Um pouco de ciência na política

FERNANDO RODRIGUES

Circula em Brasília uma pesquisa que coloca um pouco de ciência nas previsões da política brasileira. Põe um pouco de ordem na plantação ilimitada sobre o que acontecerá com o Congresso e na sucessão presidencial de 2002. Alguém teve o cuidado de ouvir deputados e senadores para saber o que eles pensam sobre esses temas.

Foram entrevistados 361 deputados e 53 senadores, de 15 de março a 6 de abril. O trabalho de campo foi realizado pelo Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (Ibep), uma organização ligada ao escritório de consultoria de Walder de Góes, um sociólogo e cientista político de Brasília.

Há dois resultados principais. Cada um tem o seu valor de face. Mas comporta também algumas interpretações. A elas.

1) Sucessão presidencial - só dois candidatos despontam como favoritos, na opinião de deputados e senadores. Para 64% dos entrevistados, Ciro Gomes (PPS) é hoje o candidato mais forte à sucessão de FHC. É seguido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 60% de citações. Em seguida, vem um abismo.

Mas é notável que apareça em terceiro lugar a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), com 29% das respostas de congressistas sobre quem são hoje os candidatos mais fortes a presidente.

No imaginário dos parlamentares, Roseana está bem à frente do principal cacique pefelista, o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães. ACM teve apenas 18% das citações. E está embolado com os tucanos José Serra e Mário Covas (17% cada) e Itamar Franco (sem partido), com 16%.

A conclusão dessas respostas é simples. Erra quem imagina que o jogo da sucessão presidencial já esteja jogado apenas com os atuais candidatos ou pré-candidatos.

Muitas articulações estão em curso em Brasília. É improvável que o governo FHC, e os seus aliados, caminhem para 2002 deixando dois candidatos de oposição (Lula e Ciro) liderando as pesquisas.

Esse tipo de cenário pode até acontecer na cidade de São Paulo, onde Marta Suplicy (PT) e Luiza Erundina (PSB) aparentemente têm chances de fazer um segundo turno de esquerda (embora isso ainda não seja certo) na disputa para a prefeitura.

O prefeito de São Paulo, Celso Pitta, caminha celeremente para o impeachment. Está trucidado pela opinião pública. Diferentemente de Pitta, no caso da Presidência da República, FHC parece estar obtendo êxito em estancar a queda de sua popularidade.

É certo que o presidente é impopular hoje. Mas está bem longe de ser um Celso Pitta. Por isso, é improvável que assista calmamente a sua sucessão ser disputada apenas por dois desafetos políticos, Lula e Ciro.


2) Sucessão na Câmara e no Senado - a segunda conclusão da pesquisa realizada por Walder de Góes é que a disputa pelas presidências da Câmara e do Senado está embolada nas duas Casas.

Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Michel Temer (PMDB-SP) deixam seus cargos de presidente do Senado e da Câmara, respectivamente, em 15 de fevereiro de 2001. O regimento interno das duas Casas impede uma nova reeleição para ambos (que já cumprem o segundo mandato).

Os seus sucessores terão pela frente um período importante na condução da Câmara e do Senado. O mandato é de dois anos. Os sucessores de ACM e Temer conduzirão o Poder Legislativo durante a campanha presidencial de 2002.

Segundo a pesquisa do Ibep, no Senado dois pré-candidatos estão empatados. Isso, na percepção dos senadores.

Indagados sobre quem seria o candidato mais forte para presidir o Senado, 34% dos senadores responderam José Sarney (PMDB-AP) e outros 32% disseram Jader Barbalho (PMDB-PA).

Essa deve ser a disputa. Mas cabe uma interpretação desse resultado.

Jader quer ser presidente do Senado. Mais do que isso, é vital que ele consiga ser eleito para dar sobrevivência ao grupo dominante hoje no PMDB, basicamente os peemedebistas aliados de FHC.

Jader e seu grupo sabem que só terão serventia para o Palácio do Planalto enquanto puderem manter nas mãos a presidência de uma das Casas do Congresso. Como o PMDB não tem nenhum nome forte na Câmara para suceder Michel Temer, terá de apostar tudo o que tem na presidência do Senado.

O fato de José Sarney estar na frente significaria muito se ele, Sarney, tivesse poder de obter a vaga de candidato dentro do PMDB. Jader jamais lhe cederá espaço.

Sarney é avesso a disputas abertas. Uma grande mudança de conjuntura, como um escândalo de ordem moral abatendo Jader, seria capaz de abrir espaço para Sarney.

Além disso, embora Sarney lidere a pesquisa, é importante notar que isso não acontece quando se observa os resultados separados dos dois principais partidos governistas. No PMDB, Jader vence Sarney por 36% a 30%. No PFL, por 38% a 30%. A vitória geral de Sarney ocorre porque ele é o preferido dos senadores de oposição. Mas os votos da oposição a favor de Sarney só lhe servirão se ele for de fato candidato _o que é hoje algo incerto.

Na Câmara dos Deputados o nome na frente é o do deputado federal Inocêncio Oliveira (PFL-PE): 39% dos pesquisados o citam como um dos mais fortes para presidir a Casa.

A ameaça para Inocêncio é o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), com 23%.

Sozinho com o PSDB, Aécio não ganha a presidência da Câmara. Suas chances são inversamente proporcionais à capacidade de o PFL fazer uma acordo político na Casa ao lado, o Senado.

Se o PFL decidir-se por apoiar Jader no Senado, o PMDB ofertará, em troca, o apoio a Inocêncio. Isso liquidaria a candidatura do tucano Aécio Neves.

O problema é que uma das missões de vida de Antonio Carlos Magalhães hoje é torpedear a candidatura de Jader Barbalho. Isso impede o PFL de fazer algum tipo de acordo. Nesse cenário, o beneficiado é Aécio Neves _que teria de bandeja o eventual apoio do PMDB.

Embora a eleição para as presidências da Câmara e do Senado seja apenas em fevereiro de 2001, a pesquisa do Ibep demonstra que há alguma lógica na disputa. Se isso vai durar até lá, é outra história. Mas é sempre bom usar dados minimamente objetivos na análise.

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Fernando Rodrigues, 38, é repórter e colunista da Folha de S.Paulo em Brasília. Na Folha, foi editor de economia, correspondente em Nova York, Washington e Tóquio. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo de 1997.
Escreva para Fernando Rodrigues: frodriguesbsb@uol.com.br


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