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JOÃO DO RIO
Ano: 1921

"Uma noticia desoladoramente triste veiu surprehender, hontem, á noite, quantos trabalhavam nesta casa - o passamento de João Paulo Barreto, ou melhor "João do Rio", pseudonymo com que se fez na literatura nacional e que o levou, afinal á Academia de Letras.

A vida de Paulo Barreto na imprensa carioca pode servir modelo aos que se dedicam á rude profissão de escrever para o publico - ella foi uma serie longa de victorias, que grangearam para elle um justo renome.

Estreando na "Cidade do Rio", onde pontificava Patrocinio, foi ao lado desse grande mestre do jornalismo e de collegas como Guimarães Pessoa, Bilac e outros, que Paulo Barreto se revelou o jornalista, por excellencia, começando a organização das notas de reportagem, que foram compor o seu primeiro livro, "As Religiões no Rio", que appareceu sob os applausos da critica e fez sucesso de livraria.

A maneira por que o seu primeiro trabalho foi recebido estimulando-o, e dahi em deante, as obras de Paulo Barreto entraram de apparecer qual a mais bem recebida pela critica, ainda mais a dos mais severos commentadores.

E registraram-se mais a "Alma Encantadora das Ruas", "O Cinematographo", a "Mulher e o Espelho", e outros trabalhos que apresentaram o autor como um typo fino de observador. Além das obras de sua autoria, Paulo Barreto trouxe para o vernaculo a "Salomé", de Oscar Wilde.

João do Rio, que era um artista, tambem escreveu para o teatro, desde o genero brejeiro "Chique-chique", até á comedia como a "Bella Mme. Vargas", que foi recebida com applausos pelos amantes da arte. Póde-se dizer a "Bella Mme. Vargas" é a comedia pr excellencia escripta no Brazil por autor brazileiro.

Na litteratura propriamente dita, não foi só nos volumes que deixou, bem assignalados, traços indeleveis da sua passagem. Tambem nos jornais, notadamente n' "O Paiz", elle collaborou ora como literato, na columna de honra, ora como chronista, ora como jornalista propriamente dito, discutindo ou commentando os assumptos com elevação e grande illustração.

Ha pouco tempo, após uma viagem que fizera á Europa, aqui chegado emprehendeu o morto de hontem a fundação de um jornal, o que conseguiu, montando o nosso collega "A Patria", do qual era seu director. (...)" A Razão, 24 de junho de 1921.

"O passamento de Paulo Barreto, occorrido hontem á noite, foi uma surpreza que impressionou profundamente o meio espiritual, as camadas litteraria e jornalistica, prolongando-se essa impressão a todas as rodas sociaes, onde essa individualidade, que o era, tinha um realce de admiração e de estima. E esse destaque bem frisante surge evidenciado, precisamente pela unanimidade das revelações de pezar ante o desapparecimento do litterato, do jornalista e do homem, mórmente deste, que não podendo escapar á fragilidade da perfeição humana, se tinha defeitos, bem os recompensava com o seu nucleo de virtudes. (...)

Mas a sua feição saliente nas letras era o jornalismo, a sua espiritualidade pendia muito mais, e com relevo de valor, na columna do jornal, do que na pagina do livro; naquella elle era o jornalista completo, tudo fazendo com a mais cabal proficiencia, não lhe escapando a minima "ficelle" do mais simples facto tirando o preciso para o salientar, vibrar a pequena nota ou espiritualizar um "suelto", encher uma columna de chronica com actualidade de comentario e "verve" de narrativa.

A sua primeira prova de jornalista elle a deu, cabal, na celebre reportagem sobre as differentes religiões no Rio, que valeram á "Gazeta de Notícias" um bom renascimento de popularidade.

Paulo Barreto tinha pelo jornalismo uma affeição extrema, era a sua predilecção bem manifestada desde tenros annos, inclusive no seu "debute" num modesto semanario, o "O Coió" - ahi por voltas de 97.

Foi por essa época que elle começou a frequentar "A Cidade do Rio", levado por Emilio de Menezes e Henrique Cancio. Ahi se iniciou com uma chronica sobre as "grisetes no Rio", que José do Patrocinio classificou de "estupenda". (...)

