Escândalos abafados são moeda de troca
RAYMUNDO COSTA
articulista convidado
Brasília - 28.nov.2000 - O presidente Fernando Henrique Cardoso precisa retomar as rédeas do processo eleitoral no Congresso sob pena de se transformar na principal vítima da crise no interior da coalizão de partidos que sustenta politicamente o governo.
É uma guerra suja, na qual os aliados do presidente, especialmente PFL e PMDB, mantêm o Planalto sob pressão ameaçando reabrir escândalos do governo tucano que FHC a muito custo conseguiu abafar.
O que desencadeou a crise foi o veto do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) à candidatura de Jader Barbalho (PMDB-PA) à presidência do Senado. Mas há mais em jogo: a partilha do poder nos dois últimos anos do governo tucano e a definição da chapa oficial à sucessão de FHC em 2002.
Foi criado com a cor, forma e conteúdo que cabiam perfeitamente no manequim do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, homem ligado ao PSDB e uma espécie de herdeiro de Sérgio Motta _ o ministro das Comunicações, morto em abril de 1998, que falava duro com a Fazenda e arredores.
A solução natural para a composição da base governista no Congresso apontava para a eleição de Jader, no Senado, e do deputado Inocêncio Oliveira (PFL-PE), na Câmara, compondo um tripé com o PSDB na Presidência da República. FHC assinaria embaixo, mas esbarrou na oposição de ACM.
Deu no que deu: com o beneplácito do Planalto, os tucanos entraram no jogo e ameaçam o projeto prioritário do PFL, a eleição de Inocêncio na Câmara. Sem apetite para enfrentar o velho cacique, a cúpula pefelista deixou nas mãos de ACM a solução do problema que ele mesmo criara. Isolado, o baiano sacou artilharia pesada.
Os dossiês que antes ameaçavam Jader Barbalho estão agora assestados na direção do Planalto. Um deles refere-se a Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor da Área Internacional do Banco do Brasil afastado na esteira do escândalo do grampo do BNDES, burocrata ligado à elite tucana, segundo ACM deixou estrategicamente vazar para seus correligionários.
No posto de presidente do Senado, ACM foi peça-chave nas articulações Congresso-Palácio do Planalto para impedir a quebra do sigilo bancário do ex-chefe de campanha e ex-ministro Eduardo Jorge Caldas Pereira, que paralisaram a investigação ensaiada pelo Congresso sobre o funcionamento do "esquema EJ" no governo. A pedidos, já não esconde o pefelista em suas confidencias.
Aliado momentaneamente ao PSDB e na expectativa de que FHC desempate o jogo a seu favor, o PMDB tem sido mais comedido nas chantagens de bastidores. Mas também sugere que vai engrossar o coro das CPIs se ACM conseguir o seu intento. As privatizações são o objeto das ameaças peemedebistas.
Nos sonhos de hegemonia tucana, FHC poderia se desfazer dos incômodos aliados quando não precisasse mais da maioria de três quintos do Congresso para aprovar emendas constitucionais. Ledo engano.
A sucessão de escândalos no governo, da compra de votos para aprovar a emenda da reeleição ao "Esquema EJ", passando pelo grampo do BNDES, deixaram FHC refém da base aliada no Congresso. Basta uma ala importante de PMDB ou PFL cair fora para deixar o Planalto vulnerável.
Nem PFL nem PMDB falam em investigar caixa-dois nas campanhas. Seria um tiro no pé. Falam é de compra de votos, privatizações e EJ. E, se o ex-juiz Lalau aparecer sem que FHC tenha contornado a crise, aí então será uma festa.
O risco, para FHC, é terminar o mandato igualzinho a José Sarney (1985-1990), politicamente fragilizado, imobilizado e sem condições de fazer o sucessor. Para sair da armadilha preparada por seus aliados no Congresso o presidente precisa atender ACM, Jader Barbalho, José Sarney, a ala-não carlista do PFL e não se deixar confundir com o PSDB. Não é fácil.
Raymundo Costa, 48, é repórter da seção "Painel" da Folha de S. Paulo, em Brasília.
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