Pensata

Eliane Cantanhêde

02/10/2002

Vermelhos até de raiva

Quanto mais perto da hora "H", mais crescem os apoios ao favorito da eleição presidencial, o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Há de tudo um pouco nesse saco de gatos.

Quem apóia na última hora pode muito bem estar apoiando por puro oportunismo, dando aquele pulinho estratégico de uma campanha derrotada para a vitoriosa _e promissora, em termos, por exemplo, de benesses e cargos.

Mas não sejamos assim tão cáusticos. Na outra ponta, há também os que olharam o quadro eleitoral, refletiram e acharam que Lula nem era o candidato de seus sonhos, mas é melhor para o país simplesmente investir tudo na vitória dele no primeiro turno. Seria o melhor que restou. E, já que é para ganhar, que ganhe logo.

No meio, exatamente no meio das duas pontas, há os "neovermelhos" e os "vermelhos de raiva". No primeiro caso, onde se encaixam principalmente empresários e até banqueiros, estão os que simplesmente acham que o Brasil vai ter mesmo que passar por um governo do PT, e seja o que Deus quiser. Mais ou menos assim: "Um dia ia fatalmente acontecer..."

No segundo, dos "vermelhos de raiva", acomodam-se as forças políticas movidas por um único sentimento: a rejeição ao candidato do governo, José Serra. Incluem-se aí ACM, os Sarney, alguns ciristas de primeira hora e o PMDB que se sentiu traído em Santa Catarina, por exemplo. Não é que eles morram de amores pelo PT e por Lula, mas morrem de ódio pelo PSDB, por FHC e principalmente por Serra.

O caso do senador José Sarney é exemplar, porque ele reúne de tudo isso um pouco. Digamos que é um balaio em si mesmo. Seu apoio a Lula tem um quê de oportunismo, porque a velha raposa combina muitíssimo bem com o poder, qualquer poder. Tem também uma pitada de reflexão sincera, dessas de "entre o que está aí, o PT é ainda é o melhorzinho mesmo".

Há, porém, montanhas das duas outras coisas: Sarney é, sim, um típico "vermelho de raiva", com ódio a Serra, e um ótimo exemplo de "neovermelho", convencido de que o país tinha que passar pela experiência Lula/PT. Tanto que, ao reafirmar seu apoio, disse que o "país precisava passar por esse gargalo" e que, se era para ser, "que fosse logo". Não chega a ser uma manifestação entusiasmada, apaixonada. Pode-se, no máximo, classificar como conformada.

Até agora, essas adesões são preciosas para Lula, que precisa de pouco, muito pouco, para vencer a eleição já no primeiro turno. Depois, se eleito, elas poderão ser um poderoso aliado da governabilidade ou, ao contrário, um tremendo abacaxi para administrar. Em eleições, apoios revertem em votos. Em governo, revertem em aliados no Congresso _ e, junto com eles, numa legião de pedintes, com uma lista sem fim de pressões, às vezes legítimas, às vezes nem tanto.

Para o PT, o equilíbrio entre as duas coisas (apoios eleitorais versus aliados de governo) tem o mesmo grau de dificuldade entre o PT da campanha e o PT no governo (o "paz e o amor" versus o PT da sua própria história). É desse equilíbrio, dificílimo, mas possível, que depende a eficácia e a aprovação de um eventual governo Lula.

A onda agora é toda muito favorável. Mas depois a realidade nem sempre, ou quase nunca, é uma festa. E é aí que a porca torce o rabo, e os aliados põem suas manguinhas de fora.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Participou intensamente da cobertura do choque entre o Boeing da Gol e o jato Legacy, em setembro de 2006.

E-mail: elianec@uol.com.br

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