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20/11/2002 - 10h52

Ministra colombiana defende via militar contra rebeldes

Valquíria Rey, de Bogotá

Quando Marta Lucía Ramirez assumiu o Ministério da Defesa da Colômbia, muitos cidadãos acharam que a determinação do presidente Álvaro Uribe em colocá-la à frente de uma das mais delicadas pastas ministeriais não era adequada.

Passados três meses de gestão, a advogada de 48 anos é a primeira mulher a comandar a política de segurança da Colômbia, país que vive um conflito interno há mais de 38 anos, com saldo de 40 mil mortos na última década.

A ex-embaixadora na França e ex-ministra do Comércio esteve no comando das principais e mais polêmicas ações do atual governo. Entre elas, a retomada do controle na Comuna 13, em Medellín, e os recentes resgates do presidente do Conselho Episcopal Latino-americano, o bispo Jorge Enrique Jiménez, e do padre Desiderio Orjuela.

Em entrevista à BBC Brasil a ministra fala sobre a estratégia do governo para acabar com os seqüestros e trazer de volta a ordem em todo o território colombiano.

BBC Brasil - O governo tem recebido inúmeras críticas por não ter uma estratégia de segurança. Como a senhora define a política de defesa do governo?

Marta Lucía Ramirez - Cada vez mais, é certo para os colombianos que temos uma política de seguranca democrática, claramente orientada para assegurar proteção a suas vidas, seus direitos e liberdade, graças ao apoio das instituições e do Estado. Nossa política de segurança pretende dar proteção a todos os cidadãos por igual. Também pretendemos recuperar o controle do território, acabar com o narcotráfico e romper a estrutura financeira das organizações criminosas.

BBC Brasil - A política de defesa adotada até o momento é um indicativo de que a saída militar é a única alternativa do governo para derrotar os grupos armados em ação no país?

Ramirez - Não acreditamos que seja apenas pela via militar que vamos acabar com a guerra. Temos que trabalhar com vários cenários simultaneamente. No entanto, acreditamos que esse cenário militar é necessário num primeiro momento. Na medida que conseguirmos reduzir e, sobretudo, diminuir a capacidade de dano que têm esses grupos à margem da lei, daremos mais legitimidade ao Estado e isso nos permitirá trabalhar com outros cenários, como o de um diálogo. Mas, neste momento, precisamos demonstrar a esses grupos que temos um estado atuante e realmente disposto a estar presente em todo o território colombiano.

BBC Brasil - Em 184 cidades colombianas não há nenhum policial ou soldado. Em outras 370, a presença da polícia é insuficiente. Nesses lugares, a política de segurança do governo está funcionando bem?

Ramirez - Não, não está funcionando bem. Temos apenas três meses de governo. Nós não somos tão presunçosos a ponto de pensar que em apenas três meses podemos mudar a situação de um país. Esse é um processo que vai demorar muito tempo. Sabemos que, neste momento, estamos apenas começando a ganhar a confiança dos cidadãos. Estamos chamando a atenção das pessoas para a necessidade de pensar no bem comum e não somente no bem individual. A medida que envolvermos mais cidadãos, que tivermos instituições cada vez mais sólidas e um Estado mais legítimo, sentimos que essa política de segurança democrática vai dar resultados. Tomara que mais cedo ou mais tarde estejamos bem. Hoje estamos muito longe de estar bem.

BBC Brasil - A senhora tem dados sobre que parte do território colombiano está controlado pelos grupos guerrilheiros e paramilitares?

Ramirez - Controlado realmente é muito pouco. O que nós temos claro é que há presença dos grupos violentos em quase todo o território colombiano. Em alguns lugares, a presença deles é insignificante e, em outros, eles são muito fortes. Realmente, o que gera um impacto negativo grande para os cidadãos é que esses grupos fazem terrorismo. Então a capacidade de dano, tanto material, quanto psicológico, que tem o terrorismo é muito grande. Por conta disso, muitos acreditam que eles controlam grande parte do território colombiano, mas não é verdade. A presença deles é pequena em comparação com a capacidade deles de provocar danos.

BBC Brasil - A operação militar realizada para recuperar o controle na Comuna 13, em Medellín, pode ser repetida em outras partes do país?

Ramirez - Claro que sim. Onde quer que existam milícias, grupos à margem da lei que estejam agindo contra a segurança dos colombianos, vamos buscá-los. O que não vamos aceitar na Colômbia, neste momento, é que existam lugares proibidos às autoridades e aos cidadãos de bem. O que aconteceu na Comuna 13 é que, durante muitos anos, foram se alojando ali grupos à margem da lei, de guerrilha, de paramilitares, de delinqüência comum, até o ponto em que nenhum policial, nenhum soldado, se atrevia a entrar, porque o perigo era muito grande. Nós estamos dispostos a fazer com que todos os lugares na Colômbia sejam tão seguros que os cidadãos e as autoridades possam sempre ter a entrada autorizada.

BBC Brasil - Que resposta dará o governo ao pedido da Defensoria Pública para suspender as fumigações em Putumayo, depois de receber mais de 6,5 mil queixas de agricultores que estariam com problemas de saúde e teriam perdido cultivos lícitos?

