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Uruguaia busca reparação por ditadura

Neta de poeta Juan Gelman teve pais mortos pela repressão militar nos anos 70; crime agora poderá ser julgado

SYLVIA COLOMBO, DE BUENOS AIRES

A uruguaia Macarena Gelman tem 35 anos, quase o dobro da idade que sua mãe alcançara quando morreu, vítima da repressão militar argentina e uruguaia dos anos 70.

Com a decisão tomada na semana passada pelo Congresso uruguaio, que passou a considerar delitos de lesa-humanidade, e portanto imprescritíveis, crimes ocorridos na ditadura, finalmente poderão ser julgados e condenados os assassinos de seus pais biológicos.

Os argentinos Marcelo Gelman e María Claudia Garcia haviam militado na União de Estudantes Secundários e foram sequestrados em agosto de 1976, em Buenos Aires. Ele tinha 20 anos, ela, 19, e estava grávida de sete meses.

Marcelo foi morto logo após o sequestro e seu corpo foi encontrado no fundo do rio da Prata -era comum a repressão matar opositores atirando-os de um avião.

Já María Claudia foi levada para o Uruguai, numa ação do Operação Condor (aliança de ditaduras do Cone Sul). Num hospital militar, deu à luz Macarena. Pôde amamentá-la por alguns dias. Depois, foram separadas e María Claudia nunca mais foi vista.

Macarena passou os primeiros 23 anos de sua vida em Montevidéu, acreditando ser filha de um chefe de polícia local e sua mulher, a quem os militares a haviam entregue, ainda bebê.

VERDADE

Durante esse período, seu avô biológico, pai de Marcelo, não desistiu de encontrá-la. A jovem nunca tinha ouvido falar de Juan Gelman e foi só quando soube que era o pai de seu pai que descobriu tratar-se também de um dos mais importantes poetas da língua hispânica, ganhador de um prêmio Cervantes.

"Minha mãe adotiva me contou a verdade alguns meses depois que meu pai morreu. Meu avô já havia me localizado, e pediu que um religioso próximo à família fizesse o contato com ela."

Hoje, Gelman, 81, e a neta lutam juntos para que os assassinos de Marcelo e María Claudia sejam condenados.

"Minha relação com meu avô é muito boa, mas não é a mesma coisa do que teria sido se o conhecesse desde que nasci. Estamos reestabelecendo as conexões que foram cortadas pela história", diz.

Macarena conta que seu desejo não é apenas que haja uma sentença para os culpados, mas que seja revelado o lugar onde estariam os restos de sua mãe verdadeira.

A moça ainda acompanha escavações no Uruguai na esperança de encontrar os ossos de María Claudia. Ainda mora com a mãe adotiva, Esmeralda, 80, que está doente. "Ela é minha mãe também e não vou abandoná-la."

Após a decisão do Congresso, a Justiça uruguaia iniciou processo contra cinco militares acusados da morte de María Claudia. Eles já estão presos por outras causas.

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