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O ano 1000

Fabio Maisonnave
Especial para o UOL
e Da Redação

Os finais de milênio são épocas propícias para o surgimento de antigas tradições religiosas como a escatologia -parte da teologia que trata do Juízo Final, da volta dos mortos do fim do mundo- e o milenarismo. Derivada da escatologia, a filosofia milenarista acredita que o mundo está dividido em ciclos de mil anos, ao final dos quais haverá um julgamento de Deus sobre as realizações do homem durante o período.

Na virada de 1999 para 2000, a espera de uma catástrofe causada pelo bug do milênio foi acompanhada no mundo todo pela euforia da indústria do turismo para vender a grande data especial da passagem do ano. A catástrofe não veio. Os lucros foram menores que os esperados.

E no ano 1000? Falar do ano 1000 é falar do reduzido mundo cristão, sobretudo na Europa medieval, marcada pelo sistema feudal e pelo imenso poder espiritual da Igreja Católica sobre os seus fiéis.

O livro mais importante que trata do ano 1000 na Europa pertence ao historiador francês Georges Duby ("O Ano Mil"). Um dos mais renomados estudiosos sobre o período medieval, Duby pesquisou todos os textos existentes sobre o ano 1000 na Europa, a maioria textos em latim escritos pelos religiosos da época. A conclusão categórica do historiador: não aconteceu quase nada.

Duby encontrou apenas um texto que descrevia tragicamente o ano 1000: trata-se do relato de um certo Sigeberto de Gembloux. De acordo com ele, "viram-se nesta época muitos prodígios, um terrível tremor de terra, um cometa de rasto fulgurante; a irrupção luminosa invadiu até ao interior das casas e, através de uma fratura do céu, apareceu uma imagem de uma serpente". A descrição é terrível, mas o autor do texto viveu no século 12, portanto não foi testemunha do que descreveu. Pior: tampouco cita a fonte de onde tirou as informações.

Mais tarde, já no século 16, a descrição improvável de Glemboux convenceu alguns religiosos, que ampliaram o relato, descrevendo a passagem do milênio como sendo de grandes cataclismas e pânico generalizado: "violentos tremores de terra sacudiram toda a Europa, destruindo por todo o lado edifícios sólidos e magnifícos. Nesse mesmo ano apareceu no céu um horrível cometa. Muitos dos que o viram acreditaram que se tratava do anúncio do últimos dias..."

Duby novamente duvida. O relato mais explícito de que houve algo próximo a um pânico foi escrito pelo abade de Saint-Benoît-sur-Loire, Abbon, em 998. O abade recorda um pequeno episódio que aconteceu em torno de 975: "A propósito do fim do mundo, ouvi pregar ao povo numa igreja de Paris que o Anti-Cristo viria no fim do ano mil e que o Juízo Final se seguiria pouco depois. Combati vigorosamente essa opinião, apoiando-me sobre os Evangelhos, o Apocalipse e o Livro de Daniel". Nenhuma catástrofe, ao que parece. A pesquisa de Duby encontrou um período tão calmo que a sua cronologia sobre a época -ele pesquisou documentos de 981 a 1039-, não contém um fato sequer no ano 1000 que fosse digno de nota.


Fonte: Georges Duby, O Ano Mil. (Publicado pela editora portuguesa Edições 70)