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18/04/2002
-
11h01
da Folha de S.Paulo
A inversão sintática é um recurso estilístico muito usado no idioma. Criador de ênfase, o procedimento é um poderoso aliado dos poetas que se propõem criar versos rimados com métrica preestabelecida. Mas nem sempre alterar a posição de uma palavra na frase traz bons resultados.
É relativamente corriqueiro que uma sentença acabe apresentando dupla interpretação. Isso decorre de descuido do redator ou, mais freqüentemente, da pressa, situação comum em jornais.
Um exemplo retirado de uma revista recentemente publicada diz: "...ele prefere esconder que está enfrentando um problema até o fim". A intenção do redator era dizer que a pessoa preferia esconder até o fim, até o último momento, que estava enfrentando um problema. Do modo como a frase foi escrita, a expressão "até o fim" parece estar ligada ao verbo "enfrentar" (enfrentando até o fim o problema). Com base no contexto, o leitor pode chegar à correta interpretação do enunciado. Cabe, porém, ao texto escrito possibilitar a leitura fluente, sem embaraços. Não é outro o motivo de a ambigüidade ser já há algum tempo assunto obrigatório nas provas de português dos principais exames vestibulares.
Há alguns anos, a prova da Unicamp reproduziu um texto jornalístico que dizia: "As Forças Armadas brasileiras já estão treinando 3.000 soldados para atuar no Haiti depois da retirada das tropas americanas. A ONU solicitou o envio de tropas ao Brasil e a mais quatro países, disse ontem o presidente da Guatemala, Ramiro de León". A banca examinadora pediu aos candidatos que apontassem o trecho ambíguo e que fizessem as alterações necessárias para que o texto passasse a permitir uma só leitura.
A correção era fácil. Bastava inverter a ordem das palavras, de modo que a expressão "ao Brasil" ficasse imediatamente após o verbo que completa. Em suma, não se tratava de "envio ao Brasil", mas de "solicitou ao Brasil". Assim: "...solicitou ao Brasil e a mais (...) países o envio de tropas...".
Às vezes, dessas leituras duplas advém acidentalmente um efeito cômico. É o que se vê no texto, também de jornal, que diz: "É preciso deixar essa história para boi dormir de lado". É certo que não se trata de uma história que faça o boi dormir nesta ou naquela posição. Melhor seria, então, "deixar de lado essa história para boi dormir". Com um pouco de atenção, é possível evitar as desagradáveis ambigüidades.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha. Foi responsável pelas aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura
Leia mais:
Atualidades: Entenda sofre o fim da Iugoslávia
História: Europa medieval, uma "bárbara civilização"
Física: Entenda a importância do mundo do "muito pequeno"
Geografia: Quanto maior for o mapa, maior será a escala
Português: Posição dos termos na frase pode gerar duplo sentido
THAÍS NICOLETI DE CAMARGOda Folha de S.Paulo
A inversão sintática é um recurso estilístico muito usado no idioma. Criador de ênfase, o procedimento é um poderoso aliado dos poetas que se propõem criar versos rimados com métrica preestabelecida. Mas nem sempre alterar a posição de uma palavra na frase traz bons resultados.
É relativamente corriqueiro que uma sentença acabe apresentando dupla interpretação. Isso decorre de descuido do redator ou, mais freqüentemente, da pressa, situação comum em jornais.
Um exemplo retirado de uma revista recentemente publicada diz: "...ele prefere esconder que está enfrentando um problema até o fim". A intenção do redator era dizer que a pessoa preferia esconder até o fim, até o último momento, que estava enfrentando um problema. Do modo como a frase foi escrita, a expressão "até o fim" parece estar ligada ao verbo "enfrentar" (enfrentando até o fim o problema). Com base no contexto, o leitor pode chegar à correta interpretação do enunciado. Cabe, porém, ao texto escrito possibilitar a leitura fluente, sem embaraços. Não é outro o motivo de a ambigüidade ser já há algum tempo assunto obrigatório nas provas de português dos principais exames vestibulares.
Há alguns anos, a prova da Unicamp reproduziu um texto jornalístico que dizia: "As Forças Armadas brasileiras já estão treinando 3.000 soldados para atuar no Haiti depois da retirada das tropas americanas. A ONU solicitou o envio de tropas ao Brasil e a mais quatro países, disse ontem o presidente da Guatemala, Ramiro de León". A banca examinadora pediu aos candidatos que apontassem o trecho ambíguo e que fizessem as alterações necessárias para que o texto passasse a permitir uma só leitura.
A correção era fácil. Bastava inverter a ordem das palavras, de modo que a expressão "ao Brasil" ficasse imediatamente após o verbo que completa. Em suma, não se tratava de "envio ao Brasil", mas de "solicitou ao Brasil". Assim: "...solicitou ao Brasil e a mais (...) países o envio de tropas...".
Às vezes, dessas leituras duplas advém acidentalmente um efeito cômico. É o que se vê no texto, também de jornal, que diz: "É preciso deixar essa história para boi dormir de lado". É certo que não se trata de uma história que faça o boi dormir nesta ou naquela posição. Melhor seria, então, "deixar de lado essa história para boi dormir". Com um pouco de atenção, é possível evitar as desagradáveis ambigüidades.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha. Foi responsável pelas aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura
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