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26/11/2002 - 02h43

Só para mulheres

SILVIA BITTENCOURT
free-lance para a Folha de S.Paulo, em Berlim

Uma universidade com estudantes e docentes exclusivamente do sexo feminino não é novidade no mundo (apesar de, no Brasil, não existir uma instituição desse tipo). Os Estados Unidos, por exemplo, contam hoje com mais de 80 "Women's Colleges", algumas dessas escolas altamente conceituadas. Já a China fundou a mais antiga universidade de mulheres do mundo em1939, e a Coréia do Sul abriga atualmente a maior delas, com 21 mil estudantes.

Divulgação
Grupo de alunas do projeto piloto da Universidade Internacional das Mulheres

Mas é a Alemanha que colocará em prática, no próximo ano, um projeto pioneiro no mundo, a chamada "Universidade Internacional de Mulheres" (IFU, a sigla em alemão). Centenas de estudantes, vindas de vários países, serão selecionadas para participar de um programa interdisciplinar que integrará diferentes áreas do conhecimento, da tecnologia à cultura, em programas de pós-graduação.

Como a IFU ainda não conta com uma sede e um campus próprio, seu programa prevê aulas em diversas universidades alemãs, cursos on-line e estágios práticos em diferentes cidades. O curso deve durar 15 meses e, no final, as participantes receberão um diploma equivalente ao mestrado.

Fábio Machado
Um projeto piloto dessa universidade já foi realizado no ano 2000, durante três meses. Mais de 600 mulheres de 105 países foram para a Alemanha discutir e pesquisar sobre temas como trabalho, informação, saúde, migração, cidade e água. A médica sanitarista e professora-assistente da UFRJ Ivani Bursztyn, 47, foi uma das estudantes que aproveitaram a oportunidade de intercâmbio internacional.

"A abordagem multidisciplinar é muito interessante. Para mulheres que vêm de culturas mais opressoras, também é importante estar entre pessoas do mesmo sexo —mas, para nós, brasileiras, é um pouco estranho", afirma Bursztyn.

O projeto alemão destaca-se dos demais no resto do mundo por ser interdisciplinar e internacional. Dois anos atrás, o curso reuniu, entre outras profissionais, cineastas, economistas, engenheiras e jornalistas de países tão diferentes como o Brasil, a Alemanha, a África do Sul e a Geórgia.

Um dos objetivos do programa é fomentar o diálogo Norte-Sul. "Queremos tratar os problemas de forma global, e não eurocentrista ou americanista", diz a socióloga Sigrid Metz-Göckel, da Universidade de Dortmund, uma das professoras envolvidas no projeto.

O princípio da transnacionalidade também vale para a escolha do corpo docente —em 2000, a universidade contou com professoras de 40 países. Os cursos são sempre ministrados em inglês.

Arte/Folha Online

Financiada pelo governo alemão, por várias instituições de ensino e também por empresas, a IFU é a primeira escola superior de mulheres na Europa. O programa da próxima edição está sendo elaborado por um consórcio de universidades alemãs e estrangeiras e deve incluir disciplinas nas áreas de engenharia ambiental, informação e saúde, além de abordar temas como globalização e desenvolvimento.

O Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico será um dos responsáveis pela seleção das estudantes e pela concessão de bolsas —já que a IFU é uma universidade privada e cobra pelo programa. Essa foi, aliás, uma das críticas feitas por grupos feministas ao primeiro projeto: o fato de ser uma iniciativa privada —e não do governo, pública— tornaria a universidade de mulheres uma instituição elitista.

Segundo os idealizadores da IFU, porém, por meio da concessão de bolsas, nenhuma estudante selecionada em 2000 ficou de fora por não poder pagar. E o mesmo deve valer para a próxima edição.

O programa realizado dois anos atrás reuniu mulheres de várias idades, tanto estudantes recém-ingressas na universidade como profissionais já formadas. Segundo Metz-Göckel, os diferentes níveis de conhecimento causaram problemas em vários cursos. Para a próxima edição, a idéia é homogeneizar o grupo de mulheres participantes. Mas os critérios de seleção ainda estão sendo discutidos.

E quais são as vantagens de uma universidade para mulheres? Metz-Göckel, que acaba de publicar um balanço do projeto piloto, acredita que muitas estudantes mostraram-se, no início, céticas sobre o programa. No final, porém, a maioria concordou que o fato de estar "entre mulheres" facilitou a discussão de vários temas. A IFU, diz Metz-Göckel, "não pretende ser palco de um debate feminista". Mas acrescenta que as discussões acontecem sob a perspectiva das diferenças entre gêneros. "É melhor, por exemplo, discutir só entre mulheres a questão da desigualdade", diz.

Estudos indicam que mesmo em países industrializados, como a Alemanha e os EUA, muitas estudantes são vítimas de discriminação nas universidades, principalmente nas áreas técnicas e das ciências naturais. "As Womens's Colleges querem proteger as estudantes dos preconceitos ainda existentes na fase de busca por uma profissão", diz o site da Associação Americana de Universidades de Mulheres (www.aauw.org).

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