São Paulo, sexta-feira, 18 de junho de 1926
Neste texto foi mantida a grafia original

BAUDELAIRE E SABATIER

Uma paixão mysteriosamente mantida durante cinco annos e que se extingue por um desfecho brusco

As relações do autor de "Flores do Mal" com a madame Sabatier datam da época em que o poeta, vivendo no famoso hotel Pimodan, frequentava assiduamente a casa de Fernando Boissard, cujo sumptuoso salão servia para as sessões do "Clube dos Haschischins".

Era moda, naquelle tempo, que as mulheres aprendessem a natação. E Sabatier aprendia a nadar para não desmerecer, a sua reputação de mulher elegante.

A escola de natação ficava no bairro de Anjou e sempre ao regressar Sabatier ia dar dois dedos de prosa com Boissard, Gautier, Baudelaire e outros familiares da casa.

Sabatier era alta e bem proporcionada; sua cutis era fina e rosada e seus cabelos brilhavam como reflexo do cobre.

Bocca e mãos pequenas e, um ar de ingenua que attrahiam e encantavam.

Mulher de grande cultura, em sua casa reuniam-se literatos e artistas.

Amavel e affectuosa para com todos, fazia que entre os que accorriam à sua casa reinasse a maior camaradagem.

Por sua belleza, intelligencia e bondade, produziu grande impressão sobre Baudelaire.

Mas, o autor do "Paraisos Artificiaes" era um timido e tinha grande temor ao ridiculo.

Não se atreveu a declarar-se à linda mulher, porque não poude encontrar palavras apropriadas e temia que Sabatier levasse tudo em brincadeira.

Aos 33 annos agiu como um jovem enamorado: disfarçando a lettra, dirigiu, à sua adorada durante cinco annos, cartas e poesias impregnadas de uma respeitosa e mystica paixão.

"Eu lhe peço perdão - escrevia elle - por esta imbecil correspondencia anonyma, mas sou egoista como as creanças e os enfermos. Penso nas pessoas amadas quando soffro; geralmente, penso em você "em verso" e quando está feita a poesia não posso resistir ao desejo de que a conheça a pessoa a quem foi dedicada.

Mas ao mesmo tempo, occulto-me como alguem que teme o ridiculo".

Durante um lustro Baudelaire não trabalhou, não viveu senão para ella.

Apezar de suas numerosas aventuras passionaes e de seus severos juizos sobre a mulher, experimentava pela primeira vez em sua vida uma exaltação amorosa só comparavel à dos antigos poetas - Dante, Petrarca - que cantavam "a doce senhora dos seus pensamentos".

As suas melhores poesias datam dessa época.

Mas que pensava daquelle amor Bertha Sabatier?

Demasiado feminina para não ter advinhado logo o nome do seu mysterioso idolatra, não deixou entrever que o houvesse descoberto.

Mas não permanecia insensivel ao culto do poeta.

Em 18 de Agosto de 1857, por occasião do processo que se instaurou a respeito do seu livro "Flores do Mal", Baudelaire escreveu a ella pela primeira vez sem disfarçar a lettra, firmando o seu verdadeiro nome, e supplicando-lhe ardentemente que "fosse seu confidente e guardasse segredo sobre tudo quanto lhe dissesse".

Declarado o amor, Bertha escrevia ao poeta: "Posso dizer-te sem exaggero que sou a mais feliz das mulheres e que te amo com toda a minha alma. Faze de mim o que queiras, pois pertenço-te em absoluto".

Mas o amor de Baudelaire, correspondido assim tão rapido e amplamente, soffreu um grande abalo e o poeta, em uma carta bastante cruel, deu sciencia disso a Sabatier.

Por que assim occorreu: Ninguem o diz, até hoje.

Muitos querem ver ahi a vingança de quem fora desdenhado primitivamente e que contrapunha o desdem ao velho orgulho.

"Até poucos dias - diz Baudelaire - tu eras uma divindade, um ser formoso e inviolavel. Agora não és mais do que uma mulher. Oh! que desengano! Demais, temo desgostar esse pobre homem que continua tão cégo e enamorado como dantes".

Aqui Baudelaire alludia a Mosselmam, o protector official de Bertha Sabatier.

Mas se de facto amava, por que esses escrupulos? A paixão não conhece essas delicadezas e ignora a piedade.

Isso causou profunda dor à Bertha, que amava verdadeiramente o poeta. Não sabia que conjecturas fazer. Soffreu e resignou-se.

Chorou sua desillusão.

Mulher, não fugiu aos despiques, mas estes foram tão suaves que não feriram o ingrato.

Em uma carta, Bertha escreveu:

"O meu coração está mais tranquillo e aconselho que não tenha debilidades. Chegará a descer até o grau de calor que tu desejas. Soffrerei, indubitavelmente, mas supportarei por ti as maiores torturas".

Tudo havia terminado e não se fallava de amor entre elles.

A fogosa paixão de Baudelaire extinguira-se de golpe.

Continuou frequentando a casa de Sabatier, mas esta dahi então só foi para elle a amiga affectuosa, quasi maternal, que o exhortava ao trabalho.

O que Bertha pensava daquella situação e como a suportava é um desses mysterios femininos que em vão se procuraria decifrar.
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