Neste texto foi mantida a grafia original
 
CASAMENTOS DE PRINCIPES E REIS

As princezas reaes não são mulheres como as outras. Ellas devem amar apenas a sua Patria, como as religiosas amam apenas o seu Deus" - Casamentos morganaticos e casamentos forçados - Episodios curiosos

Quando a princeza Marina da Grecia se casou, ha menos de dez annos, com o duque de Kent, esse acontecimento suscitou, não só na Inglaterra, mas no mundo inteiro, curiosidade indisfarçavel que ninguem, em nossos tempos, julgaria possivel. Esse casamento, que determinou a movimentação de algumas centenas de curiosos, foi, em ultima analyse, um excellente negocio para o imperio britannico. É muito possivel que as considerações de ordem material não foram estranhas á publicidade que se deu aos preparativos sumptuosos da ceremonia. Evidentemente, não se poderia dizer que esse casamento foi a causa única do renascimento da confiança, mas é innegavel que os esforços dos que, nesse momento, tentavam reanimar o mercado, encontraram nas nupcias reaes um optimo elemento para alcançarem seus objetivos.

As nupcias de Alberto I

A união de Alberto I, da Belgica, com aquella que mais tarde seria a rainha Elisabeth determinou, no principio deste seculo, uma aura de optimismo conmovedor, tanto o mais que a minuciosa descripção do banquete de nucias, feita pelo jornalista Van Zyppe que delle participou.

Casamento e morte da rainha Astrid

Quando uma princeza ou uma rainha é bonita, o romantismo das multidões põe-lhe sobre a fronte uma aureola. Foi o que succedeu com a princesa Astrid, quando viva e, principalmente depois de sua morte em circunstancias tragicas. Ella correspondia, em verdade, exatamente á imagem que os povos costuman crear para as rainhas dos seus sonhos. - Eu não me casarei nunca senão por amor! dissera ella, varias vezes. Esquecia-se, sem dúvida que Leopoldo II, por ocasião do matrimonio de sua irmã, a princeza Carlota, com Maximiliano da Austria, tinha decidido que as princezas de sangue real não deviam ser realizados por conveniencias pessoaes, razões sentimentaes ou romantismos anachronicos, mas unicamente por exigencias do interesse nacional. A proposito de certos noivados principescos que lhe pareciam contrarios ao interesse publico, o velho rei não fez concessões nem excepções, mantendo-se inflexivel no seu ponto de vista. E exclamava: - As princezas reaes não são como as outras mulheres. Ellas devem amar apenas sua pátria, como as religiosas amam seu Deus. Ora, uma noite de inverno, durante um baile, a princeza Astrid, viu pela primeira vez o principe Leopoldo que, então não contava mais de vinte e cinco annos de idade. E, quando a festa terminou, ambos se separaram trocando um sorriso que continha toda a felicidade do futuro - até a estupida catastrofe que todos conhecemos.

A força do principio monarchico

O casamento tem uma importancia primordial nas familias reaes. É necessario dar herdeiros ao paiz assegurando assim a continuação da dynastia e do proprio regime. É uma das forças do principio monarchico destruir logo no inicio toda inquietude em torno do problema da sucessão. O nascimento do primeiro principe da Inglaterra, na geração actual - o filho da duqueza de Kent foi tido, a esse respeito, como uma verdadeira felicidade por todo o povo Inglez. O seu sobrinho era, pois, o herdeiro do throno. As uniões principescas são sempre, aos olhos da multidão, acontecimentos felizes. O casamento do principe real da Dinamarca com a encantadora princeza Ingrid da Suecia, e do principe herdeiro da Suecia com a princeza Sibylla de Coburg foram festejados pela população dos dois paizes, ainda que elles, nesse momento, estivessem sob o governo de gabinetes socialistas. A politica não tem nada que ver com esses sentimentos. E é preciso notar que os herdeiros dos thronos da Noruega, da Suecia e da Italia só tiveram filhas, como tambem o rei Boris da Bulgaria e a rainha da Hollanda. Quem se casará com a princeza Juliana dos Paizes Baixos? É uma pergunta que se reveste de excepcional importancia e que constitue, hoje um dos mais sérios problemas da Hollanda.

Felicidade coisa rara

O papel de principe consorte, tão ingrato em muitos sentidos, tem sido desempenhados ás vezes, com muita felicidade. O principe Alberto, marido da rainha Victoria da Inglaterra, e o principe Felix de Bourbon que se casou com a grã duqueza de Luxemburgo, são exemplos comprobantes. É verdade que a felicidade não é sempre o apanagio dos casamentos reaes. Mas, ás vezes, isso acontece, embora se costume dizer que esses casos são excepções que existem apenas para confirmar a regra geral. Sabe-se, por exemplo, que a rainha Victoria da Inglaterra não cessou nunca de lamentar a perda de seu marido. E que Nicolau II, da Russia, e sua esposa, amaram-se loucamente e longamente. Este foi, tambem, o caso da rainha Mary e do rei Jorge V da Inglaterra. Os divorcios, porém, não têm sido raros. O rei Carol da Rumania, casára-se com a irmã de George II da Grecia e este com a irmã do rei Carol. Casamento em duplicata ... e divorcio em duplicata. O gran-duque de Hesse e sua esposa, "née" - Coburg, irmã de Maria da Rumania, tambem se divorciaram. Ella casou-se, depois com o principe Cyrillo da Russia, actual chefe da casa das Romanoff.

