SIMILES DA NATURESA


Publicado na Folha da Manhã, domingo, 28 de abril de 1929

Neste texto foi mantida a grafia original


Os homens antigos, muito mais do que os homens de hoje, sabiam dar valor à natureza. Por entre vergeis e campos matizados de flôres, sentindo na vitalidade renovadora das seivas, a alleluia das arvores, os gregos aceitavam a vida simples, a vida suave, sem grandes preoccupações.
Heredia em seus escriptos, pensa em transfundir nas gerações de hoje o grande amor á natureza. Para elle, o homem feliz é o que se despreocupa o mais possivel. Só é na verdade feliz, a seu vêr, quem afasta de seu systema nervoso, todos os golpes das emoções fortes, das contrariedades da vida das cidades e capitaes!
No campo - regra geral - a vida decorre mais calma, mais serena. Em meio a natureza, acariciados pelo ambiente suggestivo, melhor descançam os neuronocos.
Flora, fauna se aliam na roça para maior socego do systema nervoso. Heredia apreciava em extremo, a vida simples dos pastores da Hellade, sempre em contacto com o verde calmante das mattas, sempre sorvendo a plenos pulmões a onda de aromas que se desprendia das caçoletas em flôr... A natureza - expressão maxima da divina omnisciencia - conforta, transporta o espirito do homem culto, que, nella encontra sempre grandiosos motivos para sua esthesia, para sua personalidade.
A successão gradual e rythmica da natureza convida o homem á meditação. Entre alma e ambiente ha sempre um cambio de energia, ha sempre uma troca de impressões. Os sentimentos humanos encontram em a natureza similes suggestivos que valem como lindos ensinamentos. A cada passo, o homem estudioso é obrigado a parar, a meditar. Numa simples flôr que balouça em seu hastil pensativa e meiga... quanta vida symbolica divisa o sabio! Energias distantes, infinitas, alli se concentram neste mimo da natureza. As petalas brancas de um lyrio sylvestre, vistas por um espirito investigador quanta belleza encerram? Um canto longinquo de passaro que fere o ouvido do naturalista é muitas vezes uma synthese, uma verdadeira gamma emotiva... Virtuosidade, fremito, vida affectiva do meigo cantor alado - tudo se evidencia nestas notas sonoras que maravilham o estudioso... Conhecer, aprofundar um thema natural equivale a extrahir delle emoção salutar.
Os verdadeiros sabios quando se concentram na analyse de um assumpto, de um thema da natureza, esquecem o mundo das vaidades... alegrias verdadeiras!! Quantas reçumam de uma perfeita cognição dos fastos da natureza?!
O homem culto, o homem sabio do seculo 20 tem o dever moral de conhecer a natureza.
As alegrias que resultam destes estudos compensam os espinhos da jornada. Sentir com um espirito intelligente o mundo de phenomenos que se processam em torno de nós, procurar conhecer as maravilhas naturaes não é sómente um dever: - é tambem uma incontestavel volupia intellectual.
A vida que freme junto de nós; a alma das cousas que dominam e penetram nossa sensibilidade; as harmonias do cosmo que dão ao nosso "Eu", calma, equilibrio, ponderação; a expressão de grandiosidade que empolga o nosso ser ante o mysterio das cousas - não serão, por ventura, suggestões magnificas para quem presa o estudo, para quem se delicia em bem de perto ouvir, auscultar a natureza?
O psycologo divisa, a cada instante, em a natureza licções, ensinamentos, similes extraordinarios. Ha bem pouco tempo, um escriptor paulista publicou excellente trabalho sobre o mata-páo-planta-cipó que tem a singular efficiencia de asphyxiar, jugular a hospede que lhe da guarida... A principio, um raminho frouxo, innofensivo, pouco a pouco crescendo, creando corpo, forças. Após mezes, o pequeno cipó faz-se corda. É uma especie de bôa constrictôra que suga, que asphyxia a prêsa... Nas florestas amazonicas, ha um outro exemplar da flora - o apuhiseiro - que representa tambem o mesmo papel.