Foi na "Cidade do Rio", que Paulo Barreto se iniciou e revelou predicados de espirito especiallissimo para a profissão que abraçou e em que incontestavelmente brilhou até a sua morte hontem.

Depois, na "Gazeta de Notícias", no "O Dia", na "A Noticia", no "O Paiz", no "Rio Jornal" e n' "A Patria", essas revelações de vinte e tantos annos de jornalismo intenso e por vezes fulgurantes, foram guindando-o á posição que mantinha actualmente no jornalismo, que lhe fica devendo um bom incremento, quasi diriamos uma moderna remodelação. (...)" Boa Noite, 24 de junho de 1921.

"Com o desapparecimento de Paulo Barreto perde o Brasil, sem duvida, uma das mais estranhas e por isso mesmo talvez, mais empolgantes, das suas organisações literarias. Delle poder-se-á dizer com justiça que era em tudo e antes de tudo, como escriptor, um estheta na mais perfeita accepção do vocabulo. O que Olavo Bilac realizou na poesia, João do Rio o foi em nossa prosa contemporanea: a emoção feita estylo para dominio dos sentidos.

Não seria decerto um pensador, mas um artista, impondo-se menos pelo peso dos conceitos do que pela graça e leveza dos proprios pensamentos, a que a phrase incisiva, nervosa e scintillante, communicava, todavia, grande movimentação e emprestava sempre intenso brilho. Dahi, dessa arte que, até certo ponto, constituia uma originalidade em nosso meio, tirava o privilegiado publicista patricio o melhor dos seus effeitos literarios. (...)

João do Rio não foi, em verdade, um commentador grave de homens e coisas, sendo muito embora um observador, por vezes agudo demais. Dir-se-ia que, a despeito da percuciencia da sua visão, elle se comprazia em deixar de lado, propositadamente, tudo o que não encontrasse de banal ou de grotesco no seu exame, para, assim, melhor dar expansão ás suas tendencias incontrastaveis de espirito entre leve e picaresco, e sempre bem humorado de mais para desdenhar das glorias de critico de futilidades. A esta conformação comsigo mesmo deveu, sem duvida, João do Rio os seus inexcediveis triumphos de chronista mundano e reporter... (...)

Onde a vibração da massa pedisse alguem para transmittil-a, ahi estava João do Rio. No seio do povo colhia elle as emoções da sua fonte; registrava-as todas, com o poder retentivo sorprehendente e sem esforços mnemonicos se as transmittia a si mesmo, para, depois de processal-as, apurando-as, em seu engenho, communical-as a nós outros, harmonicas, luminosas e trepidentes.

Nisto, os seus talentos não o trahiam nunca e elle o fazia com amor e convicção. A sua arte era, assim, não só bella, mas sincera. A fantasia, conquanto sua collaboradora, entrava ahi apenas como elemento de realce; não lhe sacrificava a obra, sentida e verdadeira, máo grado os paradoxos que iam por ella para confirmar- quem sabe? - no fundo, a individualidade do seu autor. (...)" Rio Jornal, 24 de junho de 1921.

"Ecoou dolorosamente, como era de esperar, em todo o pais a noticia da morte prematura do brilhante jornalista que foi Paulo Barreto.

Durante todo o dia de hontem foi grande a romaria, de pessoas de todas as classes sociaes que affluiram a redacção d' "A Patria", e que ali deixavam os seus nomes por não ter sido ainda permitida a visitação ao corpo, velado por seus companheiros de trabalho.

O dr. Josette procedeu ao embalsamento do corpo, trabalho que ontem não poude ser concluido e, motivo porque só hoje depois das 9 horas da manhã poderá Paulo Barreto ser exposto a visitas, em camara ardente, armada na sala da redacção.

Ficou deliberado que o enterro do mallogrado jornalista seja realizado amanhã, domingo, saindo o feretro ás 15 horas da redacção do jornal de que era director.

O Sr. A. Azeredo, vice-presidente em exercicio, na sessão do Senado de hontem, depois de communicar o fallecimento do Sr. Paulo Barreto, jornalista brasileiro e membro da Academia de Letras, de quem fez o elogio funebre, solicitou que o Senado permitisse que na acta dos seus trabalhos fosse inserido um voto de pesar pelo seu fallecimento. O requerimento foi approvado unanimemente. (...) O Jornal, 25 de junho de 1921.

