GRIPE ESPANHOLA
"O que se está passando na Saude do Porto da nossa capital é simplesmente assombroso.
Os navios entram infeccionados, os passageiros e tripulantes atacados saltam livremente
contribuindo para contaminar cada vez mais a cidade, não soffrendo os navios o mais
rudimentar expurgo!
A Saude do Porto não tem conducção, não tem o pessoal necessario para as emergencias
do momento e o material preciso para as desinfecções.
A inepcia, o pouco caso criminoso do director de Saude Publica pelo cumprimento das
attribuições que em má hora o governo lhe confiou, tocou hoje, as raias do incrivel.
Telegrammas chegados ha dias de Estados do Norte, annunciaram detalhadamente dezenas
de casos de "influenza hespanhola" occoridos a bordo da "Itassucê". Era o caso do Sr.
Carlos Seidl tomar providencias energicas, para isolar os enfermos e expurgar o navio, mal
chegasse elle á Guanabara, si s.ex levasse a sério seus deveres. Nada disso, entretanto,
aconteceu. O "Itassucê" chegou, foi desimpedido e os doentes desceram calmamente á terra,
sem que o director da Saude Publica mandasse tomar a minima providencia!
O dr. Pereira Neves, medico, hoje de serviço na Saude do Porto, viu-se em sérias
difficuldades para visitar o "Itassucê", por falta de conducção, isto porque o ineffavel sr.
Carlos Seidl emprestou a lancha de serviço a um amigo que queria ir a bordo desse navio
buscar pessoas de sua amizade.
O director da Saude Publica, está evidentemente, abusando da paciencia da população. O
governo está na obrigação de fazer sentir ao incompetente administrador, que mais de um
milhão de vidas não pódem continuar assim á mercê do seu formidavel desleixo, da sua
extraordinaria inercia e da sua incommensuravel inaptidão administrativa. (...) Rio Jornal, 11
de outubro de 1918.
"O descaso do governo pela saude pública está tomando um ar pilherico. Até agora não se
poz em pratica uma só providencia, digna desse nome, para debellar o epidemico mal ou,
pelo menos, circumscrevel-o a proporções reduzidas dentro das quaes a sua prophilaxia se
tornasse possivel e facil sem desperdicios de tempo. Deu-se isto hontem com os passageiros
do transporte inglez "Highland Lock".
A molestia transmitte-se, propaga-se assim precipitadamente. As repartições publicas, as
escolas, os escriptorios de empresas de toda a especie, as officinas dos jornaes, os
estaleiros, as estradas de ferro estão ficando enormemente desfalcados de pessoal.
Em todas as ruas, e a todas as horas, vemos cahir subitamente, tombar sobre a calçada
victimas do mal estranho. A Assistencia tem multiplicado o seu serviço, os hospitais estão
repletos. (...)" Rio Jornal, 14 de outubro de 1918.
"A epidemia que de ha quatro dias vem assolando a cidade longe de enfraquecer tem
recrudescido nestas ultimas vinte e quatro horas, a mais grave, é que o seu caracter, que se
apresentava benigno nos primeiros dias, tem peiorado, registrando-se continuamente casos
fataes. Entre as dezenas de milhares de pessoas atacadas, já não são tão raras quanto seria
para desejar os casos de "grippe pneumonica".
A intervenção dos poderes officiaes torna-se urgente e necessario. O governo não póde
continuar inactivo perante o affecto serississimo que vem assumindo o mal. Concertem-se e
tomem-se providencias que urgem. As fabricas começam a fechar, as officinas ficaram com
as suas portas cerradas, grande numero de casas de commercio não funccionam. O governo
não póde criminosamente ficar de braços cruzados, assistindo platonicamente ao desenrolar
dos acontecimentos.
O que se esperava desde as primeiras horas de hontem deu-se hoje: as pharmacias
começaram a fechar. Desde as primeiras horas em que se declarou a epidemia que a
romaria ás pharmacias não parou nem um instante.
Houve então uma grande desorientação e uma ignobil exploração por parte de algumas
pharmacias. Os preços variavam de pharmacia para pharmacia e de bairro para bairro. O
tubo de bromo-quinino passou a custar de 1.500 a 8.000 e 9.000 réis. Uma limonada
purgativa 4, 6 e 8.000 réis. Uma capsula com 25 ctgrs. de Sulphato de Quinino custava 400
réis, no maximo, custa 2 e até 3.000 réis!
