como ficou cada partido
por David Fleischer
articulista convidado
Passou o primeiro turno das eleições municipais e a poeira já assentou o suficiente para uma análise mais fria dos resultados e reflexão sobre as conseqüências. Quais as lições e recados que os 108 milhões de eleitores deram para a classe política, os partidos, os governos, e ao país?
Uma série de quadros e tabelas ajuda a entender o que se passou. Para ter acesso aos quadros, clique aqui.
Logo no day after, a cobertura/análise do nosso processo eleitoral da CNN em Espanhol, do Rio de Janeiro, afirmou que "a Esquerda ganhou e a Direita também". Então, no final das contas, alguém perdeu?
O Brasil mostrou a sua maturidade com as urnas eletrônicas e suas 5.559 programações específicas por todo o país. Do modo geral, o eleitor brasileiro, mesmo o mais humilde manejou o teclado com êxito. Acabou de vez aquelas emoções das mesas apuradoras, com os escrutinadores "cantando" os votos cédula por cédula, e também as incontáveis recontagens solicitadas pelos inconformados perdedores.
Em comparação com 1996, as quatro novidades neste pleito municipal foram: 1) a possível reeleição imediata dos prefeitos eleitos em 1996, mediante emenda constitucional aprovada em 1997; 2) a universalização das urnas eletrônicas, que em 1996 foram experimentadas pela primeira vez em umas 50 cidades maiores; 3) o aumento das cotas para candidatas a vereadora, de 20% para 30%; e 4) a alteração do cálculo do quociente eleitoral para a eleição proporcional (vereador), onde os votos em branco deixaram de ser considerados válidos.
Ao todo, 30 partidos estavam habilitados a lançar candidatos às 5.559 vagas para prefeito e 65.805 para vereador, 24 dos quais alcançaram pelo menos uma prefeitura, e 29 uma vaga de vereador.
Das 26 capitais, 15 pleitos foram decididos em 1o turno, ficando 11 para o 2o turno. Nas outras 36 cidades maiores, passíveis de 2o turno, 20 vão para o segundo turno. Este resultado não foi muito diferente do que o resultado do pleito de 1996, quando 14 capitais e 17 grande cidades realizaram eleições de 2o turno.
A análise segue nos Quadros 1 e 2, avalia o desempenho dos partidos no primeiro turno, nas capitais, em 62 cidades maiores e regionalmente. Estas comparações se restringem aos dez partidos considerados mais relevantes para o sistema político atual, que elegeram 5.270 prefeitos (95,3%) e 61.046 vereadores (92,8%).
Desempenho dos Partidos
PT
O Partido dos Trabalhadores elegeu o prefeito de apenas uma capital (o deputado federal Marcelo Deda em Aracaju, o que foi uma surpresa), e vai para o segundo em outros 6. Nas 62 maiores cidades, elegeu 4 e outros 10 vão disputar o 2o turno. Seu maior trunfo foi em São Paulo, onde Marta Suplicy recebeu 38% dos votos vs. 17% dado ao Paulo Maluf. A maior derrota foi no Rio, onde a Vice Governadora Benedita da Silva chegou em 3o, mais por causa de desavenças dentro do PT-RJ do a cisma do Brizola. Também, em Porto Alegre o ex-prefeito Tarso Genro não foi eleito no 1o turno, e enfrentará um raivoso Alceu Colares (PDT) em 29 de outubro.
Assim, sobrou para o Gov. Olívio Dutra (PT-RS), que viu a sua coligação na Assembléia gaúcha minguar mais ainda com o rompimento do PDT. Em geral, o PT elegeu 174 prefeitos (com a possibilidade de chegar a 202), quase o dobro dos 111 eleitos em 1996. Nas 62 cidades maiores, o PT tem chances de eleger até 25 prefeitos; se incluir o PSB e PDT, a Esquerda pode chegar a metade (31).
Em termos de votos, o PT aumentou o seu desempenho em 51% vs. 1996; mas, há um certo viés em função do grande número de votos da Marta Suplicy em São Paulo. Mesmo assim, este total foi um pouco mais que metade dos 21.475.348 votos que Lula recebeu em 1998.
PPS
O ex-PCB teve um desempenho surpreendente, apesar da derrota de Patrícia Gomes (ex-mulher de Ciro Gomes) para a prefeitura de Fortaleza. Em grande parte, devido à candidatura do Ciro Gomes á presidência em 1998 (11% dos votos) e as muitas viagens de mobilização dele e do Sen. Roberto Freire em 1999-2000, o partido elegeu 164 prefeitos vs. 32 em 1996, e vai disputar 6 cidades no 2o turno.
