UOL - Biblioteca - Bassoleil




EMMANUEL BASSOLEIL
Uma Cozinha sem Chef



EMMANUEL BASSOLEIL

por J. A. DIAS LOPES

por JOSIMAR MELO

por MAURO MARCELO ALVES

CRÉDITOS

PATROCÍNIO

Emmanuel Bassoleil

por Nirlando Beirão

Emmanuel Bassoleil é de Dijon, como aquela insuperável mostarda. Portanto, um bourguignon ou borgonhês, conterrâneo do Romanée-Conti e daquele picadinho de carne embebido em vinho tinto e em ervas aromáticas que costuma freqüentar alguns requintados restaurantes de todo o mundo. A Borgonha é um pays de canais longos e emaranhados onde navegam, a bordo da tradição e dos péniches, comerciantes ingleses de vinho ­ os primeiros a descobrirem, fora os locais, os encantos capitosos dos beaujolais, beaunnes, chablis, e outros grands crus de lá. Falo de canais e do paladar porque são os dois territórios onde Bassoleil se esbalda.

Por canais quero dizer: água. O homem é fanático. Certa vez, vi-o em ação numa ilha do litoral de Angra, cercado de mar e caçarolas por todos os lados. Preparava um daqueles seus característicos festins, coisa de louco, apoteose gastronômica que já te pões a salivar à simples menção do nome Bassoleil e à passagem muito premonitória das endívias, dos aspargos, dos choux-de-bruxelles, das ostras, das lagostas ­ e, subitamente, eis que ele se desvencilha do avental e da toque blanche, e, envergando short e aquele sorriso ingênuo de garotão, se jogava n'água, mergulhava, voltava à tona e, dali, às panelas, com os dedos ainda molhados.

Descobri que o mar e a cozinha convergiam para a vida dele no mesmo momento mágico que deslanchou sua irrefreável vocação. Aprendiz em navio de turismo, em cruzeiro no Mediterrâneo. Ele, lá, dividido entre a água e o forno, adestrando-se num ofício cujos segredos, percebeu, já trazia de casa, pelo lado da mãe, se bem que fosse de seu pai, Monsieur Bassoleil, o sonho declarado de vir a ser aquilo que o filho acabou sendo: chef de cuisine, restauranteur. Emmanuel passou três anos al mare. Ficaria a vida toda, se não fosse um convite inesperado do conterrâneo Claude Troisgros. Um restaurante em terra firme. No Brasil. Teria sido uma proposta facilmente recusada se esse nome Brasil não lhe anunciasse ao paladar o prazer de praias paradisíacas e da permanente luz tropical.

O Brasil testemunhou, ao longo desses seis anos de convivência, o amadurecimento e o refinamento de um talento precoce. O chef de cuisine virou sócio da casa, o Roanne. Estabeleceu-se: casou com uma brasileira, tem dois filhos brasileiros. Sem contar o atestado de competência que os clientes lhe dão, enchantés, noite após noite. O definitivo reconhecimento, público e imparcial, estampou-se, faz menos de um ano, no título de chef do ano de São Paulo, honraria conferida pelo rigoroso Guia Quatro Rodas, da Editora Abril. De lambuja, Emmanuel abiscoitou para o Roanne a sua terceira estrela e o direito de figurar no fechadíssimo clube dos restaurantes top do Brasil ­ que, além dele, só tem mais quatro sócios, da tradição de um Fasano, um Massimo, um Laurent, um, precedência obligé, Troisgros.

Uma noite no Roanne é um deslumbramento de aroma e de sabores. Embora Bassoleil faça hoje uma releitura bastante livre ­ e eventualmente crítica ­ daquela nouvelle cuisine que capitulou aos maneirismos de um visual pelo visual, o olhar é também contemplado, na melhor receita dessa já não tão nova fornada de chefs franceses que desenham seus pratos como se fossem origamis ou tableaux de sushis. No caso de Emmanuel, o traço tem absolutamente tudo a ver com o fundo, forma apurada combinando com o delicioso conteúdo, a apresentação requintada antecipando o prazer da degustação. Toque de classe, mas comida de verdade.

De todo modo, não consigo ver nosso Bassoleil aferrado aos cânones de alguma escola de gastronomia, ou lendo e relendo o mesmo catecismo culinário ­ ele que, com o tempo, vai perdendo todo o sotaque, aquele que ele trouxe da França tanto quanto o que ele poderia levar para suas receitas. Ao contato com a atmosfera tropical, virou um chef universal. Bon appétit!

Nirlando Beirão é editor especial da revista Playboy, Editora Abril

APRESENTAÇÃO

INDEX