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"Você já viu alguma vez um cavalo chorar? Não? Pois toda New Orleans
viu os dois cavalos de Emile Labat, o empresario funebre mais
famoso da cidade, chorarem. Meu avô trabalhava para ele e contou
que os cortejos funebres eram conduzidos por um ancião negro vestido
com uma farda de brocado doirado e que se chamava Joe "Never Smille"
(Joe que jamais sorri).
Com
alguns dolares a mais Labat dava ao cortejo um aspecto mais solene
e até ornamentava os cavalos com uma cobertura ricamente bordada,
contratava varias orquestras de jazz das mais famosas. Até que
um dia, no enterro de um negro abastado, os cavalos de Emile Labat
choraram.
O
acontecimento foi tão comovente que os acompanhantes e até os
musicos contratados para tocar no enterro choraram. O acontecimento
correu os bairros mais famosos de N.O. e a agencia funeraria de
Labat tornou-se a mais disputada na epoca. Dizem que até o proprio
Labat, acostumado, por força do seu trabalho, às cenas mais compungentes
da morte e de ter resistido a elas como um verdadeiro agenciador
funebre, tambem chorou.
Mas
a verdade é que eu nunca engoli essa historia de cavalo chorar
lagrimas de crocodilo e fui até New Orleans falar com meu avô.
Encontrei-o furioso com "Joe Smile":
"Imagine só - disse-me ele - que eu afinal descobri tudo sobre
aquela historia do choro dos cavalos.O
espertalhão do Joe levava sempre com ele uma garrafa com suco
de cebola. Ele amassava as cebolas nas horas de folga e engarrafava
o suco. Minutos antes do enterro ele borrifava os cavalos com
o preparado e você então pode compreender como aqueles pobres
animais choravam para valer. Emile Labat ficou furioso e teria
descido umas lenhadas nas costas do velho Joe se o pegasse, pois
amava os animais e sobretudo aqueles dois cavalos que eram o seu
ganha pão: mas nunca o encontrou. Contam que essa foi a unica
ocasião em que durante a fuga, Joe "Never Smile" sorriu.
Tempos
bons aqueles em que havia muitos enterros num dia só. Ganhavamos
três ou quatro dolares para tocar nos cortejos. Quase todos os
habitantes de New Orleans pertenciam a uma porção de associações
funerarias como a Masons, Odd Fellows, Taulane-Clube, Zoulous
Club, Vidalia, Veterans, Charity etc. Mas a maior parte das vezes
era o proprio defunto que deixava encomendado e pago o tipo de
enterro de sua predileção. O que todos pediam era muito jazz e
muita animação.
Outra
coisa importante para o musico de jazz era gastar o seu pagamento
chamado "fun money" em memoria do falecido, o que era feito como
um ritual sagrado.
Por
isso há tantos cemiterios famosos em New Orleans, porque a morte
é considerada importante para os seus habitantes. É a salvação,
a libertação. Nas grandes enchentes do Mississipi muitos cadaveres
boiavam à tona das aguas e era preciso pescá-los para reenterrá-los.
Muitos se perdiam e era preciso recompor as ossadas com muita
cautela. O tamanho dos ossos ajudava muito a recompor um esqueleto.
Uma familia, certa vez, reclamou que o defunto morrera perfeito
e não podia ter um femur grande e um pequeno. Mas a verdade é
que muitas missas foram rezadas em memoria daqueles que tiveram
seus ossos misturados e colocados em uma unica urna a fim de que
todos pudessem orar pelos seus mortos em habitação eterna e coletiva.
O
velho Bunk Johnson poderia contar muitas historias de arrepiar
os cabelos. E as contava logo após tocar nos enterros, quando
então se bebia e fazia jazz em homenagem ao morto. Black Benny,
Buddy Petit, Kid Rena e, outros, faziam ponto nos bares mais proximos
dos cemiterios. E ao toque de reunir da corneta, saiam dos bares
e formavam nos cortejos com seus instrumentos. Os "barrel-houses"
(cabarés dos bairros negros pobres) achavam-se sempre cheios de
musicos a espera de enterros. E os maiores do jazz eram os seus
mais constantes frequentadores.
A
historia dos cavalos que choravam e o nome de Emile Labat ficaram
famosos na vida de New Orleans. Certa vez, contou Louis Armstrong,
tentaram repetir a façanha de Joe "Never Smile". Mas ninguém tinha
a classe do negro velho para preparar suco de cebola lacrimogeneo.