O PPS está concentrado no Nordeste (58, com 17 no Ceará e 10 cada em Piauí e Sergipe) e no Sudeste (54, com 31 em São Paulo e 22 em Minas Gerais). Porém, a maioria das cidades ganhas são pequenas ou médias. O total de votos recebido pelo PPS foi seis vezes maior do que em 1996 -- mas, menos da metade dos 7.426.235 votos do Ciro em 1998. Mesmo assim, a candidatura presidencial de Ciro Gomes não deve sofrer muito desgaste.
PSDB
A pesar da derrota em São Paulo, o PSDB se manteve no mesmo nível de 1996, muito melhor resultado do que a maioria das previsões. Os tucanos elegeram 4 prefeitos de capitais em 1o turno e disputarão uma no 2o turno (BH - no quintal do Gov. Itamar Franco). Nas 62 maiores cidades, o PSDB ganhou 9 e disputará outras 8 em 29 de outubro.
Em nível nacional, elegeu 983 (podendo chegar a 995) prefeitos vs. 910 em 1996 -- 34,8% dos eleitos estão concentrados na Região Sudeste. Destes 343, encontramos 177 em São Paulo e outros 136 em Minas Gerais. Obteve a maior votação partidária, 3.47% sobre 1996. Em 2000, a soma dos votos do partidos aliados em 1998 (PSDB, PFL, PMDB, PPB e PTB) foi 52.364.673, bem mais alta do que os 35.936.918 votos recebidos por FHC na sua reeleição.
PFL
A liderança do Sen. Antônio Carlos Magalhães (BA) no PFL foi reforçada com a vitória dos seus candidatos em Salvador em quase todo o estado da Bahia (menos 26 cidades), em detrimento aos colegas em Pernambuco e Paraná, onde os prefeitos de Recife e Curitiba enfrentarão o 2o turno contra candidatos do PT. Comparado com seus "aliados" (PSDB, PMDB e PPB), o PFL aumentou seu cacife elegendo 1.027 prefeitos (podendo chegar a 1.029) vs. os 928 eleitos em 1996. Nas capitais, ganhou 2, com chances de mais 3, e nas 62 cidades maiores elegeu 3 e talvez mais 5 em 29 de outubro. Porém, a grande maioria dos pefelistas foram eleitos em cidades médias e pequenas; 43,8% destes concentrados no Nordeste. Destes 445, 125 são da Bahia.
PMDB
A pesar de previsões negativas, a situação do PMDB não mudou muito, e continuou com a maior número de prefeitos, 1.253 (podendo chegar a 1.262), menos que os 1.288 eleitos em 1996. O PMDB está menos concentrado regionalmente do que o PFL ou o PSDB, com 372 no Sudeste, 356 no Nordeste e 334 no Sul. Seu desempenho nas capitais foi um pouco aquém de 1996, mas foi melhor nas 62 cidades maiores, e disputará o 2o turno em 9 destas. Seu total de votos em 2000 aumentou 4,25% sobre 1996, agora em 2o lugar depois do PSDB. Embora o PMDB tenha mantido uma sólida base municipal, não tem a mesma penetração das maiores cidades que o MDB nos anos 1970, ou do PMDB em 1982 e 1986.
PPB
O desempenho do PPB acompanhou paralelamente o do seu líder, Paulo Maluf em São Paulo. Este sucessor da ARENA-PDS-PPR manteve o mesmo nível de cidades conquistadas em 1996 617 vs. 624), mas perdeu terreno nas capitais e nas 62 cidades maiores, e o seu total de votos diminuiu em 30%. Porém, está muito concentrado na região Sul (44,7%). O desempenho (17,4%) de Paulo Maluf em São Paulo em 2000 foi muito fraco comparado com os 48,9% recebido por ele mesmo no 1o turno em 1992 e os 48,3% do seu sucessor indicado (Celso Pitta) em 1996. Com o esvaziamento da liderança de Paulo Maluf, os pebebistas do Sul deverão assumir a liderança do partido em nível nacional.
