MACHADO DE ASSIS
"O Brasil acaba de perder o filho que mais alto o elevou no mundo das letras. A Morte,
sempre impecável era a sua triste missão, ceifou ontem a vida preciosa de Machado de Assis
- o Mestre querido e respeitado da literatura pátria. (...)
Machado de Assis nasceu inteiramente pobre e foi no seio da pobreza que ele se criou e deu
os primeiros passos na sua vida. A struggle for life tornou-o artista e foi na qualidade de
símples compositor que ele entrou um dia para as oficinas da Imprensa Nacional. mas dotado
de um invejável talento e de uma vasta erudição, - espírito observador por excelência -
Machado de Assis não tardou a revelar-se o escritor primoroso, cujo passamento acaba de
trazer a dor e o luto a todo o país. (...)
Morreu Machado de Assis. À hora em que escrevo esta frase, nesta mesma seção, em que
há apenas algumas semanas, acusava a recepção de Memorial de Ayres, o livro de afeto,
que lhe prolongou a vida, ele jaz embalsamado, no salão da Academia de Letras,
aguardando a hora solene que que todos os que, nesta terra, prezam e amam as
manifestações de espírito, lhe vão render as últimas e supremas homenagens, que
restritamente, lhe são devidas.
Machado de Assis atravessou três gerações literárias e por todas elas foi considerado o que
era realmente: um mestre desta difícil arte de escrever. Em face de seu corpo inanimado,
pode-se lhe fazer a justiça plena; e essa justiça deve-se traduzir num apoteose.
Transformando os seus funerais numa glorificação, o povo brasileiro não rende apenas o
preito devido ao pensamento e à arte, glorifica-se a si mesmo, porque é, de fato, uma glória
que constitunamos o meio superior, indispensável à existência, ao desabrochamento, à
evolução de um espírito tão primoroso, como o do autor do Braz Cubas. (...)" - A Imprensa,
30 de setembro de 1908.
"Não é uma símples perda. A morte de Machado de Assis é uma catástrofe no mundo das
letras nacionais. Era impossível de resto guardar por mais tempo uma vida que se prendia à
nossa por um fio delgado. Machado de Assis desde que se foi a sua companheira de tantos
anos, já não vivia senão a vida da saudade, a vida da recordação, daquela que fora o
conforto da sua existência, o arrimo da sua velhice e a suprema inspiradora de toda a sua
generosa obra literária. O desaparecimento do Mestre é tanto mais irreparável quando ele
cai de uma altura literária à qual ninguém entre nós atingiu antes dele. (...)
Porque Machado de Assis não foi nenhum filho da fortuna, ele teve de lutar incessantemente
contra todos os obstáculos da vida. Não gozava saúde, não tinha meios para se desvencilhar
das amarguras em que seu espírito sossobraria de certo, se ele não tivesse a couraça de
uma energia que ninguém adivinhava na serenidade e na doçura daquela alma de criança.
Entrou lutando e tombou vencido pela dor e pela saudade. (...)
Era poeta, publicista, cronista, conteur. O seu nome em literatura era Legião. Valia por um
pelotão de estrategistas. Era mais forte do que uma guarda de escolhidos. (...)
Descrevia coisas ordinárias extraordinariamente bem. O estilo é o homem. Na naturalidade
da obra do Mestre descobre-se sem esforço a simplicidade do homem na sua vida pública e
particular. E era esse o maior encanto dos muitos amigos do pranteado morto. (...)
Daqui a muitos anos, talvez a muitos séculos, as gerações que substituirem as que se forem
mergulhando para o outro lado do mundo terreno, hão de ir buscar à obra do Mestre
ensinamentos preciosos. Porque os gênios não desaparecem; transformam-se apenas em
anjos de guarda das nações de que foram figuras precipuas. (...)" - O Século, 29 de
setembro de 1908.
"O homem que hoje desapareceu de entre os vivos não era apenas um fino cultor das letras,
um romancista de nomeada, um conteur exímio, um cronista encantador - era acima de tudo
isso o mais alto, mais delicado e pertinaz amigo da literatura nacional.
Consciente de seu valor, do prestígio de seu nome na arte Machado de Assis não se isolava
na legendária torre de marfim dos orgulhosos e misantropos, o que ele buscava não era a
glória e o respeito para o seu nome unicamente, o que ele queria ver aureolada de
veneração, reconhecida como uma força sublime, como um fator da grandeza nacional era a
literatura, a profissão de homem de letras, que amava acima de todos e cultivava com fervor
de sacerdote. (...) Daí a sua preocupação tão ardente, tão fanática, que foi quase ingênua,
de formar academias, criar um núcleo que atraísse o olhar de todo um povo, fundar a
aristocracia das letras. (...)
O grande escritor Machado de Assis sofria há muito tempo e veio a piorar rapidamente
depois da morte de sua idolatrada esposa. Domingo último mais se afirmaram os
padecimentos até que hoje às 3,45 da madrugada, a arterio-sclerose teve o seu termo final.
