MILHÕES
DE ANOS DE AMOR
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Publicado
na Folha de S.Paulo,
segunda-feira, 26 de julho de 1971.
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LENITA
MIRANDA DE FIGUEIREDO
Tudo
nos faz crer que o amor mais simples foi o amor do homem da idade
da pedra. Ele escolhia a mulher, corria atrás dela, agarrava-a
pelos cabelos e a levava para viver com ele. A escolha era natural,
simples, espontanea. Sem todos aqueles aparatos que a sociedade
moderna impôs, sem necessidade de pesquisas, dos meios de comunicação
de massas e consultas freudianas.
Daqueles
tempos até os de hoje o amor continua o mesmo. O que mudou foram
os costumes. Antes se escrevia sobre o amor, falando-se simplesmente
de ciúmes e infidelidades. Agora tem-se que enfrentar as interminaveis
pesquisas de sociologos, psicologos, pedagogos, psicanalistas.
A
verdade é que ninguém conseguiu ainda definir o amor. Trata-se
pois de uma experiencia tão pessoal e intransferivel como a morte.
Quando
Mozart, na opera "O Casamento de Figaro", faz o imberbe e adolescente
Querubino perguntar: "Dizei-me, vós que o sabeis: o que é o amor?"
- todo o mundo se esguelou, mas ninguem lhe respondeu a contento.
E a caracteristica mais notavel a respeito é que todas as respostas
discordam uma das outras.
Poetas
e filosofos não conseguiram aproximar-se mais do que eles na dificil
definição. Platão, por exemplo, sustentou ser o amor uma apreciação
da beleza, principalmente da beleza das idéias abstratas e dos
conceitos matematicos. Descartes afirmou que o amor é uma emoção
em que a alma é incitada a juntar-se, de bom grado, a objetos
que se afiguram agradaveis.
A
psicologia e jornalista Carmem Silva analisa o amor à luz da razão,
dando à mulher uma condição muito mais importante do que a meramente
biologica.
Há
quem diga que o amor é a coisa mais sublime que há na terra, enquanto
outros asseguram que é um enorme sofrimento. Não admira, pois,
que o homem medio não se sinta capacitado a defini-lo e a transmitir
suas noções a respeito.
Dante,
encerrando sua obra gigantesca, vinca o amor como uma verdade
cosmica: "O amor que move o sol e as outras estrelas". O Fausto
de Marlow esperou que Helena o tornasse imortal com um único beijo.
Mas foi Sir Walter Scott quem resumiu o ponto de vista dos romanticos
que defendem o amor como força que age e domina a vida dos homens,
quando disse:
O
amor governa a côrte, o campo, o bosque.
E
os homens embaixo, e os santos em cima;
Pois
o amor é o céu e o céu é o amor.
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Especies de amor
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Há
muitas espécies de amor que vai desde o amor a Deus, à musica, à
humanidade, aos cães de estimação. Há o amor entre pais e filhos
que é o amor mais desinteressado. O psicanalista de Filadelfia,
Leon J. Saul, escreveu que "os passaros, visto que alimentam e cuidam
dos filhotes sem nenhum pensamento de ambição pessoal e nem de ser
por êles amparados e na idade avançada, fornecem-nos o modelo perfeito
do amor verdadeiro.
Os
biologistas, todavia, analisam grande parte dessa conduta amorosa
como reações puramente instintivas. Contudo, mesmo os naturalistas
não se deixaram ficar à margem de ver o amor como manifestação humana
no mundo animal. Em 1900, um divulgador cientifico alemão discorreu
sobre a impetuosidade espiritual da femea do salmão que chega até
a passar fome na tarefa de ir encontrar-se com o seu companheiro
amado.
Mas
seria Paulo Mantegazza que estarreceria o mundo com a sua famosa
"Filosofia do Amor" onde afirma que até as flores tem o poder de
amar e de se acariciarem umas às outras.
O
potássio e o fosforo nutrem paixão violenta para com o oxigenio
- disse o medico escritor Buchener, em 1885. M. F. Asheley disse
há pouco tempo que a tendencia da materia, no sentido de tornar-se
coesa, é a forma mais primitiva do amor.
Como
se vê, nem o Ars Amatoria, de Ovidio, esclareceu a humanidade sobre
tema tão dificil de compreender e definir. A maneira de amar através
dos tempos, sofreu transformações conforme a epoca e os costumes,
pois como já se viu, o amor desde a idade da pedra ainda é o mesmo
na sua base fundamental.
A
concepção do amor varia segundo os costumes de cada povo. Quase
toda a definição do amor e as formas de exercê-los são atribuidas
aos gregos quando lhe deram dois nomes: "Eros" (o amor carnal) e
"Agape" (o amor espiritual).
Em
suma, em linguagem simples e popular o amor seria o encontro de
nossa outra metade para a realização do verdadeiro ideal de convivio,
compreensão e perpetuação da especie.
