São Paulo, Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 1999
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LUÍS NASSIF

Bondes e moratórias

Politização de temas financeiros e despreparo técnico dá nisso. Primeiro, um governador -Itamar Franco- que decreta moratória para dívidas que têm garantias líquidas superiores ao devido e podem ser automaticamente executadas. Conseqüência: na prática, Minas está pagando tudo o que deve, e ainda saindo com fama de caloteira, tendo seu nome comprometido junto a todos os organismos de fomento, apenas para permitir ao seu governador um palanque político.
Agora, governadores de oposição -que ouviram falar de ouvido que a lei Kandir prejudica os Estados- começam a exigir sua revogação. A União e o Fundo Monetário Internacional (FMI) agradecem. A União vai deixar de repassar aos Estados algo entre R$ 4 bilhões e R$ 10 bilhões (dependendo da inflação) e ainda poderá alegar que abriu mão do repasse por pressão dos próprios beneficiários.
É como um consumidor que faz um seguro de carro, paga os dois primeiros anos e, depois que o carro é roubado, resolve romper o contrato antes de receber a indenização.
A lei Kandir é um presente para os Estados, o melhor seguro que se poderia ter contra a queda de arrecadação. A intenção era desonerar exportações e bens de capital. Os Estados alegavam perda de receita.
Para administrar esses conflitos, a lei foi feita em duas partes. O texto permanente define as desonerações tributárias. Depois, foram acrescentadas várias medidas que interessavam aos Estados, especialmente a regulamentação do contribuinte substituto (que permite ao fabricante recolher o imposto em nome de seus distribuidores, por exemplo). Finalmente, definiu-se um período de transição de 3 a 6 anos para que os Estados fossem ressarcidos de eventuais perdas de receita.
Com aquele otimismo inefável que caracterizava a administração pública na época, a regra de transição foi extremamente favorável aos Estados.
Tomaram-se 12 meses antes da lei como parâmetro -período em que a economia estava bastante aquecida. Definiram-se dois índices de correção: o IGP-M, mais uma previsão de 5% de crescimento do PIB. É o mesmo que um salário que fosse indexado pelo IGP-M mais 5% de crescimento ao ano. Se a receita dos Estados caísse abaixo dessa linha, a União garantia a diferença.
Esses repasses são custeados por emissão de títulos do Tesouro, para não depender do orçamento da União -o que fez com que nunca tenha havido atraso, que ocorre com receitas orçamentárias.
Nos primeiros tempos, alguns Estados deixaram de receber da lei Kandir porque a arrecadação estava em alta -a economia estava bem e a lei Kandir permitiu tapar várias brechas para evasão de receita. Quando a arrecadação embica para baixo -como agora-, tudo muda de figura.
Ainda não deu para perceber a mudança porque, para evitar movimentos imprevistos, adotou-se a média móvel de 12 meses para os ajustes. No segundo semestre a situação ficará mais clara, e os Estados passarão a receber repasses expressivos da lei -tanto maiores quanto maior for a queda da arrecadação.
Em 1998, o repasse total chegou a R$ 2,1 bilhões. Em 1999, as primeiras simulações apontam para R$ 3,4 bilhões, sem contar a inflação. Com inflação podem chegar a R$ 10 bilhões.
Foi a avaliação desses números que levou técnicos do FMI a pedir a revogação da lei. Os chamados governadores de oposição ouviram o galo cantar e empunharam a bandeira.
Como as negociações ainda não foram abertas, há tempo de recuar. Ou então empunhar a bandeira: "O FMI é coisa nossa".

Micos
Norma básica da boa gestão financeira é comprar na baixar e vender na alta. Os fundos de países emergentes estão vendendo Brasil, que está no fundo do poço, e comprando Argentina -que, com a desvalorização cambial brasileira, será candidata a bola da vez.
Daqui a algum tempo a Argentina explode. Aí eles começam de novo a comprar Brasil.


E-mail:lnassif@uol.com.br


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