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10/10/2000
-
11h35
especial para a Folha de S.Paulo
As línguas, como as civilizações, têm história. Isso quer dizer que são processos sujeitos a transformações. Desse enfoque se ocupa a gramática histórica e, em particular, a etimologia, que é o estudo da origem das palavras. Determinar com precisão o nascedouro das palavras é tarefa das mais difíceis e nem sempre levada a termo.
Muitas vezes depara o estudioso com a ausência de documentação, caso dos muitos vocábulos de feição nitidamente popular. O verbo "pifar", sinônimo de "enguiçar" ou "falhar", segundo o professor Gladstone Chaves de Melo, teria nascido da onomatopéia do ruído emitido por um carro com carburador desregulado. E prova da vitalidade da palavra é que, mesmo tendo a tecnologia aposentado o carburador, tão bem substituído pela injeção eletrônica, continuam os carros a pifar por diferentes motivos.
Há nomes próprios que se convertem em nomes comuns. Quantas vezes você já terá empregado o nome "Aurélio", do nosso conhecido dicionarista, como um sinônimo da obra que o tornou tão famoso? Chamar um dicionário, qualquer um, de "aurélio" é lançar mão de um dos mais vitais processos de formação de palavras da língua, a derivação imprópria. É o caso da lâmina de barbear, a "gilete", que tomou emprestado o sobrenome de seu inventor. "Carrasco" vem do nome de um algoz que teria vivido em Lisboa na Idade Média.
A palavra "embora" tem sua origem na locução "em boa hora" (Vá-se "embora"). Três radicais se aglutinaram, concorrendo para a sua formação. É o mesmo que ocorre com "fidalgo", na origem "filho d'alikon", o quinhão sagrado da terra, entre os muçulmanos. "Fonseca" vem de "fonte seca"; "morcego", de "rato (mur) cego".
Muitos de nós já tivemos sarampo. Pois saiba que o nome original da doença é "sarampão". É possível que o povo tenha confundido a terminação da palavra com o sufixo "-ão", de aumentativo, e, considerando-o desnecessário, feito o seu talho.
A esse processo chamamos derivação regressiva. A palavra sofre um encolhimento por supressão de sufixo (falso ou vedadeiro). Tal comportamento é mais comum entre verbos que dão origem a substantivos. De "combater", fazemos "combate"; de "lutar", "luta", entre muitos outros.
Em alguns casos, o deverbal (substantivo derivado de verbo) convive com uma forma correlata, não raro operando distinção de uso. De "conservar", nascem "conservação" e o regressivo "conserva"; de "levantar", temos "levantamento" e "levante". O tema é dos mais fascinantes dentro do estudo de uma língua. Vale a pena continuar na próxima.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e apresentadora das aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura
Leia mais sobre vestibular no Fovest Online
Leia mais notícias de educação na Folha Online
RESUMÃO/PORTUGUÊS: Como surgem as palavras
THAÍS NICOLETI DE CAMARGOespecial para a Folha de S.Paulo
As línguas, como as civilizações, têm história. Isso quer dizer que são processos sujeitos a transformações. Desse enfoque se ocupa a gramática histórica e, em particular, a etimologia, que é o estudo da origem das palavras. Determinar com precisão o nascedouro das palavras é tarefa das mais difíceis e nem sempre levada a termo.
Muitas vezes depara o estudioso com a ausência de documentação, caso dos muitos vocábulos de feição nitidamente popular. O verbo "pifar", sinônimo de "enguiçar" ou "falhar", segundo o professor Gladstone Chaves de Melo, teria nascido da onomatopéia do ruído emitido por um carro com carburador desregulado. E prova da vitalidade da palavra é que, mesmo tendo a tecnologia aposentado o carburador, tão bem substituído pela injeção eletrônica, continuam os carros a pifar por diferentes motivos.
Há nomes próprios que se convertem em nomes comuns. Quantas vezes você já terá empregado o nome "Aurélio", do nosso conhecido dicionarista, como um sinônimo da obra que o tornou tão famoso? Chamar um dicionário, qualquer um, de "aurélio" é lançar mão de um dos mais vitais processos de formação de palavras da língua, a derivação imprópria. É o caso da lâmina de barbear, a "gilete", que tomou emprestado o sobrenome de seu inventor. "Carrasco" vem do nome de um algoz que teria vivido em Lisboa na Idade Média.
A palavra "embora" tem sua origem na locução "em boa hora" (Vá-se "embora"). Três radicais se aglutinaram, concorrendo para a sua formação. É o mesmo que ocorre com "fidalgo", na origem "filho d'alikon", o quinhão sagrado da terra, entre os muçulmanos. "Fonseca" vem de "fonte seca"; "morcego", de "rato (mur) cego".
Muitos de nós já tivemos sarampo. Pois saiba que o nome original da doença é "sarampão". É possível que o povo tenha confundido a terminação da palavra com o sufixo "-ão", de aumentativo, e, considerando-o desnecessário, feito o seu talho.
A esse processo chamamos derivação regressiva. A palavra sofre um encolhimento por supressão de sufixo (falso ou vedadeiro). Tal comportamento é mais comum entre verbos que dão origem a substantivos. De "combater", fazemos "combate"; de "lutar", "luta", entre muitos outros.
Em alguns casos, o deverbal (substantivo derivado de verbo) convive com uma forma correlata, não raro operando distinção de uso. De "conservar", nascem "conservação" e o regressivo "conserva"; de "levantar", temos "levantamento" e "levante". O tema é dos mais fascinantes dentro do estudo de uma língua. Vale a pena continuar na próxima.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e apresentadora das aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura
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