São Paulo, domingo, 30 de Maio de 1999

EU VI

"Na greve de 1917, a polícia
batia em todo mundo"


LEONARDO CRUZ
da Redação
"O mundo evoluiu muito, mas, ao mesmo tempo, não evoluiu nada." Essa é a maneira como o ex- metalúrgico Armando Suffredini, 91, vê o final do século 20. Para ele, a evolução tecnológica alterou radicalmente a forma das coisas, mas, para quem é pobre, a vida continua tão difícil quanto nas primeiras décadas do século. Filho de imigrantes italianos, Suffredini nasceu no Brás (região central), na rua Santa Cruz (atual Ipanema), e começou a trabalhar aos 9 anos.
Dessa época, ele se recorda da greve promovida pelos anarquistas em 1917, que paralisou o operariado paulistano. "Ninguém podia sair de casa. A polícia vinha e batia em todo mundo." Suffredini entrou para a metalurgia aos 13 anos, em 1921, e só saiu em 1965, para se aposentar. Durante 37 anos trabalhou na linha de montagem da Lerape, pequena indústria de armas do Brás.
Em 1932, participou da fundação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, integrando sua primeira diretoria. Leia a seguir a entrevista feita na casa de uma de suas duas filhas, no Tatuapé, em São Paulo, onde ele vive atualmente.

EU INVENTARIA...

...a roupa homeotérmica


Paulo Lins, escritor
Uma mesma roupa que fosse capaz de manter a temperatura do nosso corpo constante no verão e no inverno. Um tecido que nos mantivesse aquecidos quando fizesse frio e que nos refrescasse no calor. Sempre pensei nisso, desde pequeno, e é algo que eu sempre quis que fosse inventado.

  Folha - O que o sr. fazia quando começou a trabalhar?
Armando Suffredini - Meu pai mexia com comércio de vassouras. Para ajudar, eu e meu irmão mais velho pegávamos algumas vassouras e íamos vender nas feiras livres.
Folha - O sr. se lembra da greve dos o-perários de 1917?
Suffredini - Me lembro bem. Eu ficava na casa de meus avós, na rua Barão de Ladário (Brás). Minhas tias trabalhavam na Fiação e Tecelagem Juta Santana, ali perto. E elas entraram na greve. Pararam também. Aquela greve foi dura. A gente nem podia sair de casa. Da janela da casa da minha avó, assisti muita cavalaria na rua batendo nas pessoas. Os trabalhadores apanharam. A polícia vinha batendo em quem estivesse na frente. Quem corria ainda conseguia se esconder.
Folha - Como era sua rotina de traba-lho na metalúrgica?
Suffredini - Sempre trabalhei na linha de montagem. Entrei como ajudante e depois fui subindo de posto. Quando comecei, a gente entrava na firma às 7h. Trabalha até 11h30. Tinha uma hora e meia de almoço. Depois voltava e ficava até as 18h. Não tinha muito tempo para lazer, não.
Folha - E naquela época alguma mulher trabalhava com vocês?
Suffredini - Não. Só tinha homem. Nas décadas de 20, 30, as mulheres ficavam sempre em casa. Só tinham mulheres trabalhando em tecelagens, ou então como costureiras. Minha esposa era costureira. Hoje as mulheres fazem tudo, trabalham até como metalúrgicas. Acho isso bom. E precisa, né?!
Folha - Como foi a fundação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo?
Suffredini - Os sindicatos em São Paulo se formaram com o apoio do governo da Revolução de 30. Foi o Ministério do Trabalho do Getúlio (Vargas) que estimulou a fundação do sindicato dos metalúrgicos. E havia um grupo de trabalhadores interessados em fazer alguma coisa. Preparamos as atas e fizemos um comunicado, que mandamos para os companheiros das fábricas que conhecíamos, dizendo que no dia 27 de dezembro seria realizada uma assembléia. Reunimos cerca de cem pessoas, num lugar na Lapa, perto da fábrica dos Matarazzo.
Mas o difícil não é fundar o sindicato, mas levá-lo para frente. Nós íamos para o serviço durante o dia e à noite íamos para o sindicato.
Folha - O sr. participou de muitas greves de metalúrgicos?
Suffredini - Participei de algumas, organizadas pelo sindicato. Fizemos uma greve também dentro da Lerape, pouco antes de eu me aposentar, em 1964. A firma estava com problemas e parou de pagar os funcionários. Então, nós ocupamos a fábrica. Ficamos lá durante cinco dias. Tudo parado, ninguém fazia nada. Depois de cinco dias, voltamos a trabalhar, mas abrimos um processo contra a firma. Eles chegaram a pagar, mas depois a empresa se desfez.
Folha - Foi a mais importante?
Suffredini - Não. A greve mais importante foi a de 1953. Todo mundo parou, nossa firma entrou, o pessoal da Matarazzo entrou. Aquela greve foi um colosso. Queríamos aumento de salário. Foram mais de 20 dias de paralisação. Algumas pessoas acabaram presas.
Folha - E como acabou?
Suffredini - Acabou quando soltaram os trabalhadores presos. Fomos todos comemorar em marcha até o hipódromo da Mooca.
Folha - Conseguiram o aumento?
Suffredini - Sabe como é, para trabalhador é sempre aquela coisa. Vai, não vai. Sempre dificultando tudo. Até deram um aumento depois, mas foi pouco. Aumento para trabalhador sempre é pouco. O sr. não vê? Outro dia, aumentaram o salário (mínimo) em R¸ 6. O que se faz com R¸ 6? Nada. Enquanto o trabalhador ganha isso, o capitalista ganha dez, 20, 30 vezes mais. Quem tem pouco sempre perde. E para ganhar alguma vez é difícil. E isso é por culpa de quem tem muito.


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