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Moeda do luxo



 


Moda cria conceitos, glamour e espírito à distância
calculada da economia


Moeda do luxo

Reuters - 25.fev.2000
Colette no desfile da Prada

VINICIUS TORRES FREIRE
EDITOR DE DINHEIRO

A moda rediviva do luxo extremado e a hiperostentação seriam um reflexo dos tempos? De um desejo disseminado de possuir, do novorriquismo global? Ou do bom senso mercantil de inventar um consumidor, de criar um desejo de luxo entre uma clientela potencial cada vez mais rica e em expansão, na era da grande riqueza americana?

Óbvio, a moda é luxo, depende da riqueza. Mas, até nesta era de individualismo obsessiva e ineditamente monetária, mesmo uma disposição de consumir, ou as idéias e conceitos que a embalam, não são diretamente determinadas pelo que passa na economia.

De resto, o que era alta moda mudou muito nos últimos 20 anos: tornou-se tanto mais comercial quanto menos comercial ela parece ou pode ser. A moda não é mesmo para ser vendida _por ser uma idéia apenas. Ou não pode ser vendida _pois é cara demais.

A moda dos desfiles é um caro anúncio comercial de grandes conglomerados, os quais carregam uma enorme linha de produtos, de cosméticos a acessórios. O que aparece no mostruário dos desfiles não é produzido em escala, não dá dinheiro. O dono do argumento é Bernard Arnault, da Louis Vuitton Moët Henessy, conglomerado que arrebanhou empresas familiares de luxo, acabando com a fantasia do artesanato total nessa área.

Considere-se a Gucci, moribunda há apenas cinco anos, então relegada aos inexpertos em consumo de elite, e atual estrela do superluxo, triplicou sua verba de propaganda a fim de sair da falência, do descrédito, de refazer sua imagem.

De resto, além de não ser vendida, moda não é feita, em si, para vender. Nos últimos 20, 30 anos, o que era alta-costura passou por um processo de autonomização e de ruptura com o público, como ocorreu com as artes há 100 anos, mas em versão caricata e degradada.

Isto é, por meio do próprio vestuário o estilista passou a discutir o vestuário. O importante não era mais vestir, mas falar, por meio das roupas, sobre vestir, entre outras coisas. Tornou-se a moda uma caricatura de arte conceitual. Palavras como desconstrução aparecem na crítica de moda. Estilistas como Hussein Chalayam fazem desfiles de antimoda, por assim dizer: com pessoas nuas. Em parte, a moda mais do que nunca passa a se reinventar sozinha, algo à margem de imposições da realidade.

Se os conceitos de moda vivessem só de ciclos econômicos, uma versão revista e melhorada da moda para atender ao yuppismo reaganiano, dos anos 80, teria sido posta em circulação assim que acabou o ciclo recessivo do início dos 90, para ficar num exemplo banal. Enfim, o boom de Bill Clinton foi também uma retomada explícita da festa da finança global iniciada nos 80. Mas o conceito, a propaganda do luxo não aparece só após uma década de extrema bonança norte-americana?

Há hoje de fato enorme criação e significativa concentração de riqueza, que se espalha entre grupos sociais algo diversos daqueles que tradicionalmente sustentaram o luxo, da aristocracia à burguesia. Técnicos e administradores globais, em especial na finança e na alta tecnologia, são os novos-ricos. Não são bem proprietários tradicionais, não são novos-ricos tradicionais _mas são extraordinariamente ricos e numerosos.

O boom do luxo poderia ser talvez um chamariz momentâneo, um sinal de que a grande indústria da moda se reorganizou, se fundiu e reestréia com um gigantesco anúncio para captar a grande clientela global que vai chegando ao mercado global.

Mas, mesmo conectados nas redes de comunicação ou habitantes de cidades mundiais, eles têm necessidades à maneira do consumidor de world music, todas muito iguais, mas com variações de layout. Uma tendência unívoca de gosto não os satisfaria, nem todos buscam afirmação social por meio da ostentação.

Os conglomerados globais do luxo têm cada vez mais precisas estratégias de marketing para estratificar seus produtos, garantir exclusividade a linhas destinadas aos privilegiados, agregar glamour ao resto das suas marcas e vender, na maior escala possível, o que puder. Mesmo que para isso, para manter sua marca e seu prestígio, tenha de deixar correr soltas tendências que parecem por vezes ignorar o próprio caráter da clientela. Agora, incitam o desejo do luxo com luxo. Mas o que vão fazer no ano que vem?


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