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17/11/2002 - 03h01

Crime do Brooklin se enquadra como "homicídio moderno"

LUIZ CAVERSAN
da Folha de S.Paulo

O assassinato do casal Richthofen choca e causa comoção por causa da presença da filha Suzane, que confessou ter participado do planejamento do crime, praticado num bairro nobre, com mais dois jovens de classe média. Mas os demais detalhes que compõe essa tragédia urbana fazem com que ela possa ser considerada um assassinato banal, que ocorre dentro dos padrões do que seria hoje um "homicídio moderno".

A Folha reuniu e confrontou dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, do Ministério da Justiça e, principalmente, informações colhidas por três pesquisadores acadêmicos independentes, que trabalham com o tema.

Conclusão possível: o crime do Brooklin é quase um homicídio padrão, contém elementos comuns à imensa maioria dos delitos dessa natureza cometidos em São Paulo, sobretudo na periferia da cidade, longe da atenção da mídia.

Eis porque o assassinato do casal pode ser considerado, estatisticamente, um delito típico:

1 - O crime foi premeditado

2 - Os autores têm idades entre 18 e 27 anos.

3 - As vítimas e os criminosos se conheciam.

4 - Ocorreu na área em que as vítimas moravam.

5 - Foi decorrência da decisão dos autores de "resolver um problema" que as vítimas estariam causando a eles.

6 - Assim como a maior parte dos crimes em que pessoas da mesma família estão envolvidas, não houve utilização de arma de fogo.

7 - O assassinato foi cometido por homens.

Os pesquisadores ouvidos são Bruno Paes Manso, 31, jornalista e pesquisador do Instituto Fernand Braudel que elabora tese de mestrado em política na USP com o tema "O Homicida na Virada do Século 21"; Renato Sérgio de Lima, 32, sociólogo, pesquisador da Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) que acaba de lançar em livro sua tese de mestrado "Criminalidade Urbana" (Editora Sicureza, 101 págs), sobre homicídios na cidade de São Paulo; e o cientista político e pesquisador da ONU Guaracy Mingardi, atual secretário de Segurança Pública da Guarulhos, município da Grande SP.

Depois de colher o depoimento de 12 assassinos e de analisar mais de 800 inquéritos policiais de homicídios, Paes Manso chegou a algumas conclusões identificáveis no caso Richthofen. "Mais de 70% das mortes foram premeditadas, os autores eram homens, jovens e mataram para remover um obstáculo de suas vidas. Hoje, o homicídio é sobretudo uma forma de resolver um problema."

Para o pesquisador, "nas teias de relacionamento em que a violência aumenta a cada dia, a morte começa a fazer parte das regras do jogo. Nesse contexto, o indivíduo que mata não é mais considerado anormal."

Na sua avaliação, o caso Richthofen é clássico: "Os autores queriam alguma coisa e havia uma autoridade (os pais) que não os deixava conseguir. Para essa faixa de idade de homens que têm certos tipos de relacionamento, qual é a alternativa? Matar. Numa cidade como São Paulo, que tem mais de 5.000 homicídios por ano, esse tipo de valor se tornou normal. Apesar de haver uma garota desnorteada ou louca envolvida, esse é um crime do século 21."

Guaracy Mingardi, que já desenvolveu diversos estudos sobre criminalidade, entre eles um em que analisou dados de 1.200 homicídios, acrescenta alguns detalhes reveladores: "88% dos crimes desse tipo ocorrem na mesma área em que as pessoas vivem, ou seja, elas são vizinhas e eventualmente se conhecem. Nos crimes em que estão envolvidos parentes, normalmente a carga de violência é maior. Não se mata com uma facada, mas com 20."

Segundo Mingardi, a morte do casal Richthofen choca por causa da presença da filha, "mas se enquadra no padrão". Segundo informações do pesquisador, tem conexão com uma tendência identificada também nos EUA.

Estudo realizado pelo FBI, a polícia federal americana, cruzou os dados de assassinatos cometidos entre 1991 e 1998 nos quais os autores tinham entre 18 e 24 anos e as vítimas, mais de 50 anos (semelhante ao caso brasileiro). Constatou que, em metade dos casos, assassino e assassinado se conheciam. Desses casos, metade era composta de parentes.

"Isso significa que um em cada cinco assassinatos envolve familiares, ou seja, a vítima será morta por um parente", diz Mingardi.

Outro aspecto apontado por Mingardi, e referendado por Renato Sérgio de Lima, é o seguinte: sempre que os crimes envolvem pessoas da família ou conhecidos, a utilização de arma de fogo é menor do que nos demais casos.

Mas Lima, que em seu trabalho acadêmico analisou informações de 1.300 processos sobre assassinatos, não concorda que a premeditação seja uma tônica, porque deve-se levar em conta as circunstâncias do conflito familiar.

"Há até um delegado que diz que não se deve discutir na cozinha, para não se correr o risco de apanhar uma faca. Porém, não há dúvida de que o homicídio hoje ocorre como forma de resolver um problema prático e que a morte passou a ser uma linguagem corrente para a qual não existe impedimento moral."
 

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