É o furto, parecendo que nem se quer estamos numa cidade policiada! Mas a necessidade
era grande e os doentes nos milhares, o que fez com que apezar do descabido escandaloso
dos preços, os medicamentos se esgotassem.
Várias pharmacias, especialmente nos suburbios, allegam tambem a doença do seus
pessoal.
Que será da população sem ter sequer medicamentos?
Ha mais ainda no capitulo pharmacia. Em algumas dessas casas a exploração na venda dos
"preventivos e preservativos" attingiu as raias do inacreditavel. Tudo era preventivo. Até a
vulgar naphtalina! e como tal tudo era cobrado em dobro e em triplo. (...)
A Avenida Central que costuma estar sempre tão animada á noite, hontem cerca das dez
horas apresentava um aspecto desolador. Cerca de onze e meia raros eram os transeuntes e
unicamente dois taxis estacionavam a todo o longo da Avenida deserta.
Os bonds chegavam e sahiam da estação do Jardim Botanico com dois e três passageiros,
no maximo. (...)
Nas proprias casas de familia, onde ha a felicidade de não haver nenhum membro doente, e
são bem raros esses lares, nessas mesmas as normas de vida estão inteiramente alteradas.
Nesta é o padeiro que não vem entregar o pão; na outra foi o leiteiro que não deixou ficar o
leite. Mais logo, toca-se para o armazem e não é possivel ser attendido. Se quizer alguma
cousa é necessario mandar buscar ao armazem, pois não ha mais quem leve as
encommendas ao seu destino. Noutra casa ainda é a lavadeira, o tintureiro, a costureira que
não apparece. Emfim, um nunca acabar de pequenas difficuldades que fazem desesperar as
donas de casa." - A Rua, 15 de outubro de 1918.
"Conselhos aos que se acham no inicio da infecção:
Tomar um purgativo salino qualquer ou a formula seguinte: N.1 - Uso interno; Agua
distilada... 120,0 Sulphato de Sodio... 30,0 Assucar q.s. para adoçar. Para tomar de uma só
vez. Em seguida fazer uso de capsulas com quinino, aspirina, salicylato de sodio, ou a
formula seguinte, da Directoria Geral de Saude Publica: N.2 - Uso interno: Agua distilada...
150,0 Salicylato de Sodio... 4,0 Bicarbonato de Sodio... 2,0 Assucar q.s. para adoçar. Para
tomar uma colher de sopa de duas em duas horas. Para a tosse e facilitar a espectoração,
usar a seguinte formula: N.3 - Uso interno: Agua distilada... 150,0 Benzoato de Sodio... 4,0
Acetato de Ammonea... 6,0 Assucar q.s. para adoçar. Para tomar uma colher de sopa de tres
em tres horas. Dieta: O uso do frango ou da gallinha não é indispensavel. A dieta poderá ser
mantida por meio de leite, caldo de sopa de cereaes, de legumes, de lentilhas, de arroz,
aveia, centeio, etc., etc. A Directoria Geral de Saude necessita ainda de medicos,
doutorandos, pharmaceuticos e praticos de pharmacia.
Conselhos para evitar o ataque da grippe ou influenza:
Evita o uso e, com maior razão, o abuso de bebidas alcoolicas. Lavar a boca e gargarejar
com uma solução de sal de cozinha, na seguinte proporção: uma colher de sopa para um litro
de agua fervida. Fazer diariamente uso de uma solução de essencia de canela, conforme as
seguintes dóses: uma colherinha das de café em meio copo de agua assucarada, de duas
em duas horas, até desapparecer a febre. Depois tomar ua colherinha em meio copo de
agua tres vezes ao dia. Evitar agglomerações, principalmente á noite. Não fazer visitas.