"As tocantes homenagens que a cidade tem prestado ao illustre escriptor que a morte arrebatou em pleno trabalho e em plena maturidade do seu espirito valem como a mais sincera e a mais justa das cortezias aos meritos singulares de sua obra de jornalista e de artista.

É possivel que uma analyse fria e tranquilla de sua longa e tumultuosa actividade mental demonstre o caracter apressado e um pouco superficial dos numerosos livros em que procurou concretizar as impressões, mais ou menos vertiginosas, que os aspectos da vida urbana do Rio e dos paises estrangeiros que visitou, lhe produziram. Mas ninguém lhe contestará jamais o ouro puro da sua intelligencia e que elle tão descuidadosamente prodigalizou em vinte annos de jornalismo.

A sua lingua de impressionista, cheia de paradoxos, de imprevistos e de contrastes desconcertantes e de "trouvailles" de espirito, bastará para salvar na sua bagagem literaria o que, porventura, lhe falta de reflexão.

A sua memoria ficará também como de um grande coração cheio de bondade em que a ironia apparente mal dissimulava a sensibilidade extrema, muitas vezes infantil, e como a de um amigo sincero e apaixonado da sua terra que elle procurou ardentemente servir dentro da sua orientação das suas concepções. O instincto popular nào se illude; a romaria á redacção de seu jornal que, hoje, se repetirá, no seu enterro diz bem alto que com elle perderam o nosso jornalismo e os leitores um de seus elementos mais representativos. (...)" O Jornal, 26 de junho de 1921.

" (...) Paulo Barreto não hesitou um momento na sua grande obra. Felizmente ha uma força que anima os homens dominados pelos nobres messianismos. Paulo Barreto foi durante estes ultimos mezes de sua vida um condensador dessa força. Graças a ella, a sua intelligencia dos homens e das coisas, tornou-se quasi milagrosa, a sua coragem affrontou todos os ódios, a sua capacidade de trabalho multiplicou-se e a plasticidade de seu espirito fez prodigios nas columnas mais diversas deste jornal. Elle era para todos nós, os mais velhos como os mais novos companheiros, mais do que um director, um chefe. Era uma força communicativa, um estimulo a que ninguem podia resistir; porque, como se não bastasse o seu escrupulo no trabalho, Paulo Barreto soube conquistar da juventude enthusiasta desta casa uma admiração, um respeito, uma estima, um culto que só o conseguem os santos ou os genios. Isto, alías, era natural. Ninguem privaria com esse homem, singularmente dotado, sem ser attrahido pelo fulgor impressivo, pela palavra, pela viveza de sua intelligencia repentina, pela graça do seu estylo, pela sua bondade espontanea, pela meiguice do seu trato e por sua despretenciosa e luminosa superioridade mental.

Perdemos, pois, desde a sinistra noitada de ante-hontem, a maior intelligencia e a maior vontade que collaboraram para o exito excessivo que fez de "A Patria", em tão pouco tempo, uma columna stoica dos humildes contra os humilhadores, do idealismo politico contra a mediocridade saciada, do Brasil jovem, progressista, impellido pela consciencia nova de sua finalidade na America e no velho Brasil, de cuja persistencia na arena das grandes actividades uteis pouco lucraria o presente e, muito menos, o futuro. (...)" A Patria, 25 de junho de 1921.

AS MANCHETES

Paulo Barreto - A Morte Subita Do Director D' A Patria - Ligeiras Notas Sobre A Sua Vida Literaria e Jornalistica (A Razão)

Paulo Barreto - O Desapparecimento Da Figura mais Original Do Jornalismo Brasileiro (Boa Noite)

A Imprensa Enlutada - Como Repercutiu A Morte Repentina De Paulo Barreto (Rio Jornal)

A Morte De Paulo Barreto - Homenagens Da Imprensa, Do Parlamento E De Varias Associações - A Exposição Do Corpo E O Seu Enterramento Amanhã (O Jornal)

Paulo Barreto - O Rio Presta Á Memoria Do Nosso Director A Maior Homenagem Popular Que Fóra Da Politica Alguém Já Mereceu - A Romaria Á Nossa Redacção - As Homenagens Collectivas - O Que Serão Os Funeraes Do Morto Querido - O Dever Dos Que Ficam (A Patria)


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