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OPINIÃO ECONÔMICA
Quem ri por último
MAILSON DA NÓBREGA
Nesses tempos de crise, tem-se
discutido quem manda na política econômica ou se os juros devem baixar ou subir. Antes da
mudança no câmbio, debateu-se à larga sobre se caberia ou
não desvalorizar.
Uma velha senhora, decrépita
de 10 anos, ri à toa. Afinal, é ela
quem manda. Para ela, essas
discussões servem apenas para
animar o ambiente, pois nada
dará certo sem sua permissão.
Desde que foi parida em 1988
por uma tal de Assembléia Nacional Constituinte, tudo está
em suas mãos.
A velhusca se diverte à beça
quando os entusiastas da desvalorização afirmam que os problemas do déficit público vão ser
resolvidos. Ela quase perdeu o
fôlego rindo da seguinte receitinha de bolo: com a mudança
cambial, a atividade econômica
cresce, a arrecadação sobe e o
déficit cai. Melhor ainda: os juros caem e o déficit diminui
mais.
Ela ouviu dizer, depois da desvalorização, que a carga tributária, que já ronda os 32% do
PIB, deveria ser reduzida imediatamente para 20%, pois assim ficaríamos em pé de igualdade com a Argentina, o Chile, o
México e a Venezuela.
Ela acha ótimo o raciocínio de
quem não faz conta, pois assim
fica cada vez mais esquecida.
"Será que eles não vêem, pergunta aos seus botões, que somente as despesas com funcionalismo e benefícios previdenciários abocanham 22% do
PIB?"
A velhota fica contente em ver
que continuam despercebidas as
amarrações e vinculações que
ela criou no Orçamento público.
Na União, ela deixou o governo
controlando menos de 10% da
despesa. "Se pensam que a desvalorização vai mudar isso, estão muito enganados", pensa
consigo mesma, arrogante.
Ela ouviu falar que a inflação
vai ser a solução para o déficit:
corrói as despesas e mantém as
receitas em termos reais. Ela sabe que não é bem assim, mas
prefere ficar calada. Quanto
mais dizem isso, mais esquecem
dela e não mudam a estrutura
que armou.
É verdade que ela conhece bem
essa questão. Sabe que a inflação tem muitos aliados no Brasil. E lamenta que "dona" inflação, que engordou depois de
1988, tenha ultimamente passado a pão e água por culpa de um
certo Plano Real. Quem sabe a
desvalorização resolva o seu
problema?
A velhota dá gargalhadas ao
ouvir dizer que o Congresso está
aprovando medidas para ressuscitar o regime fiscal, cuja
morte aconteceu com sua inestimável contribuição. Ela sabe
que nenhuma dessas medidas a
ameaça, pois não passam de
uma emergência para evitar o
pior e estabilizar a relação entre
a dívida pública e o PIB.
O que também a diverte são os
atônitos empresários que saudaram a desvalorização. Eles tinham comprado a idéia de que
a mudança cambial cortaria os
juros imediatamente e que o
real se depreciaria de forma
controlada até uns 20%.
Agora, assustados com sua dívida, apóiam tudo o que prometa baixar os juros e a taxa de
câmbio, da centralização de
câmbio ao "currency board".
Ela suspeita de que isso seria
péssimo para eles mesmos, mas
entende que o desespero aceita
qualquer coisa.
Nos seus momentos de ternura, a velha senhora acha que os
propagandistas da desvalorização, que vêem o câmbio como a
grande saída, merecem o Reino
dos Céus.
Ela reza em favor dos que confundem centralização cambial
com o controle cambial sugerido
pelo famoso economista Paul
Krugman (disseram-lhe que a
Malásia se arrependeu da receita). Ela também acha que eles
deveriam ler outro economista
não tão famoso, mas igualmente respeitado, Jagdish Baghwati,
um crítico severo da idéia.
A velhusca se choca com os que
enxergam a centralização cambial como algo que dá prazer
sem consequências, tal como no
caso do hímen complacente.
O que muito a impressionou
foram os ataques peçonhentos
ao ministro da Fazenda. Ela detesta Malan, que até no exterior
a difama, mas ficou horrorizada
com as ofensas baseadas em falsidades e raciocínios falaciosos
adrede construídos.
Depois desses momentos de
brandura, a velha senhora saudou a volta, em grande estilo, da
proposta do mesmo deputado
do PT gaúcho que a apresenta
desde 1989: dobrar o salário mínimo. Seria o retorno garantido
da inflação crônica.
A velhusca nota o reconhecimento de que a desvalorização
não é uma panacéia, mesmo entre seus adeptos, e que muito
ainda precisa ser feito ("Ainda
bem que não se lembraram de
mim", respira aliviada).
Ela vê muitos afirmando que a
desvalorização deveria ter sido
feita muito antes, que o BC não
tem capacidade operacional,
que a taxa de juros está errada.
Para ela, eles estão se protegendo para o caso de dar errado.
Mailson da Nóbrega, 56, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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