Tomar cuidados hygienicos com o nariz e a garganta: inhalações de vaselina mentholada
com agua iodada, com acido citrico, tannino e infusões contendo tannino, como folhas de
goiabeira e outras. Tomar, como preventivo, internamente, qualquer sal de quinino nas
dóses de 25 a 50 centigrammas por dia, e de preferencia no momento das refeições. Evitar
toda a fadiga ou excessos physicos. O doente, aos primeiros symptomas, deve ir para a
cama, pois o repouso auxilia a cura e afasta as complicações e contagio. Não deve receber,
absolutamente, nenhuma visita. Evitar as causas de resfriamento e de necessidade tanto
para os sãos, como para os doentes e os convalescentes. As pessoas idosas devem
applicar-se com mais rigor ainda todos esses cuidados. (...)" O Paiz, 23 de outubro de
1918.
"Emquanto o governo faz annunciar que a epidemia declina, o povo soffre as aperturas deste
afflictissimo momento - tudo fechado! Não ha pão, não ha remedio, não existem os generos
de primeira necessidade. Os donos dos armazens, apavorados com a tranquibernia do
Comissariado entendem que o melhor é ter os seus estabelecimentos fechados.
E quaes foram até agora as providencias do governo em face da situação? Mandou, por
exemplo, fabricar pão? Providenciou sobre a remessa dos generos para esta Capital?
Resolveu o problema do barateamento da vida? Organizou o serviço de transporte? Tomou
medidas preventivas sobre a entrada de navios empestados, em nosso porto? Cuidou da
reorganização dessa custosa e inutil repartição de Saude Publica, onde se gasta milhares de
contos? Agiu com energia no sentido de forçar a Santa Casa a ser uma instituição que lhe dá
o nome?
Nada. O governo, ferozmente atacado da mania dos cartazes, continua dando conselhos ao
povo sem ouvir o que lhe pede esse mesmo sacrificado povo, já faminto, sem dinheiro,
supplicando trabalho e pão.
Abusando da inercia do governo e do desmantelo do Commisariado, o commercio não
cumpre a sua tabella e recusa-se a receber os generos do interior porque elles são vendidos
pelos productores por preços muito mais elevados que os da tabella governamental.
Tivemos hontem o ultimo dia feriado. Vamos vêr o que faz hoje o governo. (...)" A Razão, 23
de outubro de 1918.
" (...) O mal da fome mais e mais se accentua na metropole brazileira, parecendo incrivel
como não tivesse ainda despertado o governo, levando-o a tomar providencias energicas, no
sentido de ser evitada uma situação que o povo não poderá admittir.
Avolumam-se os protestos nas tabernas contra a falta de diversos generos alimenticios,
desculpando-se os taverneiros, deante do clamor popular, com a justificativa de que esses
mesmos generos já não são encontrados nos grandes armazens atacadistas.
Estes, por seu turno, argumentam com a situação dos mercados do interior, procurando
demonstrar que os grandes productores não se sujeitam ao arbitrio dos novos preços,
animando-se com a idéa de que poderão fazer bons negocios com numeroso grupo de
agentes commerciaes estrangeiros, que pretendem conseguir do governo brazileiro
permissão para exportação dos generos alimenticios para a Europa, o que, de resto, já têm
conseguido, pela intervenção delicada de autoridades diplomaticas. A situação dos nossos
mercados complica-se imprevistamente. (...)" A Razão, 1 de novembro de 1918.
"(...) Ha tres semanas que a mortandade no Rio de Janeiro vem orçando por aquella terrivel
cifra, cuja somma dá um total aproximado de 12.000 obitos, o sufficiente para tornar bem
negro o peso de consciência dos culpados de tamanha desgraça publica.
Pelas estatisticas officialmente auctorizadas hontem o numero de mortos é superior a 10.000.
Não é temerario adduzir um pouco esse algarismo para ter o obituario real e effectivo,
supprimindo o que se occulta e nega. Temos pois perto de 12.000 casos fataes sobre os
600.000 accommettidos da peste reinante ou "simples grippe" como dogmatisa a pretensão
da medicina official. (...)
A A Razão visitou hontem todos os cemiterios do Rio de Janeiro, para obter uma estatistica
exacta e completa de todo o obituario desde o dia 12 a 31 de outubro, primeira phase da
grande calamidade que nos assola. damos abaixo o quadro geral do obituario e a seguir o
resultado da nossa reportagem:
Caju ... 6.312, S. João Baptista ... 1.587, Penitencia ... 49, Carmo ... 75, Catumby ... 30,
Inglezes ... 7, Paquetá ...6 , Ilha do Governador ... 54, Campo Grande ... 132, Inhauma ...
