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29/10/2002
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03h25
Historinha primitiva
MARCELINO FREIRE especial para a Folha de S.Paulo
Acharam mais um chimpanzé. Lá na Serra da Capivara. Ingá, não sei. Ou será que foi no chão de Catolé? O dente do macaco vale ouro, pois é. E a gente aqui nessa miséria. O couro cabeludo. Enterrado até o pescoço. Há um milhão de tempo. No esquecimento. Osso bom é osso morto. O que vai ter de estudioso, perguntando. No futuro, pela gente, pode crer. De que ele morreu, sei lá, foi de repente? Comeu calango podre? Bebeu água doente? E a mulher dele, o que será que houve? Eu, preta, caída na cova. Cabelo até a cintura. Carcaça prematura. Morreu de desgosto. Isso, se a gente tiver sorte. O que tem de corpo que morre e ninguém vê o pó. Neste sol de rachar o quengo. É vaca, é bode, bezerro, jumento, cachorro. É menino morto. Feito passarinho. Não o passarinho que eles encontram, gigante. Importante é bicho grande. Se pelo menos ovo de dinossauro matasse a fome. A gente tava feito. A gente tem de fazer alguma coisa, urgente. Para sair desse buraco, entende? A gente podia ganhar dinheiro. Não deve ser difícil achar mais um chimpanzé, Zé. Por aqui mesmo.
Marcelino Freire, 35, nasceu no sertão de Pernambuco. Contista da nova geração, é autor, entre outros, do livro de contos "Angu de Sangue" (Ateliê Editorial, 2000).
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