Ramirez - Essa é uma recomendação da Defensoria Pública que não tem um caráter obrigatório. Nós, obviamente, estamos tomando todas as precauções para que as fumigações não tragam problemas aos habitantes. Mas, também temos claro que o narcotráfico é o pior veneno para os colombianos. É o pior mal para a economia e para a saúde da Colômbia. Se você pensar em quantos hectares de bosques foram destruídos no país pela cocaína, quantas fontes de água natural se destruíram pelo impacto de todos esses insumos químicos que se utilizam na fabricação da cocaína, perceberia que o prejuízo para a saúde é muitíssimo maior que o produzido por uma fumigação. Como estamos dispostos a acabar com o narcotráfico na Colômbia, é claro que nós não temos titubeios. Queremos avisar os colombianos que o Estado está disposto a fumigar até o último hectare cultivado com droga, porque é ela que está matando os colombianos.

BBC Brasil - O fato do governo não apresentar um plano de substituição de cultivos ilícitos não pode trazer mais pobreza para a Colômbia?

Ramirez - É verdade. Mas nosso grande desafio é fazer com que as pessoas que vivem desses cultivos ilícitos voltem a plantar o que cultivavam no passado, já que a coca é um cultivo recente. No passado, eles plantavam milho e mandioca. Tinham gado leiteiro e de corte. O Estado precisa ajudar mais essas pessoas, precisa oferecer financiamento e segurança. Mas nenhuma situação de pobreza no campo pode justificar a tolerância de um país com o narcotráfico.

BBC Brasil - A Colômbia é líder mundial em seqüestros, com uma média de 3,5 mil vítimas por ano. É possível acabar com essa indústria no país?

Ramirez - Obviamente é muito difícil erradicar os seqüestros de um momento para o outro. Mas estamos desenvolvendo uma estratégia para desarticular esses grupos de delinqüentes dedicados ao seqüestro. Queremos identificar os grupos que praticam a maior parte dos seqüestros extorsivos. Também estamos fazendo um trabalho de inteligência para verificar como essas organizações movimentam os recursos. Assim, esperamos desarticular esses grupos e, conseqüentemente reduzir os índices de seqüestro na Colômbia.

BBC Brasil - Analistas temem uma saída em massa das filas paramilitares para a rede de informantes do governo, além de uma infiltração maciça de soldados camponeses. Existe esse risco?

Ramirez - Estamos organizando uma rede de cooperação que existe em todos os países do mundo. Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, os cidadãos cooperam entre si e com as autoridades quando são solicitados, quando vêem que alguém está a ponto de cometer um delito contra outro cidadão. É isso que nós estamos pedindo, que as pessoas deixem a tolerância com o delito, se envolvam muito mais com a própria segurança e a do resto dos cidadãos. É uma rede de cooperação dos cidadãos entre si e com as instituições. Acreditamos que isso é a base de qualquer sociedade civilizada. Assim teremos um império da lei, um estado de direito e menos possibilidades de que os direitos e as liberdades dos cidadãos sejam violados.

BBC Brasil - Como estão as investigações da operação militar ocorrida em Segóvia dois dias depois da posse do presidente Álvaro Uribe? Na ocasião, o Exército disse ter matado 24 paramilitares num combate. Mas sobreviventes garantem que foi uma armadilha do Exército para dizer aos Estados Unidos que os paramilitares também eram combatidos na Colômbia. Esse episódio confirma que militares realmente têm relações com paramilitares em zonas de extremo conflito?

Ramirez - Esse é um caso que está sendo investigado pelas forças militares e pela Procuradoria. Eu, realmente, não tenho muito o que comentar sobre esse caso até que tenhamos resultados concretos dessas investigações.

BBC Brasil - O que representa para o país esses pedidos de extradição de narcotraficantes, guerrilheiros e paramilitares colombianos por parte do governo norte-americano?

Ramirez - Isso mostra que em nível mundial há cada vez menos tolerância com o crime, com o narcotráfico e com o terrorismo. Esse é um chamado de alerta às pessoas que persistem com esse tipo de atividade à margem da lei.

BBC Brasil - O Plano Colômbia deve ser modificado?

Ramirez - Não. O Plano Colômbia tem servido muito para o país e vamos seguir trabalhando para o desenvolvimento dele. Cabe a nós melhorar, ampliar e aprofundar cada vez mais a cooperação entre a Colômbia e outros países no assunto do narcotráfico. Sobre isso, os Estados Unidos deram um exemplo muito importante. Não apenas em palavras, mas em atos e em apoio econômico. Tomara que possamos responder da mesma forma ao resto da comunidade internacional, porque é disso que se trata o princípio da co-responsabilidade. A droga existe na Colômbia porque há consumidores em outras partes do mundo. O dinheiro proveniente da droga não está sendo lavado aqui, mas em bancos e todo o mundo.

BBC Brasil - Como a senhora vê a Colômbia daqui a quatro anos?

Ramirez - Com certeza, a Colômbia estará muito melhor do que hoje.
 

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