionar a produtividade.
A nova utopia de reorganização do trabalho para aumentar o tempo livre e empregar todo mundo será colocada à prova no próximo século.



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