Publicidade
Publicidade
04/04/2002
-
10h43
da Folha de S.Paulo
Para estudar a sintaxe da língua portuguesa, é importante que se comece por observar a organização mais usual das sentenças. Geralmente os enunciados seguem uma certa seqüência -a chamada ordem direta-, que se inicia com o sujeito, seguido de verbo, de complementos e, finalmente, de expressões adverbiais.
Rigorosamente na ordem direta está uma frase como: "Ele entregou os documentos ao secretário ontem" (sujeito/ verbo/ objeto direto/ objeto indireto/ adjunto adverbial). A compreensão desse enunciado é imediata, pois ele se apresenta na seqüência mais freqüente na língua.
As alterações feitas nessa ordem buscam enfatizar algum termo da oração. Na frase: "Os documentos, ele os entregou ao secretário ontem", o objeto direto anteposto (e retomado pelo pronome átono "os") ganha destaque por ter sido posto no início do período.
O recurso da inversão é largamente usado pelos poetas, que buscam privilegiar o aspecto subjetivo da linguagem. Em muitos casos, a mera anteposição do adjetivo ao substantivo dá subjetividade à expressão ("verdes olhos" em vez de "olhos verdes", por exemplo). Essa inversão de ordem entre termos de um mesmo sintagma chama-se anástrofe.
Presente em muitos textos poéticos está o hipérbato, figura de construção em que a mudança na ordem dos termos é um pouco mais severa, o que, por vezes, dificulta a compreensão do conteúdo. Isso é o que se vê no excerto abaixo, extraído do poema "I-Juca-Pirama", de Gonçalves Dias. O velho chefe timbira liberta o prisioneiro tupi por considerá-lo fraco e, portanto, indigno de ser devorado no ritual antropofágico, provocando a resposta do jovem índio, ferido em sua dignidade:
"-Ora não partirei; quero provar-te/ Que um filho dos tupis vive com honra,/ E com honra maior, se acaso o vencem,/ Da morte o passo glorioso afronta.// -Mentiste, que um tupi não chora nunca,/ E tu choraste!... parte; não queremos/ Com carne vil enfraquecer os fortes".
Na ordem direta, os trechos seriam: "E afronta o passo glorioso da morte com honra maior se acaso o vencem" e, depois, "Não queremos enfraquecer os fortes com carne vil". Dessa forma, o entendimento linear do texto certamente seria instantâneo, mas a musicalidade e a atmosfera solene do diálogo se perderiam.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha. Foi responsável pelas aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura
Português: Inverter a ordem dos termos aumenta a expressividade
THAÍS NICOLETI DE CAMARGOda Folha de S.Paulo
Para estudar a sintaxe da língua portuguesa, é importante que se comece por observar a organização mais usual das sentenças. Geralmente os enunciados seguem uma certa seqüência -a chamada ordem direta-, que se inicia com o sujeito, seguido de verbo, de complementos e, finalmente, de expressões adverbiais.
Rigorosamente na ordem direta está uma frase como: "Ele entregou os documentos ao secretário ontem" (sujeito/ verbo/ objeto direto/ objeto indireto/ adjunto adverbial). A compreensão desse enunciado é imediata, pois ele se apresenta na seqüência mais freqüente na língua.
As alterações feitas nessa ordem buscam enfatizar algum termo da oração. Na frase: "Os documentos, ele os entregou ao secretário ontem", o objeto direto anteposto (e retomado pelo pronome átono "os") ganha destaque por ter sido posto no início do período.
O recurso da inversão é largamente usado pelos poetas, que buscam privilegiar o aspecto subjetivo da linguagem. Em muitos casos, a mera anteposição do adjetivo ao substantivo dá subjetividade à expressão ("verdes olhos" em vez de "olhos verdes", por exemplo). Essa inversão de ordem entre termos de um mesmo sintagma chama-se anástrofe.
Presente em muitos textos poéticos está o hipérbato, figura de construção em que a mudança na ordem dos termos é um pouco mais severa, o que, por vezes, dificulta a compreensão do conteúdo. Isso é o que se vê no excerto abaixo, extraído do poema "I-Juca-Pirama", de Gonçalves Dias. O velho chefe timbira liberta o prisioneiro tupi por considerá-lo fraco e, portanto, indigno de ser devorado no ritual antropofágico, provocando a resposta do jovem índio, ferido em sua dignidade:
"-Ora não partirei; quero provar-te/ Que um filho dos tupis vive com honra,/ E com honra maior, se acaso o vencem,/ Da morte o passo glorioso afronta.// -Mentiste, que um tupi não chora nunca,/ E tu choraste!... parte; não queremos/ Com carne vil enfraquecer os fortes".
Na ordem direta, os trechos seriam: "E afronta o passo glorioso da morte com honra maior se acaso o vencem" e, depois, "Não queremos enfraquecer os fortes com carne vil". Dessa forma, o entendimento linear do texto certamente seria instantâneo, mas a musicalidade e a atmosfera solene do diálogo se perderiam.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha. Foi responsável pelas aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Avaliação reprova 226 faculdades do país pelo 4º ano consecutivo
- Dilma aprova lei que troca dívidas de universidades por bolsas
- Notas das melhores escolas paulistas despencam em exame; veja
- Universidades de SP divulgam calendário dos vestibulares 2013
- Mercadante diz que não há margem para reajuste maior aos docentes
+ Comentadas
- Câmara sinaliza absolvição de deputados envolvidos com Cachoeira
- Alunos com bônus por raça repetem mais na Unicamp
+ EnviadasÍndice