Em livro primoroso, Raymundo de Moraes, com um vigor de linguagem verdadeiramente admiravel, fez viver o apuhiseiro da floresta amazonica, dando a conhecer ao leitor um aspecto suggestivo da selva brasileira tão cheia de mysterios, tão cheia de perfumes, em suas alfombras verdes.
Nas florestas amazonicas ha eterna primavera verde. Seivosa, garrida, forte a matta fascina pela sua magestade!
Uma larga vibração de anseios de fremitos alli perpassa na vertigem de formidavel lucta pela vida. No Amazonas, a flora se desentranha em flôres, em perfumes, em fructos. As arvores, numa lucta pelo espaço erguem ao céo seus cimos verdoengos. No entrechóque vital, mesmo entre os exemplares da flora, uma lucta biologica se trava, cheia de peripecias, cheia de imprevistos!
O apuhiseiro é algoz das altas arvores. Pequenino, insignificante sabe se insinuar, buscando acolhida no aconchego hospitaleiro de um formoso exemplar da floresta.
Quem observar com olhos de philosofo o apuhiseiro evocará considerações de alto alcance moral. É a principio, o apuhiseiro um raminho innocente. Assemelha-se, diz Raymundo de Moraes no seu aspecto, a uma obra decorativa da horticultura japoneza, e, de fórma alguma, se pode prever que mais tarde o ramusculo humilde será o vampiro terrivel que derruba um gigante vegetal que lhe deu guarida em seu dorso hospitaleiro e amigo. Fraco, timido, lança a medo seus fios tenues, que, pouco a pouco se espalham. Tempos depois estes fios se consolidam e adquirem uma rijeza de aço. São antennas formidaveis. Crescendo, cabelleira ao vento rhisoma ao solo, o apuhiseiro, dia a dia, se torna mais forte, mais robusto e os seus tentaculos sugadôres apertam, comprimem, envolvem a arvore que até bem pouco tempo lançava aos ares a sua fronde copada e verde! Comprimindo, angustiando, soffrendo cada vez mais o amplexo terrivel, o gigante vegetal lembra um gladiador romano preso em cordas formidaveis! A lucta entre a arvore e o apuhiseiro se evidencia num flagrante incisivo.
Em breve ha o desfecho da pugna. A coma verde ridente do gigante vegetal vae, pouco a pouco, perdendo o seu tom verde... A agonia das folhas mostra claramente que o especimen vegetal vae morrer ante a pressão terrivel, asphyxiante. A sequencia não se faz esperar muito: - é a derrota é a morte, é o sudario verde do apuhiseiro a cobrir os restos do gigante vegetal. É que a couraça do apuhiseiro revestiu a circumferencia toda da arvore de centenas de nervos que se juntam, se enviesam, se cruzam, em demoniaco tecido vegetal asphyxiador!! Sorvida, sugada, a victima não mais pode reagir! Morre aos poucos, no amplexo fatal... A natureza offerece similes que valem como licção magnificas.
Quantas vezes, o homem, a mulher abrigam em seu sêr, sem que o saibam, um apuhiseiro sob a forma de um habito, de um vicio qualquer!! Quantas vezes uma pequena causa, desprezivel, pequenina na apparencia irá, mais tarde produzir um effeito mortifero, terrivel?
A natureza sábia e mestra nos aponta o simile. Convem, desde o inicio, combater as tendencias os habitos perigosos. Um sentimento doentio começa ás vezes sorrateiramente. Pouco a pouco, á falta de reacção do individuo este sentimento toma corpo, cresce, avassala, domina. A principio, talvez seja possivel uma victoria. Mais tarde é inutil... A natureza mostra no aphuseiro, um simile psycologico - Felizes os que sabem comprehender, interpretar a grande magica!!


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