Talvez
tenha sido Shakespeare quem mais se aproximou da verdade quando
respondeu à pergunta de Querubino:
O
que é o amor? Não é o futuro;
A
alegria presente produz risos no presente;
O
que está para vir é ainda incerto;
Na
tardança não há fortuna alguma;
Pois
então venha beijar-me criatura doce e moça.
A
juventude é coisa que não dura.
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Uma história no marco zero
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A
esses povos Darci Ribeiro opõe os povos novos, entre os quais o
brasileiro, o chileno, o cubano e o venezuelano, cujo substrato
indígena, mais disperso e primitivo, entrou logo em processo de
assimilação, quando não de puro extermínio. As culturas novas, que
resultaram da mestiçagem intensa do índio com o branco nos primeiros
séculos e, em alguns casos, também de negro com o branco, por força
do regime escravista, praticamente substituíram as culturas nativas.
A história nacional começa como que do marco zero sem que as populações
vencidas nela irrompam ou se ergam, testemunhos acusadores de um
massacre inexpiável e ainda presente. Do ponto de vista cultural,
pouco haveria de comum entre o indigenismo peruano, por exemplo,
e a questão indígena brasileira. Hoje, quando os nossos índios lutam
pela posse de suas terras, o problema se formula em termos de nítida
separação de áreas e, em última instância, de garantia das reservas
territoriais para os seus mais antigos ocupantes. O capitalismo
e o seu preposto, o Estado, querem "integrar" o pouco que ainda
restou de quatro séculos e meio de invasão. Não é bem esse o caso
da comunidades indígenas peruanas e bolivianas, já situadas e sotopostas,
como classes, dentro da formação social de suas respectivas nações.
A
viva reação contra o colonizador e contra o imperialista inglês
e americano produziu nos povos-testemunho uma ideologia de teor
nacionalista. Na sua constituição aliam-se emocionalmente o combate
ao poder externo e os conflitos internos, econômicos e culturais,
recorrentes em todas aquelas nações. Quer dizer: o anticolonialismo,
aí, tem a ver também com a revolta do índio e do mestiço contra
aguda exploração da força-de-trabalho e do abuso endêmico de poder.
Assim
sendo, um intelectual tão lúcido e militante como José Carlos Mariátegui
e um romancista e antropólogo tão criativo como José Maria Arguedas,
ambos peruanos, conseguiram travar com notável clareza a rejeição
frontal do imperialismo e o entendimento da sociedade civil do seu
país como violência estrutural de raça sobre raça e, já agora, de
classe sobre classe. Motivo constante de angústia na obra do suicida
Arguedas foi ter de escrever em castelhano romances sobre homens
e mulheres que só falavam a língua quichua.
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O amor morreu?
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Alguns
dizem que sim, que o amor morreu e quem o matou foi a emancipação
feminina. Os sociólogos, entretanto, afirmam que o amor ficou mortalmente
ferido durante a Primeira Guerra Mundial e acabou por ser morto
na Segunda Grande Guerra. Acham eles que as estruturas essencialmente
masculinas foram terrivelmente abaladas por essas duas grandes guerras.
A
mulher deu vazão à sua ansia de liberdade e caminhou para a frente
sem se deixar deter pelo jugo masculino. Os preconceitos abatidos
pelo pensamento moderno impeliram-na a matar a sua sede de vida
asfixiada durante seculos, pelo gineceu.
Não
se trata de vingança, - dizem as mulheres - mas de desforra. Não
somos inferiores, nem menos capazes, nem menos limitadas. Sempre
fomos iguais aos homens e, para dizer a verdade, superiores, até.
Eles é que não queriam como ainda não querem aceitar essa igualdade
ou superioridade, por medo e comodismo.
A
mulher de hoje é independente, não pede licença a ninguem para viver
sua vida. Nem à familia, nem à sociedade, nem ao homem. Elas apenas
vivem dentro dos limites da sua propria consciencia.
Mas
isso não quer dizer que o amor morreu. Apenas não adianta salvar
mais o romantismo. Aos poucos êle se esvai e um sentimento mais
racional, mais realista e frio substitui o velho amor.
Há
os que procuram salvar dos escombros uma restea dos antigos romances
onde o toque indelevel dos namoros com calafrios e suspiros era
necessario para a realização do verdadeiro amor.
Hoje
já não são mais necessarias as faiscas da imaginação para um entendimento
de alma. O temor da solidão e do futuro é uma realidade, o mesmo
que persegue como sombra de morte os jovens da era atomica.
As
mulheres - dizem os homens - jovens ou não, são frias nas relações
sentimentais e não se interessam mais do que o necessario pelo que
se chama cultura de massa.
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Sexo cedo
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O processo
de emancipação feminina atingiu até as meninas que procuram fugir
do ambiente familiar, voltam-se hostilmente contra os "quadrados"
de mais de 30 anos. Na sua fuga buscam mundos novos e, conscientes
que estão de si proprias, travam muito cedo conhecimento com o sexo,
através de leituras e de experiencias proprias e conquistam um desenvolvimento
moral e psicologico precoce.
