São Paulo, terça-feira, 06 de novembro de 2001

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CAIXA DE CAMPANHA

Documentos revelam que partido usou caixa dois na campanha de Cassio Taniguchi à reeleição em Curitiba

PFL omitiu R$ 29,8 mi do TRE do Paraná

FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Documentos secretos apontam que o PFL (Partido da Frente Liberal) omitiu da Justiça Eleitoral do Paraná R$ 29.792.650,44 gastos na campanha de Cassio Taniguchi à Prefeitura de Curitiba no ano passado. Os valor está em papéis da contabilidade pefelista.
A Folha teve acesso aos dados. Trata-se do mais amplo material já divulgado no país sobre como funciona um caixa dois em uma campanha política.
Não são fotocópias comuns, que poderiam ter sido montadas por algum inimigo político. Os papéis foram obtidos por pessoas que participaram da campanha de Taniguchi em 2000. Há alguns originais disponíveis. Além disso, a Folha trabalhou por dez dias para checar a veracidade das informações, tendo conseguido a confirmação de oito empresas sobre dados contidos no material.
Taniguchi é a segunda estrela do PFL no Paraná, depois do governador Jaime Lerner, seu mentor político. É um dos três prefeitos de capitais do PFL. Foi reeleito no ano passado numa disputa acirrada contra Ângelo Vanhoni, candidato do PT. O pefelista venceu no segundo turno por uma diferença de apenas 26.541 votos -menos de três pontos percentuais.
No momento, o nome de Taniguchi vem sendo citado dentro do PFL como possível candidato a governador no ano que vem. Ou, eventualmente, até como o escolhido do partido para ocupar a vaga de candidato a vice-presidente da República numa chapa da aliança governista.

Gastos oficiais e paralelos
Ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Paraná, a coligação "PFL- Movimento Curitiba Sempre com Você" declarou ter gasto na campanha R$ 3,112 milhões -o resultado da soma de R$ 2.887.457,23 arrecadados e mais R$ 224.844,75 de restos a pagar.
Nos papéis obtidos pela Folha, é possível verificar que a contabilidade da campanha de Taniguchi é diferente dos dados que constam no TRE. O material é composto por quatro partes:
1) livro-caixa manuscrito - seria a movimentação diária da campanha de Taniguchi. Redigido à mão, contém todos os registros de entradas e saídas de dinheiro. Por consequência, estão ali todos os dados informados ao TRE, mas isso representa apenas uma parcela do total;
2) listagem de computador - depois de lançadas no livro-caixa, as despesas eram também digitadas num programa de computador. O sistema gerava relatórios diários sobre despesas a serem pagas. É nesses papéis que aparecem a dívidas ainda não quitadas;
3) recibos e cheques - há dezenas de cópias de cheques, recibos e bilhetes manipulados pelo comitê financeiro de Taniguchi. A Folha pode comprovar que alguns desses papéis são fotocópias obtidas a partir de originais;
4) declaração ao TRE - trata-se de uma cópia da declaração financeira de Taniguchi entregue ao TRE-PR. A cópia é idêntica à que está no TRE no que diz respeito a receitas e despesas. Trata-se de documento importante para fazer esta reportagem, pois era necessário comparar os dados oficiais com o que seria o caixa dois da campanha.
No Paraná, diferentemente da maioria dos Estados, a Justiça Eleitoral tem por norma não permitir ao público nem à imprensa a retirada de cópias desse tipo de documento. A Folha tentou, na semana passada, fazer uma checagem do documento nas dependências do tribunal, mas não foi possível. A única cópia disponível havia sido requisitada por um juiz e não podia ser vista.
O material é todo fotocopiado. A Folha conhece a identidade de quem guarda grande parte dos originais. A reportagem teve acesso a alguns desses originais com a condição de não revelar a identidade da fonte.
O valor total arrecadado descrito no livro-caixa manuscrito é de R$ 29.294.865,88. Há mais R$ 3.610.086,54 de restos a pagar. Os dois valores resultam num gasto total de R$ 32,9 milhões -R$ 29,8 milhões a mais do que o declarado à Justiça Eleitoral. Ou seja, Taniguchi teria declarado ao TRE menos de 10% do total realmente consumido em sua campanha.
Grande parte do valor arrecadado tem uma fonte única como origem: é a inscrição "recebido M.L.F.", responsável por R$ 18,639 milhões (63,63% do total de dinheiro obtido pelo PFL para reeleger Taniguchi).
Embora o livro-caixa não dê pistas sobre como esse dinheiro foi obtido, a sigla "M.L.F." coincide com as iniciais de Mário Lopes Filho, presidente do comitê financeiro da campanha de Taniguchi. Segundo a Folha apurou, os valores atribuídos a Mário Lopes seriam trazidos por ele ao comitê, sempre em dinheiro, dentro de bolsas ou envelopes. Ele nega essas operações, assim como o prefeito Cassio Taniguchi [leia textos à pág. A7".
Apesar das negativas de Mário Lopes e Taniguchi, há evidências que demonstram que os dados desse possível caixa dois são verossímeis. Cinco dos fornecedores de material e serviços citados no livro-caixa (e omitidos no TRE) confirmam ter participado da campanha.
O instituto de pesquisas Vox Populi, de Belo Horizonte, não consta no TRE-PR como prestador de serviços à campanha de Taniguchi. O prefeito de Curitiba declarou gastos espartanos com pesquisas: apenas R$ 4.540,00.
No livro-caixa secreto, entretanto, o Vox Populi aparece como recebedor de R$ 693,9 mil da campanha. O proprietário da empresa, o cientista político Marcos Coimbra, foi indagado se teria realizado pesquisas para o prefeito de Curitiba. Respondeu: "Fizemos, com certeza".
Confrontado com o fato de que tal despesa não constava na declaração ao TRE, Marcos Coimbra disse: "Não sei. Posso verificar o que foi feito".
Coimbra ficou de dar uma resposta na quinta-feira passada, mas até ontem não havia fornecido nenhuma informação nova.


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