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Tempo
de trabalho cai,
mas não para todos
"FALSOS MACUNAÍMAS",
OS BRASILEIROS
TRABALHAM MAIS DO QUE OS EUROPEUS
JOSÉ
ROBERTO DE TOLEDO
da Reportagem Local
Vamos trabalhar menos no futuro, com prevêem alguns teóricos?
Provavelmente sim. Mas essa previsão não valerá
para todos.
Os dados mostram que, ao longo deste século, a carga de trabalho
média caiu a dois terços ou mesmo à metade,
dependendo do país. O problema é saber quem vai se
beneficiar dessa tendência.
Para entender melhor a situação, vale lembrar a velha
piada: se uma pessoa comeu um frango e a outra, nenhum, na média
ambas comeram meia ave. Do mesmo modo, a regra secular de diminuição
da jornada de trabalho exclui uma parte significativa da humanidade.
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Funcionário
trabalha em linha de produção de relógios
de ponto, utilizados para controlar jornada |
Um número crescente de pessoas simplesmente não vai
trabalhar (os desempregados). Um segundo contingente, cada vez maior,
vai ter uma (ou mais de uma) ocupação em tempo parcial.
No outro prato da balança está um grupo emergente
de trabalhadores que é frequentemente instado a fazer horas-extras
para atender ao aumento da demanda de produção em
seus setores. No meio, está o grupo de trabalhadores com
jornada plena (44 horas semanais). De todos, é o único
que está diminuindo de tamanho.
É o que mostram dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios) compilados pelo economista Marcio Pochmann,
da Universidade Estadual de Campinas, em um amplo estudo sobre a
jornada de trabalho. A pesquisa abrange o Brasil e outros países.
FLEXIBILIZAÇÃO
O professor da Unicamp diz que todos esses movimentos estão
conectados com a flexibilização do uso do trabalho.
Ou seja: a adequação do tempo de trabalho ao volume
da produção. Ela substitui a prática anterior
de fazer o ajuste pela quantidade de empregados.
Em 20 anos, o percentual de desempregados no Brasil foi multiplicado
por três. Já o percentual dos empregados que trabalham
até 39 horas por semana dobrou de 14,2% para 24,8%, enquanto
o dos que têm jornadas maiores do que prevê a Constituição
saltou de 34,6% para 41,2% da PEA (População Economicamente
Ativa).
A alta do desemprego no Brasil está ligada à estagnação
econômica das duas últimas décadas, à
abertura comercial implantada nos anos 90 (que levou à troca
da produção pela importação) e à
reestruturação das grandes empresas (novas formas
de gestão e inovações tecnológicas).
O aumento das pessoas em jornada parcial reflete a precarização
do mercado de trabalho: a difusão do emprego sem registro
e "bicos''.
Já a variação do contingente de trabalhadores
que têm jornada estendida acompanha o ritmo da economia. Se
há aquecimento, as empresas, em vez de contratar mais empregados,
aumentam as horas-extras dos já contratados.
Uma outra causa provável, lembra Pochmann, é a transformação
de assalariados em trabalhadores autônomos, ou por conta própria.
Muitas vezes eles são obrigados a trabalhar mais para obter
uma renda equivalente à que tinham quando eram contratados.
Na média, entretanto, a carga de trabalho no Brasil está
em queda desde quando as estatísticas alcançam. Em
1913, um brasileiro médio trabalhava 3.016 horas por ano.
Para se ter uma idéia de quanto isso significa, nem seria
possível dividir esse tempo em jornadas de 8 horas porque
seriam necessários mais dias (377) do que há no ano
para completá-la. Se a pessoa trabalhasse todo dia, os sete
dias por semana, sua jornada média seria de 8 horas e 15
minutos.
Desde então a lei instituiu a jornada de 44 horas semanais,
as férias remuneradas de 30 dias por ano e outros benefícios
que forçaram a queda desta média.