Casamentos sem amor

Como se tem visto, os casamentos por necessidade têm sido em muito maior numero, entre as familias reaes, que os casamentos por amor. Quando Fernando da Bulgaria desposou Eleonora de Reuss, foi apenas para dar uma mãe aos seus filhos, duplamente orphans pela morte de Maria Luiza de Bourbon-Parme, sua mãe, e da avó Clementina d'Orleans. Algumas difficuldades de ordem religiosa, logo removidas pelo soberano, quasi chegaram a impedir o enlace. M. Paleologue, então ministro da França na Bulgaria, dá-nos, a esse respeito, um relato curiosissimo: Logo após a confirmação orthodoxa do principe Boris, o rei Fernando fôra excommungado pelo papa. Foi-lhe permittido, portanto, contratar um casamento catholico com uma protestante, com a condição de que o consorcio não se faria sob o ritual protestante. Os Reuss, familia de sua segunda mulher, eram fevorosamnete protestantes, enquanto os Parma, familia de sua primeira esposa, eram ardentes catholicos. Não era facil, pois, conciliar as exigencias dos Reuss com as do Vaticano, o pastor protestante de Gera, residencia dos futuros sogros, recusava-se a realizar o casamento desde que Fernando se recusava obstinadamente a pronunciar o "sim" sacramental. Mas, finalmente, depois de longas e difficieis negociações, chegou-se a uma solução. O pastor não diria: - Eu vos pergunto, principe Fernando.... E depois: - Eu vos pergunto, princeza Eleonora... Mas diria simplesmente: - Eu vos pergunto, principe Fernando e Princeza Eleonora... A princeza respondeu. O principe ficou calado. E todo o mundo ficou satisfeito.

A velha princeza e o joven garçon

Os casamentos morganaticos excitaram, em todos os tempos, a curiosidade publica. Assim, pretendeu-se que o casamento de Guilherme II da Allemanha com a princeza Herminia de Reuss, fôra um casamento morganatico. É um engano. Os Reuss foram principes reinantes. É verdade que elles reinaram apenas sobre alguns poucos milhares de subditos. Mas, incontestavelmente, eram principes reinantes. (Essa curiosa familia se dividia em um ramo "ainé" e um ramo "cadet", independentes uma da outra, mas cujos principes, segundo uma tradição secular, deviam todos se chamar Henrique. Quando um dos ramos chegou ao seu Henrique ..... LXXXXX (99.0), decidiu que o seguinte voltaria ao numero I. Vendo isso, o outro ramo da familia dicidiu que, com elles um novo Henrique I seria nomeado no começo de cada seculo). Se o casamento de Guilherme II não é morganatico, não se póde negar que casamento desse genero já se realizaram entre os Hoenzollern. O filho mais velho do Kromprinz casou-se com uma senhorita de Salviati, em Bonn, seguindo o exemplo de sua avó, a princeza Victoria, irmã do Kaizer, que, alguns annos antes, já bastante velha, se casára com um joven e synpathico russo, Alexandre Zoubkoff, que delapidou estrondosamente a fortuna da esposa, voltando depois a ser garçon de café para, mezes após morrer e ser atirado á valla commum do cemiterio de Luxemburgo!

A joven poetisa

A vida matrimonial dos principes da Rumania é, certamente, a mais fertil em episodios romanticos. Em 1918, o rei actual, Carol II tinha se casado secretamente com mlle. Lambrino, filha d'um general. Essa união foi dissolvida em 1920 e o principe casou-se, no anno seguinte, com a princeza Helena da Grecia. Isso, sem falar nas suas aventuras com uma outra senhora que quasi chegou a ser rainha, chegando mesmo a dissolver aquelle segundo casamento. O irmão do rei, o principe Nicolau, desposou por sua vez, uma vaga senhorita Severano. O principe Fernando tambem não procurou noivas de sangue azul; começou a nomorar Helena Vacaresco, dama de companhia da rainha Carmen Sylva, tia do principe. A rainha, que gostava da jovem poetisa, viu esse namoro com bons olhos mas ... as razões de Estado interromperam o romance. Hoje, Helena Vacaresco é delegada da Rumania na Liga das Nações e acaba de publicar um livro de memorias em que relata esses episodios interessantes.