(...)
Foi agraciado com os títulos de cavalheiro e oficial da Ordem da Rosa e pelo seu valor
literário mereceu a eleição à presidência da Academia Brasileira de Letras." - A Tribuna, 29
de setembro de 1908.
"A literatura nacional acaba de sofrer, com a morte de Machado de Assis, seu chefe
incontestado, uma perda verdadeiramente irreparável, e que não podia ser maior nem mais
dolorosa.
Sem falar nos seus dotes de imaginação, que não eram extraordinários, Machado de Assis
foi um dos escritores mais puros da língua portuguesa no século XIX e o seu nome será
repetido a par de Garrett, Camillo e outros mestres ilustres. Favorecido por uma cultura
literária formidável e pela faculdade do trabalho abundande e fácil, Machado de Assis deixa
uma obra considerável, a maior, talvez, que ainda saiu da pena de um homem de letras
brasileiro. Na poesia, que foi a primeira manifestação do seu talento, no romance, no teatro,
no conto, na fantasia, na crônica, em tudo ele brilhou intensamente; nenhum trabalho, ainda
o mais insignificante, lhe saiu das mãos que não tivesse o cunho do definitivo, do bem
acabado. (...)
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839 e era
filho legítimo do operário Francisco José de Assis e de D. Maria Leopoldina Machado de
Assis. Os seus estudos foram irregulares. Ao deixar a escola de primeiras letras, sabendo
apenas ler e escrever, tratou de instruir-se a si mesmo, sem professores nem conselheiros, e
assim adquiriu todos os conhecimentos indispensáveis à carreira com que devia ilustrar o
seu nome. (...)
Em 1858, Machado de Assis abraçou a arte tipográfica, mas no ano seguinte abandonou-a,
para ser revisor de provas da famosa casa de Paula Brito e do Correio Mercantil. Em 25 de
março de 1860 encetou a sua vida jornalísica, ao lado de Saldanha Marinho, Quintino
Bocayuva e Cesar Muzio, no Diário do Rio de Janeiro. (...) Em 1867 o governo imperial
agraciou-o com o grau de cavalheiro da Ordem da Rosa, por serviços prestados às letras
brasileiras; em 1888, a princesa D. Isabel elevou-o a oficial da mesma ordem; mas a honra
maior que ele recebeu em vida, foi a presidência da Academia Brasileira, que os seus
confrades lhe deram por aclamação. Em 1869 casou-se Machado de Assis com D. Carolina
Augusta Xavier de Novaes, irmã de Faustino Xavier de Novaes, a qual faleceu há três anos.
A viuvês foi para o grande escritor um golpe terrível, que o aniquilou, agravando os seus
antigos padecimentos. Pode-se dizer que, depois da morte da querida esposa, Machado de
assis não viveu mais: morria aos poucos. Sozinho no mundo, sem filhos, sem parentes, não
resistiu à perda da extremosa companheira de tantos anos. (...)" - O Paiz, 30 de setembro
de 1908.
"Morreu Machado de Assis. Perde a nossa língua um de seus mais vigorosos e profundos
escritores. Com ele desaparece a mais leve e a mais encantadora das nossas prosas, a mais
completa e a mais perfeita das organizações literárias que possuimos. Poeta, romancista,
dramaturgo e jornalista, era Machado de Assis o tipo culminante e o mais simpático do nosso
mundo de letras. Sua perda é irreparável. Num país como o nosso, já tão pobre de espíritos
brilhantes como o seu, esse desaparecimento é mais importante do que parece. (...)
Não mais nos será dado ler novos primores da pena que escreveu Quincas Borba e Dom
Casmurro. Machado de Assis desaparece e embora cubram-lhe a tumba de flores e a sua
memória da mais profunda saudade, do seu estro só nos restará a lembrança que nos seus
livros, no entanto, palpitará sempre luminosa e forte como o sol. (...)
Quem entrasse, às 4 horas, no Guarnier havia de ver, invariavelmente, um homem pequeno,
franzino, de barba curta e quase branca, sempre numa das cadeiras que correm a fila das
brochuras francesas, entre as pernas um indefectível guarda-chuva. Tinha um ar cansado,
se bem que a fisionomia lhe sorrisse todas as vezes que um chapéu se erguesse ou uma
mão apertasse a sua, sempre com grande interesse e respeito. Era Machado de Assis.
Fechada a sua repartição, subia ele Ouvidor acima, caminho do Guarnier, àquela mesma
hora, sempre com o seu passo rítmico e nervoso de quem vai ao cumprimento de um dever
sagrado. (...) E velhos e novos, acadêmicos e poetas que surgissem, óculos e cabeleiras,
cercavam-no com interesse, com curiosidade ou admiração. De toda a grande nave da
livraria, era a figura, a mais vista e a mais admirada. (...)" - Correio da Manhã, 30 de
setembro de 1908.