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19/12/2000
-
10h21
especial para a Folha de S.Paulo
Ultimamente, os vestibulares têm proposto aos estudantes questões que envolvem a correlação de tempos verbais. Os alunos, em geral, resolvem-nas lançando mão de critérios intuitivos, afinal, são falantes da língua portuguesa.
A dificuldade, porém, que esse tipo de questão apresenta deve-se não só ao fato de o português ter um sistema complexo de conjugação verbal, no qual os tempos apresentam várias subdivisões, mas também ao fato de as gramáticas tradicionais muitas vezes omitirem o estudo sistemático do aspecto, categoria considerada subsidiária do tempo nos verbos.
O aspecto é a propriedade que têm as formas verbais de designar a duração de um processo. É fácil observar a sua existência examinando a distinção entre as formas do passado no modo indicativo.
O pretérito perfeito exprime um fato concluso, já o imperfeito indica que a ação não foi terminada, apresentando, portanto, aspecto durativo. Dizemos que "Fulano estudou matemática em sua juventude", mas que "Fulano estudava matemática quando foi convidado para lecionar no colégio". A ação em curso expressa-se, no passado, por meio do imperfeito. Esse é o tempo também das ações interrompidas ou repetidas no passado. Dizemos que "Fulano lia (estava lendo) o livro quando ela lhe perguntou aquilo" ou que "Fulano, naquela época, corria todos os dias no parque".
O aspecto durativo (ou cursivo) é também indicado pelo uso do gerúndio antecedido de um verbo auxiliar. Assim, dizemos que alguém "vive reclamando", "está dormindo", "anda estudando" etc. Em Portugal, no lugar do gerúndio, há nítida preferência pelo infinitivo regido pela preposição "a" ("continuamos a esperar uma resposta"), cujo efeito é o mesmo.
O verbo auxiliar que acompanha o gerúndio pode ser flexionado nos vários tempos verbais, dando à expressão diferentes matizes. Podemos dizer que alguém "esteve viajando", "estava viajando", "está viajando", "estará viajando". Mas é preciso ter cuidado com certa tendência _observada recentemente_ ao uso indiscriminado do gerúndio antecedido de auxiliar no futuro.
Há quem substitua uma forma como "conversarei" (ou "vou conversar") por "estarei conversando", em frases do tipo: "Amanhã, estarei conversando com ele" ou "Amanhã, vou estar conversando com ele". Tais construções soam pouco econômicas e desnecessárias à expressão do sentido pretendido. Mais sucinto seria dizer: "Amanhã, conversarei (vou conversar) com ele". Não podemos, porém, imputar erro a quem formular: "Quando ele chegar, ela estará dormindo".
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e apresentadora das aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura
Resumão/português - Sobre tempo e aspecto nos verbos
THAÍS NICOLETI DE CAMARGOespecial para a Folha de S.Paulo
Ultimamente, os vestibulares têm proposto aos estudantes questões que envolvem a correlação de tempos verbais. Os alunos, em geral, resolvem-nas lançando mão de critérios intuitivos, afinal, são falantes da língua portuguesa.
A dificuldade, porém, que esse tipo de questão apresenta deve-se não só ao fato de o português ter um sistema complexo de conjugação verbal, no qual os tempos apresentam várias subdivisões, mas também ao fato de as gramáticas tradicionais muitas vezes omitirem o estudo sistemático do aspecto, categoria considerada subsidiária do tempo nos verbos.
O aspecto é a propriedade que têm as formas verbais de designar a duração de um processo. É fácil observar a sua existência examinando a distinção entre as formas do passado no modo indicativo.
O pretérito perfeito exprime um fato concluso, já o imperfeito indica que a ação não foi terminada, apresentando, portanto, aspecto durativo. Dizemos que "Fulano estudou matemática em sua juventude", mas que "Fulano estudava matemática quando foi convidado para lecionar no colégio". A ação em curso expressa-se, no passado, por meio do imperfeito. Esse é o tempo também das ações interrompidas ou repetidas no passado. Dizemos que "Fulano lia (estava lendo) o livro quando ela lhe perguntou aquilo" ou que "Fulano, naquela época, corria todos os dias no parque".
O aspecto durativo (ou cursivo) é também indicado pelo uso do gerúndio antecedido de um verbo auxiliar. Assim, dizemos que alguém "vive reclamando", "está dormindo", "anda estudando" etc. Em Portugal, no lugar do gerúndio, há nítida preferência pelo infinitivo regido pela preposição "a" ("continuamos a esperar uma resposta"), cujo efeito é o mesmo.
O verbo auxiliar que acompanha o gerúndio pode ser flexionado nos vários tempos verbais, dando à expressão diferentes matizes. Podemos dizer que alguém "esteve viajando", "estava viajando", "está viajando", "estará viajando". Mas é preciso ter cuidado com certa tendência _observada recentemente_ ao uso indiscriminado do gerúndio antecedido de auxiliar no futuro.
Há quem substitua uma forma como "conversarei" (ou "vou conversar") por "estarei conversando", em frases do tipo: "Amanhã, estarei conversando com ele" ou "Amanhã, vou estar conversando com ele". Tais construções soam pouco econômicas e desnecessárias à expressão do sentido pretendido. Mais sucinto seria dizer: "Amanhã, conversarei (vou conversar) com ele". Não podemos, porém, imputar erro a quem formular: "Quando ele chegar, ela estará dormindo".
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e apresentadora das aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura
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