Enquanto
o Cotton Club se desenvolvia num ambiente francamente influenciado
pelos brancos, o verdadeiro jazz continuava a viver nas suas formas
livre e espontanea. Alguns artistas que começaram a tocar em festas
particulares como Frankie Newton, Leon "Choo" Berry, Teddy Bunn,,
Pete Brown, Willie "The Lion" Smith, Cliff Jackson e Billie Holiday
fizeram fortunas e ficaram conhecidos no mundo inteiro como interpretes
do jazz autentico.
Desde
os mais remotos tempos os brancos endinheirados correm em busca
das aventuras pitorescas do Harlem e do jazz que ali se executa
como obrigação cotidiana. Eles mesmos fizeram do Harlem a sua
lenda das mil e uma noites. Conheceram de perto os "jazz-men"
famosos. Beberam e saborearam "tanderloin" (pernas de porco) com
figuras estranhas e pitorescas embriagadas de opio, marijuana
e fumaça sem saber que gozavam da companhia dos "gangsteres" mais
famosos e temidos do bairro negro.
O
Cotton Club não era bem visto pelos negros por ser refugio de
"gangster" (lugar "Jim-Crow") e dos milionarios brancos que frequentavam
o Harlem todas as noites certos de que os negros adoravam vê-los
dançar como macacos imitando-os nos dificeis passos do "black-botton".
Muitos
brancos acreditavam que a vida do negro do Harlem consistia em
beber, dançar, cantar e tocar sem nenhuma preocupação pelo trabalho.
Esse conceito falso deu origem a uma falsa musica. Os rituais
africanos começaram a ser revividos não com sua força e beleza
selvagens mas com o artificialismo onde o branco encontrava um
exotismo fabricado que ia ao encontro de seus anseios esnobes.
Foi
tamanha a afluencia de brancos no Harlem que os proprietarios
de bares, cabarés e teatros pensaram em proibir ao negro a entrada
naqueles locais o que redundaria em erro gravissimo. Pois os brancos
só iam ao Harlem atraídos pelos negros e para ver de perto a maneira
pela qual eles se divertiam e faziam jazz.
Assim
é que os jazistas e atores negros foram fugindo dos cabarés, preferindo
reunir-se ora em casa de um e de outro, em festas privadas ou
em lugares a que os brancos não ousavam chegar, julgando-se perigosos.
Os
brancos que visitavam o Harlem sempre tiveram uma impressão erronea
da musica de jazz. Estavam sempre à espera de que um corpo negro
ensanguentado surgisse na calada da noite, num beco sordido ao
som dorido dos saxofones e do ritmo ensurdecedor das baterias.
Na verdade, o Harlem é bem diferente de outros bairros. Ganhou
fama e caracteristicas que ainda hoje são comentadas no mundo.
Porem sua gente não está alheia às coisas comuns da vida. Trabalhou
sempre duramente para viver. Comia mal, dormia em lugares infectos,
arrastando um destino tragico e doloroso, que os langorosos "blues"
registram.
Ainda
hoje o Harlem é assim: uma pequena cidade de negros superpovoada.
As casas continuam caindo aos pedaços e são poucos os meios de
recreação. Os problemas de condução são alarmantes. Entretanto,
é onde se encontra o maior numero de igrejas, maior espirito publico
e maior sentimento de solidariedade do que qualquer outro lugar
de semelhantes condições de vida - conforme afirmação do inspetor
de policia James Boland.
O
prefeito não oficial de Harlem, Willie Bryant, ao lado de outros
harlemitas, lutou incansavelmente para tornar aquele bairro um
centro-modelo, mesmo para as comunidades de brancos, fazendo palestras
nas escolas e associações de pais, Liga Atletica Policial, Exercito
da Salvação e demais organizações.
Quanto
ao jazz, não é uma historia da Carochinha vivida pelos negros
e que os brancos pretendem contar à sua moda. O jazz é antes de
tudo um marco na historia da liberdade de negros que viveram e
vivem ainda hoje uma existencia comum. O Harlem é um dos centros
responsaveis pelo jazz. É um bairro excentrico onde palpitam os
anseios de uma comunidade. Onde homens fazem jazz sob qualquer
pretexto, quando não o fazem como meio de vida.
Comenta-se
que o negro que não tocou jazz no Harlem não passou pela prova
de fogo maior. Ellington, Fitzgerarld, Billie Holliday, "The Lion",
todos tiveram sempre essa credencial que lhes valeu exitos. E
como certa vez afirmou Ellington: O Harlem é o berço do jazz castiço.
Quem quer que tenha feito jazz ali, aprendeu como os negros tocam.
Exauriu-se em "jam-sessions", arrancou "cachês" insignificantes,
conheceu "gangsters", ingeriu drogas e encontrou um caminho. Um
caminho perigoso onde negros e brancos evitam encontrar-se nas
madrugadas.