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Fla-Flu marca a reabertura da geral no Maracană
21h51 - 20/01/99

Agência JB
No Rio

O perfume de eucalipto durou pouco. À medida em que a torcida ia reconquistando a geral, o que se sentia era o mais autêntico cheiro de povo. De gente feliz, suada, com seus corpos se roçando sob o sol escaldante, ao som do samba. O carnaval começou nesta quarta com a anistia ampla, geral e irrestrita ao torcedor de baixa renda, exilado do Maracanã há quatro anos. Quando a bateria da Mangueira percorreu a geral, faltando meia hora para o início do Fla-Flu, não havia mais separação entre tricolores e rubro-negros. Eram os Unidos do Futebol Carioca, com seu bloco na rua, pedindo passagem para uma temporada de festa no maior estádio do mundo, como foi o jogo desta quarta.


Personagens folclóricos da cidade iam renascendo aos poucos, a partir das 13h30, quando os portões da geral foram abertos. Com a tatuagem do escudo do Flamengo desbotada no peito, Deraldo Batista dos Santos, 45 anos, levou os filhos Deraldinho, 14, e Déborah, 5. "Sou o rei da geral, tenho em casa três mil e tantas entradas", afirma Deraldo, que costumava aparecer na geral fantasiado de múmia. "Já invadi o campo para beijar os pés do Zico. Maracanã sem geral é como comida sem tempero."


O chefe de cozinha Edgar Roque, um tricolor de 45 anos, sentiu o gosto amargo do exílio. "Me abalou muito, tenho trinta anos de geral e muitos amigos aqui, que não vejo há quatro anos. Nunca briguei. Quando o jogo é bom, até bandido vem para assistir. Hoje mesmo tem muitos deles aqui", disse o tricolor, pouco antes do primeiro e único tumulto da tarde. Um início de arrastão foi controlado pela polícia e apenas uma pessoa foi detida.


No território livre da sandália de dedo, há certos códigos de conduta a serem cumpridos. Até um grupo de turistas israelenses conseguiu de misturar à massa. Mas um desavisado repórter da TV Globo se embrenhou na multidão e se deu mal. Quando saiu, deu falta da carteira e de todos os documentos. Talvez tenham parado nas mãos de um rubro-negro. No primeiro gol de Romário, o torcedor do Flamengo, virou-se para as arquibancadas, abaixou as calças e exibiu os documentos à torcida tricolor. Deve ter repetido o delicado gesto pelo menos mais quatro vezes.


Mas na opinião do Coronel Siqueira, comandante do batalhão de choque da PM, os geraldinos mostraram educação. "São humildes, porém civilizados. Respeitaram a facha amarela para não se aproximarem do fosso. Explicamos que o espaço seria usado em caso de transporte de feridos, e eles compreenderam", elogia o militar. Os quarenta PMs, destacados para a geral, tiveram menos trabalho do que o esperado. Ao final da partida, um soldado foi visto paquerando duas torcedoras do Flamengo. Despediram-se com beijinhos e carícias no rosto.


É da geral que o povo gosta, embora a visibilidade seja precária e não haja proteção ao sol. "Sou geraldina desde os sete anos, quando fugia de casa para ir aos jogos. Era menina de rua e agradeço ao Flamengo por ter me tirado da malandragem", diz Maria Gorete de Souza, de 48 anos, a popular Dona Zica, vestida com o uniforme completo e chuteiras. "Só que não há calcinha rubro-negra, no dia em que achar uma, eu compro."


Ao fim da partida, o técnico oficial Evaristo de Macedo desceu rapidamente para os vestiários. Na geral, o técnico oficioso, Gerdau de Oliveira - aquele que costuma orientar o time com seus gritos - disse que todos os jogadores o conhecem. "Na final do Brasileiro de 80 eu gritei para o Zico levantar a cabeça porque o Nunes estava sozinho. Daí saiu o gol do título", recorda Gerdau, um servente de obras que ganha R$ 80 semana e constrói, com sonhos, o espaço mais democrático do Maracanã. Liberou geral!

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