São Paulo, domingo, 13 de junho de 1937
Neste texto foi mantida a grafia original

A RAÇA BRANCA EM PERIGO

O problema colonial concentra-se, hoje em dia, na Africa e nas Indias Orientaes. O resto do mundo está em mãos firmes. Paizes e continentes que, ha uma decada de annos, não passavam de colonias ou protectorados mais ou menos disfarçados, tornaram-se dominios autonomos e estados independentes. Porções importantes do Imperio Britannico consideram-se seus alliados, com direitos iguaes. A America do Norte e a do Sul perderam as suas caracteristicas coloniaes.

Assim, o nó do problema colonial está no Oceano Indico, num vasto semi-circulo que encerra a costa oriental da Africa, a Arabia, as Indias Orientaes e a Australia. Dessas terras, as que ficam em zonas temperadas, no sul - a União Sul-Africana e a sua contrapartida oriental, no outro lado do Oceano, a Australia - tornaram-se membros autonomos do Imperio Britannico.

O futuro da França, na Indochina, e da Hollanda, nas Indias Orientaes, depende de saber se a Inglaterra conseguirá sustentar a sua posição na India. Se estas tres potencias se mostrarem incapazes de manter-se na Asia, o Japão, inevitavelmente, pretenderá a herança. Somente o Imperio do Sol Nascente possue meios de construir outro imperio, nas margens do Oceano Indico. É duvidoso que o Japão tenha capacidade para colonizar, em grau igual ao dos "diabos brancos". Nem é certo que os povos da Indochina e das Indias Orientaes, acceitem de boa vontade uma mudança de senhores. O seu odio pelo Japão não é menos intenso do que pelos chinezes. Ultimamente, a India está tão afastada do Japão como da Europa, e a Inglaterra possue uma forte posição de flanco na Australia.

Mesmo as nações européas, que não se acham directamente interessadas na India e nas Indias Orientaes, têm interesse - uma verdadeira obrigação moral - de auxiliar os inglezes, os hollandezes e os francezes. Exigem-no os interesses da raça branca. A posição da Grã-Bretanha, na India, deve ser auxiliada em todas as circumstancias. A fronteira da Europa está em Singapura. O problema colonial asiatico só pode ter uma significação para a Europa.

A situação é muito differente na Africa, embora mesmo ahi a propaganda contra os brancos importada da Asia, desempenhe papel muito sério. Indianos, chinezes, arabes e japonezes encontram-se por toda a parte, entregues ao commercio, desde Aden à Cidade do Cabo, não raro em alta escala. O sonho do Japão do dominio do mundo, à moda britannica, estendeu-se por toda a Africa.

As concessões japonezas para plantação de algodão na Abyssinia mostram o que se pode esperar de tal infiltração. Entretanto, de uma maneira geral, os interesses europeus na Africa correm menos perigo do que em qualquer outro continente. Mas, se o Japão conseguir avançar as suas sentinellas para além da India e das Indias Neerlandezas, à custa dos brancos, a Africa ficará em posição extremamente critica.

Mas, ao falar da communidade dos interesses europeus na India e nas Indias Neerlandezas, é claro que esta communidade de interesses só pode permanecer effectiva, se os direitos, tanto quanto os deveres das nações européas, forem distribuidos por igual. A superficie da Africa é superior a onze milhões de milhas quadradas. Quase 40 por cento dessa área enorme pertence á Inglaterra, 30 por cento á França, 8 por cento a Belgica e mais ou menos 7 por cento a Portugal. É impossivel afirmar que tal distribuição corresponda, de qualquer forma, á importancia dos varios paizes europeus nos destinos da Europa, tomados em conjunto.

Uma coisa é certa. A Inglaterra, a França, e a Hollanda têm tudo a perder na Asia, a menos que tenham por trás as nações européas a defender ali as suas possessões. Se o Japão conseguir expulsar os hollandezes das Indias Neerlandezas, toda a Asia ficará perdida para os europeus. Pode a Hollanda defender sozinha as Indias? Que acontecerá se rebentarem simultaneamente rebeliões na India e no Egypto contra a Inglaterra, nas Indias Neerlandezas contra os holandezes, e na Indochina contra a França? Que acontecerá no dia em que toda a China cahir nas mãos dos japonezes? Appellará Londres, na hora da afflicção, para a Europa, em seu auxilio? E conseguirá a Europa afastar e dominar a tempestade de propaganda que se manifestará nas plagas africanas? Em Moçambique (Africa oriental portugueza) ha apenas 15.000 brancos para dois milhões e meio de pretos. Na Africa oriental britanica e franceza a proporção não é muito differente. Cerca de 1.500 asiaticos foram recentemente expulsos de Moçambique por serem considerados fermento de perturbação anti-européa. No Tanganika, 8.500 brancos estão completamente perdidos no meio de cinco milhões de pretos e 33.000 asiáticos.

Qual é hoje o problema da Africa? As duas grandes potencias, a Inglaterra e a França, devem compreender que, a menos de fazerem concessões satisfatorias, ao restante da Europa, terão de combater sozinhos as suas batalhas, em outras partes do mundo. A assistencia da Europa e de outras grandes potencias na Asia não pode ser alcançada livre de encargos. O papel da Inglaterra em 1914, não detendo a guerra, com a sua determinação ferrea, foi indubitavelmente uma falta de visão do ponto de vista dos interesses da raça branca. Os accordos coloniaes de 1919 foram verdadeiras loucuras.

Devemos agora recomeçar no ponto em que estavamos em 1914. Devemos passar para mãos fortes aquelles territorios africanos que, ao presente, estão em fracas mãos, isso á parte qualquer revisão do estatuto colonial corporificado nos tratados de paz. Ninguem razoavelmente deve oppôr-se á idéa de um condominio na Africa. Tambem ninguem pensa em despojar os belgas ou os portuguezes dos seus dominios da Africa. Mas, deve compreender-se que o principio da porta aberta não é apenas um principio commercial, no que diz respeito á Africa. O vigoroso desenvolvimento do continente negro depende da participação de todos os povos europeus, o que dará maiores facilidades de vida á propria Europa. O facto da Italia ter perdido a paciencia e começado a agir por conta propria, independentemente, mostra que chegou a hora de encarar estes problemas num espirito racional.

Ápparte a Africa do Norte franceza que é bem administrada e goza de um commercio activo, áparte a Africa do Sul que é por si mesma um Estado, e áparte ainda o Egypto cuja posição geographica é particularmente favoravel, o desenvolvimento economico da Africa caminha muito devagar. Ha falta de europeus empreendedores e audazes. Não se trata de apoderar-se de um boccado da Africa, mas sim de resolver o problema africano. Se esperarmos que comece a inevitavel luta na Asia, será tarde demais. A supermacia dos brancos na Africa estará em perigo.
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