Sangue real

Quando se suppõe que os casamentos morganaticos são um signal de aviltamento da dignidade real, engana-se redondamente (*). É evidente que, se um casamento como o da princeza Marina da Grecia com o duque de Kent suscitou tanto enthusiasmo na Inglaterra, foi justamente porque ella era a primeira princeza de sangue real puro que um principe inglez desposava, desde o começo do seculo. Todavia, certos casamentos entre reis e plebéas dão origem a ilustres descendencias. Pedro o Grande, ancestral dos Romanoff, casou-se com uma simples camponeza. Sob o nome de Catharina I, ella soube, após a morte do esposo, defender a pesada herança que o rei lhe deixara. Nenhuma casa real contestou jamais a authenticidade do sangue imperial misturado ao sangue plebeu da humilde Catharina Skawronsky. O famoso duque d'Anhalt casou-se com a filha de um pobre pharmaceutico chamado Fohese e a sua descendencia foi das mais ilustres. O ultimo principe de Monaco desposou a sobrinha do poeta Henri Heine e elevou-a ao rol das princezas reinantes.

Um bello casamento morganatico

O avô do principe Alberto de Monaco, o principe Florestan I, sob cujo reinado foram creados os jogos em Monte Carlo, casou-se com uma plebéa: Carolina Gilbert. Florestano I tinha sido actor durante a revolução franceza, época em que o principado foi annexado á França. Uma princeza de Monaco fôra guilhotinada como Maria Antonietta. O filho do antigo principe reinante tornou-se escudeiro de Napoleão e impediu a volta dos Bourbons e a intervenção de Talleyrand para que a independencia de Monaco fosse restabelecida. O principe de Monaco, voltando à sua terra em 1815, encontrou Napoleão que voltava da ilha de Elba. Monaco, que soffrera muito com a revolução, estava na maior miseria. Cantava-se, então: "Son Monaco sopra um scoglio Non semino e nom racolgo Ma pur mangiar vaglio" Isto é : "Sou Monaco sobre um rochedo Não semeio e, pois, não colho E preciso comer". Mas, cincoenta annos depois, podia cantar: "Não semeio, mas colho..." Como? Artes de Carolina Gilbert que, de parceria com um famoso empresario de jogos, M. Blanc, solvou Monaco da miseria. Se o rochedo não produz os casinos produzem muito...

Vastos Imperios

A proposito citemos um outro pequenino paiz, o principado de Liechtenstein, minuscula terra independente na fronteira austrosuissa. Seu soberano é casado com uma senhorita Guttman, de Vienna. No inverno, o principe reside em Vienna. No verão, nas suas terras na Sileria, capital de LiechtensteinVaduz, cidadinha com 1.400 habitantes. Se se considera que a superficie do principio de Monaco não vae além de um kilometro quadrado Liechtenstein parece um vasto imperio com seus 59 kilometros quadrados.

Uma paixão de Guilherme I

Logo após a guerra européa, o presidente Poincaré acariciou o projecto de casar Alexandre da Jugoslavia com uma das filhas do duque e Guise. Anteriormente, tinha constituido um problema para o herdeiro servio o casamento com a princeza Olga, filha de Nicolau II. Estava-se longe, nessa época, das considerações severas sobre a igualdade dos casamentos reaes que tinham impedido o consorcio de Guilherme I, imperador da Allemanha, com a princeza Radziwill que elle amava sériamente. Uma vasta commissão de peritos escolhidos entre os mais celebres jurisconsultos e professores de Universidades, pronunciou-se contra o enlace. Apesar do passado hirtórico dos principes Radziwill na Polonia, ficou decidido que elles não eram dignos do rei da Prussia.

Madame Toselli, ne'e duqueza da Austria

Uma outra archiduqueza da Austria, Luiza de Toscana, deixou seu marido, o ultimo rei de Saxe, para casar-se com um artista, o compositor Toselli. O casamento de princezas com plebeus são, todavia, mais raros que os de principes com plebéas. Ellas, porém, têm sido felizes. Perdem definitivamente o titulo mas são largamente compensadas pelo amor, como foi o caso de ex-duqueza austriaca e de outra, a princeza Olga, irmã de czar Nicolau da Russia que abandonou a Côrte para casar-se com um official da Guarda. Retirou-se, depois, para viver numa aldeia da Dinamarca onde os camponezes a adoravam e a consideravam como uma santa.

Publicado na Folha da Manhã
(*) Este artigo foi publicado na imprensa européa um mez antes do caso Eduardo VIII - Mistress Simpson. Vê-se que o autor foi quem se enganou...
Data de publicação  10.jan.1937
Anteriores
 
  A história do futebol  
 
Como Buster Keaton entende que hão de ser as comédias falantes
 
 
Menotti Del Picchia e a tournée da instrucção artistica do Brasil
 
 
História econômica do Brasil
 
 
Uma importante entrevista com Trotsky
 
 
O que a vida me ensinou
 
 
A primeira entrevista de Hitler
 
 
Ouvindo os "Novíssimos"
 
 
Idéas e Factos
 
 
Preconceito de Classes
 
 
Uma entrevista de Chaplin
 
 
Novos rumos para o Brasil
 
 
A morte é vírgula
 
 
Casa Grande & Senzala