São Paulo, Terça-feira, 23 de Fevereiro de 1999
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Computadores foram inventados na hora errada, quando o fim do século parecia distante; ninguém corrigiu o bug porque não se esperava que os programas fossem durar tanto
Economia de espaço saiu cara demais

da Redação

Os computadores foram inventados na hora errada -exatamente no meio deste século, quando 1899 e 1999 pareciam remotos. Os programadores que escreveram os primeiros softwares provavelmente não pararam nem para calcular quantos anos teriam no fim do milênio. Acharam que detalhe tão pequeno seria resolvido por alguém, em algum momento, e que não havia pressa em fazê-lo.
A pressa era tão pouca que, mesmo com a solução na mão, as empresas de computação levaram o bug adiante. Já nos anos 50, Robert Bemer, então um programador da IBM, escreveu um remendo para a linguagem Cobol, que permitia a inclusão de datas de quatro dígitos. Mas os primeiros computadores comercializados, no final dos anos 60, continuavam a ter o ano indicado pelos dois dígitos finais.
Em retrospecto, parece inacreditável que um problema tão banal como o bug do ano 2000 tenha ficado sem solução por quatro décadas, e que a simples ausência de dois dígitos possa causar tamanha confusão agora. Mas o que era mínimo ficou gigantesco, porque os softwares foram ficando mais complexos e se interligando. Muitos programas antigos vêm sendo remendados há quatro décadas.
Na época, não se imaginava que os softwares durariam tanto. Nos EUA, onde a informatização é mais antiga, há fragmentos de código velho nos sistemas de centenas de empresas. Muitas vezes os programadores já não sabem mais onde existem datas no código, e é preciso revisar linha por linha.
Os softwares de computador são a parte mais importante do problema. Mas há também os chips embutidos, microprocessadores que se encontram em vários aparelhos, como calculadoras, relógios e videocassetes. Alguns registram datas e podem causar problemas.
No caso dos chips embutidos, não há muita solução: geralmente é necessário trocar o equipamento. No caso do software, há algumas saídas: o "patch", ou remendo no código original, que resolve o problema. Outra solução é incluir um programa que instrua o computador a tratar o ano 2000 como 1972, que também foi um ano bissexto e também começou num sábado.
A impossibilidade de medir exatamente a extensão do problema tem dado margem às mais loucas especulações. Nos Estados Unidos, as estimativas do custo total da solução do bug ficam em torno de US$ 50 bilhões. Edward Yardeni, chefe do Deutsche Bank Securities de Nova York, crê que o bug vai causar uma recessão mundial.
A empresa de pesquisa norte-americana Software Productivity Research diz que os gastos mundiais podem chegar a US$ 530 bilhões em reparos (e pouco mais de US$ 1 trilhão para testar máquinas e pagar processos). Mas nem todos são tão pessimistas. Bill Gates diz acreditar que os problemas ficarão "muito abaixo do esperado".
É difícil saber quem está com a razão, porque todo mundo que tem dados sobre o assunto tem interesse nele. As consultorias preferem maximizar o problema, para justificar seu trabalho. As empresas de computadores o diminuem, para tranquilizar os consumidores. Os governos dizem que estão prontos, mas o setor privado não.
O primeiro "teste" forçado do bug foi no dia 4 de fevereiro. Era o dia em que seriam aceitas as primeiras reservas para vôos no ano que vem, nos grandes sistemas mundiais de reserva por computador. Para decepção dos alarmistas, transcorreu sem problemas.
Em janeiro, a União Européia enfrentou um problema similar ao bug. Todos os países-membros converteram seu sistema financeiro para o euro. Segundo o "Financial Times", o euro afetava 10 milhões de aplicações, enquanto o bug deve atingir 36 milhões. De novo, a transição ocorreu sem dor.
Catástrofe ou não, o bug do milênio é um tremendo caça-níqueis. Uma piada que circula nas empresas de tecnologia diz que 1998 foi o ano dos consultores, que diagnosticaram o problema; 1999 é o ano dos programadores, que o estão consertando, e 2000 será o dos advogados, que moverão ações milionárias devido aos prejuízos do bug. (MARIA ERCILIA)




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