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PONTO DE FUGA
O tamanho do nariz
JORGE COLI
em Nova York
Está errado comer a mulher
dos outros? Steve Everett é um
compulsivo devorador, com
resultados desastrosos para
sua vida sentimental e para sua
carreira de jornalista. Acima de
tudo, porém, Everett possui faro para detectar o podre ali onde ninguém percebe. É o personagem principal de "True Crime", último filme interpretado e dirigido por Clint Eastwood.
"True Crime" gira em torno
da ética, tema obsessivo para o
diretor. Uma ética que se assemelha às necessidades singulares da arte, às suas vozes silenciosas. Ela tem sua origem em
convicções que precedem a
consciência dos fatos, intuindo
antes de provar, descobrindo
verdades entre evidências. Determina uma ação e um dever
inevitáveis. A fidelidade ao nariz atropela a fixação erótica, o
sensacionalismo conformista
exigido pelo jornal, a justiça
que se acomoda num trabalho
correto, mas insuficiente. É
mais importante do que as simpatias e lágrimas, apresentadas
na tela com uma curiosa frieza
distante. Está acima até das inverossimilhanças do roteiro,
que se origina num livro
"pulp" de Andrew Klavan.
Orson Welles, em "A Marca
da Maldade", mostrara os ambíguos perigos de intuições
verdadeiras, mas que ignoram
regras e leis. Eastwood indica,
no oposto, a inanidade e o perigo das leis e das regras sem essas intuições. "True Crime"
talvez seja seu filme mais concentrado, em que tudo é secundário, afora convicção e demonstração. Uma difícil geometria além dos raciocínios,
em que o todo é muito maior
do que o conjunto das partes.
OFF-OFF - Sexo, violência e
metafísica: o Ontological-Hysteric Theater, filiado a
Lacan e devoto de Artaud, criado há 30 anos por Richard Foreman, apresenta atualmente
"Paradise Hotel", que se chama também "Hotel Fuck" ou
"Hotel Beautiful Roses". É
uma peça de "situação e pulsão", como a define Foreman,
em que um ritmo frenético
opõe sexualidades diretas e
cruas a desejos furtivos e requintados.
Não há improviso: os atores
entram e saem agitados, sem
perder a marcação precisa. Os
textos de Foreman ("From the
Suburbanite", "Benita Canova") possuem uma bela fluência poética e seu teatro é muito
ambicioso. Ele quer introduzir
uma "vacilação" na vida
mental, deixando escapar o inconsciente, que deveria explodir na arte. Projeto considerável, cujas intenções, na verdade, estão muito além do espetáculo simpático e engraçado.
O teatro de Foreman foi chamado por um crítico de "vanguarda clássica", expressão
que sugere o destino institucional de todas as subversões e
ousadias em arte, sempre recuperadas pela cultura onívora
de nosso tempo.
CHAVE - A morte pode ser
justa ou injusta, arbitrária ou
comandada. "True Crime"
faz um contraponto entre o
acidente de estrada, casual e
absurdo, e a execução penal,
sob rigoroso controle clínico e
científico. Lembra o cristão
Kieslowski: fragilidade da vida
e imensa pretensão dos homens diante de um mistério
que eles estão muito longe de
compreender. Porém, tão fora
de Deus quanto das instituições e da moral, os marginais
de Eastwood sabem encontrar
direções e sentidos.
CHINA - James Fowley fez um curioso filme, "The Corruptor", com Chow Yun-Fat, célebre astro em Hong Kong, e ainda Mark Wahlberg, ex-cantor que atuou em "Boogie Nights" usando uma prótese peniana. É uma retomada lírica dos dramas policiais dos anos 70, que coloriam com romantismo as cumplicidades entre parceiros, diante de um mundo em corrupção. Chinatown, muitas vezes mostrada do alto, parece uma toca de insetos, lugar natural para a mistura de etnias, de máfias e de "cops".
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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