1.793, Irajá ... 579, Santa Cruz ... 143, Realengo ... 382, Jacarépaguá ... 224 - Total: ... 11.
373 (...)" A Razão, 2 de novembro de 1918.
"A noite foi chuvosa, fria e triste. E o dia que amanhecera com boas disposições, mostrando
de vez em quando uma nesga azul do céo, enfarruscou-se á tarde e ameaçou uma nova
noite chuvosa, fria e triste. Decididamente o máo tempo alliou-se á peste, para affligir e
flagellar o Rio de Janeiro.
As noticias officiaes continuam optimistas. A epidemia declina... Mas, quando e como
acabará esse declinio? Que novas victimas a voracidade do flagello ainda fará? Até quando
durará essa situação de incerteza e angustias?
Dia de finados! Nunca o dia dos mortos foi tão propriamente um dia de mortos como o de
hoje! Com que tacto o Destino aggregou a data do luto official a essa série de dias
angustiosos, de luto intenso e geral, que vem vivendo a população carioca. As bandeiras dos
edificios estão a meio-páo... Não parece que o Destino quiz forçar o governo a participar do
luto do povo? (...)" A Noite, 2 de novembro de 1918.
"O dia, que amanhecera cheio de um sol claro e tonificante, encheuse, dentro em pouco, de
incertezas, chegando a chover sobre a cidade. Ora nebulosas e sombrias, ora claras e
alegres, numa inconstancia permanente, as horas passaram, todavia, sem que o movimento
da nossa capital diminuisse, ou pairasse nos rostos qualquer sombra de maiores e novos
receios. Si é certo que a epidemia ainda continúa, embora em declinio, pois é de notar que
em sete delegacias de saude, nas ultimas vinte e quatro horas, apenas foi registrado um
unico caso novo - não é menos certo, porém, que a cidade já entrou definitivamente na sua
vida normal, ha tanto desejada." A Noite, 4 de novembro de 1918.
"Parece que estamos em pleno verão. Finalmente! Ora até que afinal o verão foi sincera e
unanimemente desejado. E talvez por isso tenha custado tanto a chegar. E terá chegado
mesmo? Não teremos novas surprezas? Deus permitta que não... Mas, com verão ou sem
verão, a epidemia vae passando ao rol dos factos consumados. Ella hoje já é apenas um
assumpto de conversas... O medo e as angustias já passaram, a não ser para quem ainda
tem um ente querido de cama. O aspecto da cidade já é quasi completamente normal." A
Noite, 7 de novembro de 1918.
AS MANCHETES
A Influenza Hespanhola - Registra-se O Primeiro Caso Fatal Da Nossa Capital
O Sr. Carlos Seidl Está Abusando Criminosamente Da Paciencia Da População
A Saude Do Porto É Um Formidavel "Blague". (Rio Jornal)
A Cidade Invadida Pela Epidemia Da Gripe Por Culpa Da Incompetencia Do Director Da
Saude Publica - Uma Reportagem Completa Do Rio Jornal
(Rio Jornal)
O Rio Assolado Pela Epidemia - Urge A Intervenção Dos Poderes Publicos Para Combater O
Mal - As Pharmacias Começam A Fechar - Faltam Os Medicamentos - As Explorações - A
Cidade Com O Seu Aspecto Inteiramente Alterado - As Casas De Commercio E De Diversões
Inteiramente Ás Moscas (A Rua)
O Governo Diz Que A Peste Declina, Mas O Povo Vae Morrendo Por Falta De Recursos (A
Razão)
O Rio Convalesce Ameaçado Pela Devastação Da Fome - O Aspecto Desolador Do Nosso
Mercado - Symptomas Alarmantes Da Fome - E O Commissariado Dorme... (A Razão)
A Epidemia Entrou Na Sua Fase De Declinio - 11.373 Pessoas Morrem Em Toda A Capital
Federal, De 12 A 31 De Outubro (A Razão)
Nunca O Dia Dos Mortos Foi Tão Propriamente Um Dia De Mortos Como O De Hoje! (A
Noite)
Um Unico Caso Novo (A Noite)
A Epidemia Vae Passando Ao Rol Dos Factos Consumados (A Noite)