São Paulo, Domingo, 11 de Abril de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Casa Grande e Senzala" e "Raízes do Brasil" são eleitos os melhores livros brasileiros de não-ficção de todos os tempos; obra de Fernando Henrique Cardoso não é citada
Freyre e Sérgio Buarque empatam

da Reportagem Local

Os anos politicamente tensos do pós-Revolução de 1930 foram também, para o Brasil, um momento decisivo do pensamento do país, em boa parte então direcionado à obsessiva definição de uma identidade nacional e de um projeto que pudesse plenamente realizá-la. Foi basicamente nesse contexto que brotaram "Casa Grande e Senzala" (1933) e "Raízes do Brasil" (1936).
O livro de Gilberto Freyre e o de Sérgio Buarque de Holanda encabeçam a lista dos 30 melhores livros brasileiros de não-ficção de todos os tempos, empatados em primeiro lugar, de acordo com a indicação de dez intelectuais ouvidos pela Folha (leia a lista de cada jurado nesta página e os 30 livros classificados no resultado final na página ao lado).
Os integrantes do júri observam o fato de que Gilberto Freyre e Sérgio Buarque -apesar de unidos aqui na primeira posição- mantinham, quando da publicação de suas obras, posições opostas na altamente politizada intelectualidade brasileira de então -Freyre associado à linha conservadora e Sérgio Buarque à progressista.
""Casa Grande e Senzala" foi submetida a uma exclusão por razões ideológicas, mas isso não tira em nada sua densidade", diz Bento Prado Jr. Ao que complementa Renato Janine Ribeiro: "Uma coisa é a nossa simpatia ideológica, outra é a relevância do texto". Maria Sylvia Carvalho Franco acredita, no entanto, que se trata no fundo de uma falsa discussão. Para ela, Sérgio Buarque foi, a seu modo, especificamente nesse livro, um conservador.
Há algumas curiosidades nessa lista de não-ficção brasileira. A maior parte das obras procura fazer uma síntese interpretativa do que seria o país, com ênfase na sociologia, na história e na literatura. Ainda que a relação abarque toda a história brasileira, a maioria dos textos escolhidos são deste século -27, contra 3 livros do século 19.
Há, por fim, ausências significativas. A principal delas é a de Fernando Henrique Cardoso, autor de volumosa obra em sociologia e um dos formuladores da chamada "teoria da dependência", mas que não chegou a ser citado por nenhum dos jurados.
Nicolau Sevcenko acredita haver nisso algo compreensível, na medida em que mencionar a obra de Fernando Henrique implicaria em reconhecer um autor que "renegou a própria obra". Rogério Cézar de Cerqueira Leite afirma que a não-lembrança do sociólogo é mais significativa quando se leva em conta o fato de parte dos especialistas consultados terem como origem a mesma Universidade de São Paulo, na qual o atual presidente da República lecionou.
Maria Sylvia Carvalho Franco, sua contemporânea, diz que FHC é ainda um autor bastante citado, sobretudo pela geração de brasilianistas norte-americanos. Argumenta, no entanto, que ela própria não o mencionaria, por acreditar que "a teoria da dependência e a adesão dele à globalização são duas maneiras diferentes de dourar a pílula do imperialismo".
(JOÃO BATISTA NATALI)




Texto Anterior: Sartre e Beauvoir
Próximo Texto: Jean Marcel Carvalho França: Duas sínteses do Brasil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.