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26/11/2002 - 02h51

Gilberto Dimenstein: Dança de lições de Ivaldo Bertazzo

GILBERTO DIMENSTEIN
colunista da Folha de S.Paulo

A dança fez o coreógrafo Ivaldo Bertazzo movimentar-se pelos extremos da riqueza e da pobreza. Ele moldou os passos de homens e mulheres da elite, alunos de sua escola em São Paulo, e de crianças e adolescentes que vivem na favela da Maré, no Rio, um dos pontos mais violentos do país, foco da guerra do tráfico de drogas.

Matangra

Profissional de sucesso desde o início da década de 70, Ivaldo começou a trabalhar na favela da Maré há três anos, mesclando os salões assépticos com as vielas de barro. Experimentou a previsível sensação de perplexidade diante da banalização da vida e o prazer de ensinar seres, segundo ele, mais abertos ao conhecimento. "Para um aluno com poder aquisitivo, a dança é mais uma possibilidade na vida. Mas, para aquelas crianças, era a única."

Seus estudantes recebem uma bolsa mensal de R$ 200 (o projeto tem apoio da Petrobras) e ensaiam várias horas por dia, submetidos aos mais diversos ritmos e culturas. "Achei que o ritmo da dança indiana se encaixaria perfeitamente para eles", conta Ivaldo. O que se vê nos palcos é um espetáculo reconhecido pelos críticos a partir de critérios técnicos, e não pela piedade social.

Daquele embate entre a perplexidade social e o encantamento estético, ele aprendeu que a arte se presta como ferramenta para elevar a auto-estima. "Conhecer os novos limites do corpo é conhecer os novos limites da vida." Significa, por exemplo, que o aluno presta mais atenção na escola, entusiasma-se pelo aprendizado, porque a dança o ajuda a controlar a tendência à dispersão intelectual. "A dança faz com que eles entrem em contato com desejos e conflitos."

Ivaldo diz que não mais conseguiria trabalhar apenas nos salões refinados e silenciosos —viu naquelas crianças um jeito de conhecer suas próprias possibilidades. Seu plano, agora, é continuar o projeto em São Paulo, convencido de que a educação pela dança —o que chama de ecologia corporal— é seu maior papel como coreógrafo.

Gilberto Dimenstein, 45, é jornalista, autor de livros educacionais e promove experiências curriculares em escolas de ensino médio. Faz parte do board do programa de Direitos Humanos da Universidade de Columbia e criou a ONG Cidade Escola Aprendiz. Gosta de passear a pé pela Vila Madalena, bairro onde mora, em São Paulo.
E-mail - gdimen@uol.com.br

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