Os
grandes dramas, os romances novelescos, estão fora de moda. Se um
homem dá trabalho, se é daqueles que se atrasa - dizem as jovens
- a gente o troca logo por outro.
É ridiculo
sofrer por amor - dizem os jovens - o sexo nada tem a ver com os
sentimentos.
O cinema
e a literatura tratam com detalhes os aspectos fisiologicos do amor.
Sexo e amor, nos dias atuais, são tratados com menos vergonha, com
maior franqueza e sinceridade. Mas isso não quer dizer que o amor
mudou; mudaram os costumes, os hábitos, a forma de amar. A mudança
ter-se-ia dado mais no campo da literatura e do cinema. A forma
de apresentar o amor e o sexo e tratá-lo com maior arrojo é que
realmente mudou.
A despeito
da evolução social e moral, o amor continua o mesmo, com as mesmas
dores, as mesmas alegrias, as mesmas desilusões. O homem e a mulher
continuam a sofrer, a brigar e a matar por causa do amor.
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Moral e amor
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A
moral de ontem já serve para comandar a moral de hoje - dizem os
moços - Se a moral vem de "mores", que significa costumes, convem
lembrar que os nossos costumes, ou melhor os costumes em todo o
mundo estão sendo radicalmente mudados.
O desenvolvimento
industrial e a imperiosa pressão economica tirou a mulher do lar
e a lançou no turbilhão das multiplas atividades profissionais.
Desapareceu
a figura tradicional da mulher timida e escravizada pelo marido
e em seu lugar surgiu a mulher independente que se dignificou pelo
trabalho. O trabalho da mulher nas lojas, nas bolsas de valores,
nas industrias, nos centros de pesquisas, nos reatores atômicos,
no jornalismo, na literatura, nas artes.
Os
meios de comunicação tornaram possivel uma atualização rapida e
concreta sobre tudo o que ocorre no mundo. Biologicamente, a mulher
não pode fugir ao seu destino, mas quanto à maternidade a sua escolha
pode ser livre através dos meios anticoncepcionais.
O milagre
do parto sem dor libertou-a do jugo biblico já ultrapassado e em
poucos anos foi-se destruindo o que foi construido em milienios.
A mulher,
a exemplo de George Sand, de certa forma criou a sua moral e aos
poucos está tentando adotar a moral dos homens.
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Machismo
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É
a tudo isso que o homem assiste estarrecido, vendo-se diminuido
em valores e poderes. Os alicerces do machismo estão sendo fortemente
abalados. O homem já não manda. A mulher não quer mais ser submissa.
Quer agir, pensar por si mesma. Quer ter livre escolha. Desses choques
a dois, participa a familia. De um lado os que defendem e acatam
a emancipação da mulher em que pesam os mesmos anseios de insubmissão
e liberdade. De outro, os que defendem o machismo por conveniência,
por temor de cair em situação semelhante.
O machismo,
entretanto, vai aos poucos desaparecendo. O que o está matando é
a emancipação feminina. E até que o homem compreenda que a mulher
não quer lutar contra ele, mas quer lutar a seu lado muitos conflitos
terão que ser sofridos e vencidos.
Foi
a propria sociedade que armou uma cilada para o homem e a mulher,
dividindo-os em casais sexuais. Desde muito cedo o menino aprende
que ficar preso ao rabo da saia é tornar-se maricas. Que a mulher
é tola, boboca, inconsciente, frívola e que só serve para cozinhar,
lavar, remendar, criar filhos. Que a mulher deve ser posta à margem
e permanecer cega e surda, compreendendo que é inferior, incapaz,
ajoelhando-se humildemente ante o comportamento machista, seja qual
for.
O homem
leva para o casamento a imagem distorcida, tradicional e rebaixada
da mulher.
Êle
é o senhor absoluto. Comanda o amor, os sentimentos, as vontades.
Êle trabalha, ele pensa, ele resolve, ele paga.
Quando
a mulher se emancipa e ajuda a pensar, a resolver, a pagar, o homem
se retrai e não aceita caminhar ombro a ombro com ela com mêdo de
ser ridicularizado pela mesma sociedade que lhe incutiu as leis
seculares de moral.
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Amor mutuo e comunicação
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Muitos
casamentos desmoronam porque cada um fica à espera de receber o
carinho, o gesto de ternura, a atenção. Se o amor é mutuo, os gestos,
as demonstrações de amor também devem sê-lo. As vezes, a verdadeira
comunicação não está no falar e sim na tentativa do homem e da mulher
participar e sentir de forma semelhante os mesmos problemas.
No
começo do casamento há maior comunicação. Depois, o problema se
agrava.
Nos
Estados Unidos já existem cursos chamados "Aprenda a se comunicar
com o seu marido", o que há de deixar o prolixo MacLuhan estupefato
e feliz.
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