Em 1996, ela já era bem menor: 2.102 horas/ano (o equivalente
a trabalhar 8 horas durante 263 dias por ano). Ou, se se trabalhasse
todos os dias do ano, a média diária seria de 5 horas
e 45 minutos.
"MITO
DE MACUNAÍMA"
A comparação desses dados com os de outros países
afasta o "mito de Macunaíma", de que o brasileiro
é preguiçoso. Na verdade, a média de horas
trabalhadas no país é maior do que a de países
europeus, Japão e Estados Unidos.
E não se trata de um fenômeno recente. Em 1913, como
mostra o estudo de Pochmann, o trabalhador brasileiro ainda enfrentava
uma jornada anual na casa das 3.000 horas _um patamar já
deixado para trás pelos países desenvolvidos desde
antes de 1870.
A queda da carga de trabalho prosseguiu em todos os países
nas décadas seguintes, mas o brasileiro continuou trabalhando
mais. Em 1938, a jornada mais próxima da brasileira era a
alemã e, mesmo assim, ainda era 18% menor.
A essa altura, já havia mais de 30 anos que a Europa tinha
instituído a jornada diária de 8 horas. No Brasil,
embora prevista na Constituição de 1934, ela só
seria disciplinada em 1943, com a Consolidação das
Leis do Trabalho.
A tendência universal de queda no tempo trabalhado continuou
até o início dos anos 80, quando estancou em vários
países e foi invertida em outros. Essa mudança tem
razões distintas em cada país. Nos EUA, por exemplo,
a carga horária de 1996 é maior do que a de 1983,
que por sua vez supera a carga horária de 1970. O motivo,
afirma Pochmann, está ligado ao uso intensivo de horas-extras,
ao trabalho autônomo e à terceirização.
"Em vez de contratar mais mão-de-obra, como faziam até
então, as empresas optaram por duas novas estratégias:
obrigar seus funcionários a estender sua jornada, ou lançar
mão da subcontratação'', diz.
É o caso, por exemplo, da UPS (serviços postais),
que em lugar de contratar novos entregadores segundo as normas previstas
no contrato de trabalho assinado junto ao sindicato da categoria,
preferiu usar trabalhadores terceirizados.
Esses trabalhadores são contratados por outras empresas e
estão sujeitos a jornadas maiores, pois não se beneficiam
do contrato coletivo dos funcionários da UPS.
TEMPO PARCIAL
No caso oposto, dos países que continuaram a registrar queda
na carga horária, o melhor exemplo é o da Holanda,
que hoje apresenta uma taxa de desemprego de apenas 3,6%. Em grande
parte, a redução da jornada holandesa nas duas últimas
décadas se deveu à maior presença dos trabalhadores
com emprego de tempo parcial.
Em 1973, apenas 13% dos ocupados holandeses tinham um emprego de
até 30 horas semanais. Esse percentual praticamente triplicou
até 1996, quando já somava 37% dos empregados naquele
país.
"Isso foi fruto de pactos feitos entre os sindicatos patronais,
de trabalhadores e o governo para combater o desemprego e atender
à demanda das empresas. Elas queriam maior flexibilidade
para compatibilizar o tempo de trabalho de seus funcionários
com o ritmo de produção'', diz Pochmann.
As diferenças entre EUA e Holanda mostram que o aumento da
heterogeneidade é a tendência para o futuro da jornada
de trabalho.
Infelizmente, teóricos como o sociólogo italiano Domenico
De Masi estão certos apenas no que se refere a uma parte
dos trabalhadores, para os quais haverá uma redução
da jornada de trabalho _como os funcionários da Volkswagen
alemã, que já trabalham menos de 29 horas por semana.
Mas há um aumento das desigualdades. Ela cresce entre os
países, entre os ocupados e os desempregados e entre aqueles
que ainda conseguem manter seu emprego assalariado e os que estão
sujeitos às novas e mais flexíveis regras do mercado.
Para os últimos predomina a perda de direitos que, como a
jornada de 8 horas semanais, existiam havia mais de um século.
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