A REVOLUÇÃO TRAIDA

Publicado na Folha de S. Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 1968.

Neste texto foi mantida a grafia original

LENITA MIRANDA DE FIGUEIREDO

Foi em 1965 que o genio Chautemps concedeu a Gerber o critico francês uma entrevista que estarreceu os meios musicais e, hoje entretanto, na era psicodelica pode ser melhor compreendida e respeitada.

Chautemps afirmou que o jazz entrara para os dominios artisticos, filosoficos e intelectuais e que nada deteria a sua corrida no campo dos estudiosos e pesquisadores.

"Filosofos, sociologos, escritores e musicologos encontraram no jazz a ultima essencia para temperar os caldos do humanismo e da cibernetica" - respondia nessa ocasião num programa de televisão a jovem americana de 16 anos, Gail Andrews, seguidora das idéias de Chautemps, despertando a atenção do mundo jazzistico para os problemas atuais. Os proprios cientistas diante dessas declarações travaram conhecimento com o jazz e despertaram para uma revolução entre a arte e a cibernetica.

Estimulado pelas agitações do momento, Chautemps desabafou com Gerber: "A arte é uma pesquisa apaixonada de novas questões vitais entre o homem e o mundo. Um verdadeiro artista é sempre um revolucionario. A minha situação politica é sempre ao lado de uma revolução permanente, porem eu não tenho intenção de colocar a minha musica a serviço de uma ação politica, mesmo que seja revolucionaria".

À pergunta de Gerber: "Sem o jazz o que faria para libertar o seu espirito?" Chautemps respondeu: "Pela arte ou pela filosofia, pela ciencia ou mesmo vivendo sem trabalhar. O trabalho é degradante. Se o meu temperamento fosse um pouco mais forte, eu viveria pelas ruas como um vagabundo. A verdade é que eu nunca suportei muito o frio. Mas houve um momento em que eu pensei em tocar o meu saxofone pelas ruas; hoje, entretanto, alegro-me de não havê-lo feito".

"Acredito que a sonoridade é por si só uma linguagem. Para Coleman, a composição é da mais alta importancia assim como tambem o ritmo. Tenho a impressão de que teremos que sofrer um novo capítulo de uma revolução traida. Os temas reduzidos a uma figuração de entrada e saida devem ser anulados. Com certas velharias acaba-se por escutar sem composição preconcebida, sem uma forma consciente 'a priori'. Se nenhuma trama harmonica é desejavel, o tempo continuo deveria desaparecer mesmo nas pausas mais breves."

"Ao lado da musica improvisada, creio que gostaria de fazer musica concreta e com uma banda cuidadosamente construida gravar os ruidos do mar. A seção ritmica seria enriquecida por Delphine Seyrint e Alain Cuny, recitando trechos de listas telefonicas, de catalogos profissionais. Na musica concreta, deve-se, a exemplo de Pierre Shaeffer repelir até o ruido de um trem resfolegando porque ele tem a intenção de ser musical."

Estes são alguns trechos das declarações do revolucionario Chautemps que chocaram mesmo os jazzistas que já compunham musica sideral e se submetiam a ação do L.S.D. para criar um jazz fora do tempo e do espaço. Atacaram Chautemps: revolucionario, louco ou engraçado? Mas assim a Europa e os Estados Unidos falaram de Duke Ellington 30 anos passados quando ele lançou o seu genial "Jazz da Jungle".

Revolucionário e ateu Chautemps afirma: "Se a gente fosse imortal, tocaria diferente".

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