São Paulo, Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Quem ri por último

MAILSON DA NÓBREGA

Nesses tempos de crise, tem-se discutido quem manda na política econômica ou se os juros devem baixar ou subir. Antes da mudança no câmbio, debateu-se à larga sobre se caberia ou não desvalorizar.
Uma velha senhora, decrépita de 10 anos, ri à toa. Afinal, é ela quem manda. Para ela, essas discussões servem apenas para animar o ambiente, pois nada dará certo sem sua permissão. Desde que foi parida em 1988 por uma tal de Assembléia Nacional Constituinte, tudo está em suas mãos.
A velhusca se diverte à beça quando os entusiastas da desvalorização afirmam que os problemas do déficit público vão ser resolvidos. Ela quase perdeu o fôlego rindo da seguinte receitinha de bolo: com a mudança cambial, a atividade econômica cresce, a arrecadação sobe e o déficit cai. Melhor ainda: os juros caem e o déficit diminui mais.
Ela ouviu dizer, depois da desvalorização, que a carga tributária, que já ronda os 32% do PIB, deveria ser reduzida imediatamente para 20%, pois assim ficaríamos em pé de igualdade com a Argentina, o Chile, o México e a Venezuela.
Ela acha ótimo o raciocínio de quem não faz conta, pois assim fica cada vez mais esquecida. "Será que eles não vêem, pergunta aos seus botões, que somente as despesas com funcionalismo e benefícios previdenciários abocanham 22% do PIB?"
A velhota fica contente em ver que continuam despercebidas as amarrações e vinculações que ela criou no Orçamento público. Na União, ela deixou o governo controlando menos de 10% da despesa. "Se pensam que a desvalorização vai mudar isso, estão muito enganados", pensa consigo mesma, arrogante.
Ela ouviu falar que a inflação vai ser a solução para o déficit: corrói as despesas e mantém as receitas em termos reais. Ela sabe que não é bem assim, mas prefere ficar calada. Quanto mais dizem isso, mais esquecem dela e não mudam a estrutura que armou.
É verdade que ela conhece bem essa questão. Sabe que a inflação tem muitos aliados no Brasil. E lamenta que "dona" inflação, que engordou depois de 1988, tenha ultimamente passado a pão e água por culpa de um certo Plano Real. Quem sabe a desvalorização resolva o seu problema?
A velhota dá gargalhadas ao ouvir dizer que o Congresso está aprovando medidas para ressuscitar o regime fiscal, cuja morte aconteceu com sua inestimável contribuição. Ela sabe que nenhuma dessas medidas a ameaça, pois não passam de uma emergência para evitar o pior e estabilizar a relação entre a dívida pública e o PIB.
O que também a diverte são os atônitos empresários que saudaram a desvalorização. Eles tinham comprado a idéia de que a mudança cambial cortaria os juros imediatamente e que o real se depreciaria de forma controlada até uns 20%.
Agora, assustados com sua dívida, apóiam tudo o que prometa baixar os juros e a taxa de câmbio, da centralização de câmbio ao "currency board". Ela suspeita de que isso seria péssimo para eles mesmos, mas entende que o desespero aceita qualquer coisa.
Nos seus momentos de ternura, a velha senhora acha que os propagandistas da desvalorização, que vêem o câmbio como a grande saída, merecem o Reino dos Céus.
Ela reza em favor dos que confundem centralização cambial com o controle cambial sugerido pelo famoso economista Paul Krugman (disseram-lhe que a Malásia se arrependeu da receita). Ela também acha que eles deveriam ler outro economista não tão famoso, mas igualmente respeitado, Jagdish Baghwati, um crítico severo da idéia.
A velhusca se choca com os que enxergam a centralização cambial como algo que dá prazer sem consequências, tal como no caso do hímen complacente.
O que muito a impressionou foram os ataques peçonhentos ao ministro da Fazenda. Ela detesta Malan, que até no exterior a difama, mas ficou horrorizada com as ofensas baseadas em falsidades e raciocínios falaciosos adrede construídos.
Depois desses momentos de brandura, a velha senhora saudou a volta, em grande estilo, da proposta do mesmo deputado do PT gaúcho que a apresenta desde 1989: dobrar o salário mínimo. Seria o retorno garantido da inflação crônica.
A velhusca nota o reconhecimento de que a desvalorização não é uma panacéia, mesmo entre seus adeptos, e que muito ainda precisa ser feito ("Ainda bem que não se lembraram de mim", respira aliviada).
Ela vê muitos afirmando que a desvalorização deveria ter sido feita muito antes, que o BC não tem capacidade operacional, que a taxa de juros está errada. Para ela, eles estão se protegendo para o caso de dar errado.


Mailson da Nóbrega, 56, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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