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21/11/2000
-
08h02
especial para a Folha de S.Paulo
Há quem não consiga expressar seus sentimentos por meio das palavras, preferindo o silêncio ao ruído dos sonoros adjetivos.
Mas tal economia vocabular está longe de ser comum. Sob a influência do gosto romântico, não são raras as expansões sentimentais marcadas pelo exagero. O ser amado não é menos que a luz da existência ou o motivo da vida.
No dia-a-dia, não resistimos à tentação de chamar a atenção alheia para a intensidade de nossas emoções ou para a grandeza de nossos sacrifícios e dores.
Quantas vezes não reclamamos do atraso dos outros, que invariavelmente nos deixaram esperando durante um século, quando a demora não durou mais que dez _infindáveis_ minutos. Aquela dor de cabeça de estourar os miolos pode ser apenas um mal passageiro.
A esse tipo de construção do pensamento chamamos hipérbole. Dificilmente alguém já terá dito mil vezes a mesma coisa a outra pessoa. Mas é comum afirmarmos que o fizemos.
Não são poucas as maneiras de exprimir o exagero. A larga adjetivação por si só já pode produzir esse efeito.
Os adjetivos, por sua vez, podem estar no grau superlativo. Usamos paupérrimo por pobre, libérrimo por livre, dulcíssimo por doce.
Muitos dos adjetivos superlativados remontam a seu radical latino, assumindo forma erudita.
Daí serem palavras pouco usadas na linguagem diária, quando não empregadas incorretamente, como é o caso de "magérrimo" no lugar de "macérrimo"(este, sim, o superlativo de "magro") ou de "chiquésimo" como superlativo de "chique", mimetizando o sufixo dos numerais.
A tendência dos falantes é utilizar formas mais espontâneas. Nem macérrimo nem magérrimo, o povo diz mesmo é que fulano é magrelo, magricela, magriço, palito, pele e osso. Ou simplesmente magrinho, palavra a que se empresta certo tom afetivo.
Convém notar que o sufixo de diminutivo preso a adjetivos tem sido usado sistematicamente como intensificador. No conto "Viagem a Petrópolis", de Clarice Lispector, a personagem central é descrita como uma "velha sequinha".
A repetição de um termo também pode ser enfática. Quem não se lembra do verso de Manuel Bandeira: "Passei a vida à toa, à toa..."? Na imprensa, é comum o uso de termos como "megacomício" ou "megashow", sentidos como mais intensos que os formados com "super" ou "hiper".
Também os palavrões, que, aos poucos, vêm perdendo seu sentido grosseiro e incorporando-se inofensivamente à gíria, podem prestar-se ao papel de superlativos e, dependendo do contexto, converter-se em elogios.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e apresentadora das aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura
Resumão/português: A linguagem hiperbólica
THAÍS NICOLETI DE CAMARGOespecial para a Folha de S.Paulo
Há quem não consiga expressar seus sentimentos por meio das palavras, preferindo o silêncio ao ruído dos sonoros adjetivos.
Mas tal economia vocabular está longe de ser comum. Sob a influência do gosto romântico, não são raras as expansões sentimentais marcadas pelo exagero. O ser amado não é menos que a luz da existência ou o motivo da vida.
No dia-a-dia, não resistimos à tentação de chamar a atenção alheia para a intensidade de nossas emoções ou para a grandeza de nossos sacrifícios e dores.
Quantas vezes não reclamamos do atraso dos outros, que invariavelmente nos deixaram esperando durante um século, quando a demora não durou mais que dez _infindáveis_ minutos. Aquela dor de cabeça de estourar os miolos pode ser apenas um mal passageiro.
A esse tipo de construção do pensamento chamamos hipérbole. Dificilmente alguém já terá dito mil vezes a mesma coisa a outra pessoa. Mas é comum afirmarmos que o fizemos.
Não são poucas as maneiras de exprimir o exagero. A larga adjetivação por si só já pode produzir esse efeito.
Os adjetivos, por sua vez, podem estar no grau superlativo. Usamos paupérrimo por pobre, libérrimo por livre, dulcíssimo por doce.
Muitos dos adjetivos superlativados remontam a seu radical latino, assumindo forma erudita.
Daí serem palavras pouco usadas na linguagem diária, quando não empregadas incorretamente, como é o caso de "magérrimo" no lugar de "macérrimo"(este, sim, o superlativo de "magro") ou de "chiquésimo" como superlativo de "chique", mimetizando o sufixo dos numerais.
A tendência dos falantes é utilizar formas mais espontâneas. Nem macérrimo nem magérrimo, o povo diz mesmo é que fulano é magrelo, magricela, magriço, palito, pele e osso. Ou simplesmente magrinho, palavra a que se empresta certo tom afetivo.
Convém notar que o sufixo de diminutivo preso a adjetivos tem sido usado sistematicamente como intensificador. No conto "Viagem a Petrópolis", de Clarice Lispector, a personagem central é descrita como uma "velha sequinha".
A repetição de um termo também pode ser enfática. Quem não se lembra do verso de Manuel Bandeira: "Passei a vida à toa, à toa..."? Na imprensa, é comum o uso de termos como "megacomício" ou "megashow", sentidos como mais intensos que os formados com "super" ou "hiper".
Também os palavrões, que, aos poucos, vêm perdendo seu sentido grosseiro e incorporando-se inofensivamente à gíria, podem prestar-se ao papel de superlativos e, dependendo do contexto, converter-se em elogios.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha e apresentadora das aulas de gramática do programa "Vestibulando", da TV Cultura
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