São Paulo, Quinta-feira, 11 de Fevereiro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Valorizem o real!

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Decididamente, um economista não pode tirar férias sossegado. Volto depois de um mês fora e encontro o país virado de ponta-cabeça. Aconteceu o que se temia: um colapso cambial de consequências graves, que compromete a autonomia da nação e as suas possibilidades de desenvolvimento.
A mudança cambial em janeiro foi conduzida de forma muito confusa. Não se faz omelete sem quebrar ovos, mas o pessoal conseguiu quebrar também a panela, o fogão e ameaça tocar fogo na cozinha.
São muitas as incertezas, mas uma coisa é certa: a desvalorização do real foi longe demais. Passamos de um extremo a outro. Depois de anos de sobrevalorização, temos agora um quadro de subvalorização do real. A persistência dessa subvalorização, associada à excessiva volatilidade da taxa cambial, ameaça trazer de volta a inflação e desorganizar a economia como um todo.
O governo não tem muito tempo para virar o jogo. O Banco Central precisa reunir logo as condições para assegurar uma certa estabilização do preço do dólar em nível significativamente inferior ao atual. Que preço seria esse? Depende, entre outras coisas, do nível interno de preços e salários pós-desvalorização, mas possivelmente algo na faixa de R$ 1,60 a R$ 1,70.
É uma ilusão imaginar que isso possa ser alcançado apenas com medidas monetárias e fiscais. Flutuação cambial pura não é para o nosso bico. Para o Brasil, sobretudo agora, o regime mais apropriado é a flutuação administrada, isto é, com forte intervenção do Banco Central, apoio financeiro externo e controle dos fluxos cambiais.
Evidentemente, há aspectos positivos no que aconteceu desde meados de janeiro. Primeiro, o Brasil abandonou a malfadada âncora cambial bem antes de esgotar as suas reservas internacionais. Segundo, a desvalorização real do câmbio produzirá, com alguma defasagem no tempo, substancial melhora na balança comercial e em outras contas do balanço de pagamentos em transações correntes, reduzindo a nossa dependência em relação a capitais externos. Terceiro, caminhamos, ainda que de forma tumultuada, para um regime cambial flexível, mais adequado às circunstâncias internacionais e às características estruturais da economia brasileira.
Trata-se agora de impedir que a depreciação e a volatilidade excessivas da taxa de câmbio desarrumem de vez uma economia fragilizada por anos seguidos de políticas econômicas inconsistentes e pela turbulência dos mercados financeiros internacionais.
A consolidação do novo regime cambial pressupõe diversas ações nos campos interno e externo. Por exemplo: em algum momento, o Banco Central precisa parar de se comportar como se estivesse sem reservas. Isso significa atuar no sentido de aplainar as flutuações da taxa cambial e inverter a sua tendência à depreciação.
O importante, nesse momento, é evitar que se cristalize a percepção de que flutuação significa uma tendência mais ou menos contínua de depreciação. No momento adequado, o Banco Central terá que intervir de forma decidida para derrubar e depois estabilizar o preço da moeda estrangeira.
Nas condições atuais, o apoio financeiro internacional é crucial. O Brasil não pode, porém, limitar-se a entendimentos com o FMI e os EUA. Cabe negociar também com os europeus e japoneses, que têm interesses comerciais e financeiros e investimentos diretos muito expressivos no Brasil.
É necessário, evidentemente, assegurar a liberação das parcelas previstas no pacote financeiro de US$ 41 bilhões. Mas, a essa altura, parece indispensável negociar uma contribuição dos credores externos privados, que ficaram de fora do pacote costurado no ano passado. Essa contribuição deve incluir, no mínimo, um compromisso formal com a recomposição e a sustentação das linhas comerciais e interbancárias de curto prazo.
Sem uma ação mais decidida do Banco Central e sem apoio externo, caminharemos para uma crise que a ninguém interessa.


Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna. E-mail: pnbjr@ibm.net


A coluna de Aloysio Biondi passa a ser publicada aos sábados. Rubens Ricupero, que escrevia aos sábados, passa a assinar sua coluna aos domingos.


Texto Anterior: Governo aceita reduzir IPI dos carros
Próximo Texto: Grandes vendas de ações têm de ser comunicadas à CVM
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.