Folha Online Ilustrada  
Crítica
07/10/2002 - 09h30

Obra retoma MPB dos 70 sob a ótica dos "cafonas"

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

Com evento de lançamento programado para hoje em São Paulo, o livro "Eu Não Sou Cachorro, Não", do historiador e jornalista Paulo Cesar de Araújo, vem surpreendendo pela leitura militante que faz de um período e de um nicho especiais da música popular brasileira: os anos 70 e a dita geração "cafona".

A cruzada de Araújo é provar que músicos populares do período de vigência do AI-5 (68-78), como Luiz Ayrão, Benito di Paula, Odair José, Paulo Sérgio, Agnaldo Timóteo, Waldik Soriano e Nelson Ned, foram simplesmente riscados do mapa da história oficial por elitismo, cegueira, descuido crítico -simplificando, por puro preconceito.

O segundo ponto que Araújo mira documentar é que tais artistas da ala "cafona" foram tão combativos contra o regime militar quanto a MPB oficial.

A empreitada é pesada, mas o autor mergulha nela com gana, valendo-se de uma pesquisa minuciosa, que em inúmeras passagens consegue iluminar detalhes surpreendentes da história submersa.

Graças à excelente pesquisa, não lhe faltam argumentos que apóiem suas teses. Convence-nos de que houve preconceito e de que vários daqueles artistas em determinados episódios foram corajosíssimos no embate com a Censura.

Mas é na própria obsessão com que argumenta que Araújo dá lá suas escorregadelas. Isolando o preconceito setorial contra a música "cafona", acaba por fazê-lo parecer uno e específico.

Abordando os mesmos anos 70, poderia produzir livros equivalentes, e chegando às mesmas conclusões, sobre preconceito contra mulheres, negros, homossexuais, nordestinos, migrantes, trabalhadores informais, pobres etc. etc. etc.

Não por acaso, todos esses subgrupos estão fartamente representados dentro do estudo sobre os "cafonas".

Aliás, algo do que há de mais tocante no livro é a constatação de que todos eles vieram do subemprego, do trabalho infantil e em alguns casos da miséria.

O grande paradoxo, sobre o qual Araújo passa só de raspão, é que, mesmo discriminados e marginalizados, tais artistas fizeram aliança sólida com o público, que os alçou à fama e à fortuna. E talvez isso fosse o mais "indesculpável" de sua ascensão.

"Eu te Amo, Meu Brasil"
Terceiro ponto de honra para Araújo é a história da dupla Dom & Ravel. Dom é autor da famosa marchinha "Eu te Amo, Meu Brasil", franco hino de suporte ao regime militar.

Mesmo tendo sido veiculada pelos Incríveis, a canção-rótulo se colou para sempre à imagem da dupla. Araújo se esmera em recontar a história, descrevendo esquecidos traços militantes (à esquerda) de Dom & Ravel.

É claro ao discutir que o despreparo físico, político, psicológico e intelectual daqueles heróis (ou seja, do povo brasileiro) podia ser a causa de espíritos progressista e reacionário se confundirem e conviverem nos mesmos peitos.

Mas cai no mesmo deslize de antes quando cede a querer absolver seus eleitos a todo custo. Para atenuar as cicatrizes abertas dos bodes expiatórios Dom & Ravel, redime-os jogando a pecha de adesistas aos militares nos ombros de uma gama de artistas que inclui Miguel Gustavo, Roberto Silva, Jorge Ben, Ivan Lins, Marcos Valle, Os Incríveis.

Eles foram? Sim, Araújo prova que sim -e esse é um dos aspectos que torna o livro fundamental. Mas Dom & Ravel também foram, assim como os "cafonas" em geral, que viviam entre tapas e beijos com os militares, falando de pílula anticoncepcional, homossexualismo e divórcio quando esses temas eram plenos tabus.

Os opostos conviviam naqueles artistas, e esse livro é valioso para tirar a viseira que tampa nossa compreensão sobre isso.

No mais, volta a questão de fundo, sobre o preconceito contra os "cafonas". Ele é fato, e a equipe que pesquisa, historia e critica MPB terá de se rever após a leitura de "Eu Não Sou Cachorro, Não".
No entanto, mais uma vez Araújo desliza a parcialidade e a omissão para sedimentar suas (fortes) teses.

Os boleros dos 50 e o iê-iê-iê dos 60 já foram reavaliados, agora é vez da cafonália 70. Difícil continua sendo aplicar tal defesa ao que se produz em massa no presente (axé, pagode, neo-sertanejo, pop pedófilo etc.) _nem Araújo menciona isso em seu livro.

É que cada tempo tende a assumir determinadas antipatias sob o critério de se posicionar contra a música que mais signifique manipulação popular, tramóias industriais, deseducação.

O erro, bem demonstra o historiador, está no fato de desdiferenciar o produto do contexto e da história de quem o produz. Expatriam-se artistas autênticos como os defendidos pelo livro, devido apenas a certa música ruim que produziram.

Trocando os termos, isolam-se os brasileiros brutalizados do Brasil que os produz e que eles produzem. A denúncia está feita.

Eu Não Sou Cachorro, Não
Autor: Paulo Cesar de Araújo
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (458 págs.)
Lançamento: hoje, em São Paulo, às 19h, na Fnac (av. Pedroso de Moraes, 858, Pinheiros, zona oeste, tel. 0/xx/11/ 3097-0022)

   
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