PDT
Depois de 20 anos como o líder inconteste do "seu" PDT, é possível que a eleição de 2000 seja o sayonara para Leonel Brizola, depois de 53 anos de vida política. Brizola quebrou a aliança PDT-PT estabelecida em 1998, recusou apoiar a candidata do PT, e se lançou candidato à prefeitura do Rio de Janeiro. O ex-Governador chegou num pífio 4o lugar, e jura expulsar o Gov. Anthony Garotinho do PDT por alta traição e infidelidade partidária. Nas urnas, o PDT sofreu o maior revés entre os partidos aqui analisados. Elegeu 287 prefeitos (podendo chegar a 290), muito aquém dos 435 em 1996.
O trabalhismo democrático continua muito concentrado no Sul (109, com 78 no Rio Grande do Sul) e no Sudeste (97, com 38 em Minas Gerais e 33 no Rio de Janeiro). Elegeu dois prefeitos em capitais menores (São Luís e Porto Velho), e disputará Porto Alegre em 2o turno. Nas cidades maiores ganhou 3 com chances de outras 3. Se o Gov. Anthony Garotinho for obrigado a deixar o PDT, a facção brizolista seria muito reduzida, e talvez opere uma fusão com um PTB fortalecido.
PSB
Embora tenha aumentado o seu total de votos em 37,12% (em parte por causa da votação da Luiza Erundina em São Paulo), o socialismo brasileiro elegeu menos prefeitos em 2000 (131 podendo chegar a 133) que em 1996 (150). Naquela eleição, o PSB estava muito concentrado no Nordeste (75,3% dos prefeitos eleitos) em função do seu presidente nacional, o Gov. Miguel Arraes de Pernambuco. Agora em 2000, o partido se desconcentrou com 29,8% no Nordeste e 29,8% no Sudeste. No 1o turno, elegeu 2 prefeitos nas cidades maiores, e disputará outras 2 prefeituras em 29 de outubro. Se ganhar a adesão do grupo do Gov. Anthony Garotinho egresso do PDT, o cacife do PSB aumentará em nível municipal e na Câmara Federal.
PTB
O PTB sai fortalecido das urnas em 2000; aumentou a sua votação em 33,72% em comparação com 1996 (com um certo viés devido à votação recebida por César Maia no Rio de Janeiro) e o número de cidades conquistadas, de 328 para 397 (podendo chegar a 400). Venceram em 1o turno em 2 cidades grandes, e vão para o 2o turno em outras 3. Se Maia perder no Rio (como as pesquisas indicam as pesquisas), poderia consolidar a sua aliança no segundo turno com Brizola efetuando a fusão "trabalhista" unido o PTB com um esvaziado PDT.
Reeleição
Mas, o grande mito desta eleição, a esmagadora reeleição dos prefeitos, foi ser destruído pelas urnas. Existem várias maneiras de calcular um "índice de reeleição": 1) diretamente sobre o número de prefeitos eleitos; 2) determinar a porcentagem dos que realmente candidataram à reeleição; ou 3) no caso dos partidos, usar o número de prefeitos filiados aos mesmos antes de eleição (pois, alguns podem ter mudando de partido após a eleição em 1996).
Como se ver no Quadro 3, 2.058 prefeitos foram reeleitos, ou 37,2% dos 5.528 eleitos em primeiro turno. Isto não difere muito dos resultados em 1996, quando 29,5% dos eleitos eram "retornados", ou seja ex-prefeitos eleitos em 1982 ou 1988 (Quadro 4). Frente as expectativas pessimistas de que o abuso das máquinas municipais seria generalizado e que uns 95% dos prefeitos fossem eleitos, se comprovado esse resultado, o movimento no Congresso Nacional para acabar com a reeleição vai se esvaziar.
O fenômeno da reeleição está concentrado no PSDB (47,2%) e no PFL (41,2%), seguido pelo PTB (38,3%). Um pouco aquém da média nacional encontramos o PMDB (36,8%), PPB (35,5%), PSB (33,6%) e o PL (34,8%). Por ter aumentado significativamente o seu desempenho na eleição de prefeitos em 2000 (muitos novatos), o PT (27,6%), o PPS (21,3%) e os outros (20,9%) apresentam baixas taxas de reeleição. Por outro lado, o PDT elegeu 148 prefeitos a menos que em 1996, e mesmo assim a sua taxa foi relativamente baixa (26,1%), indicando que muito dos seus veteranos eleitos em 1996 foram derrotados, e os seus novatos conquistaram outros cidades em 2000.
Regionalmente (Quadro 5), a reeleição pegou mais forte no Nordeste (45,9%), liderado por Rio Grande do Norte (53,9%), Paraíba (51,6%) e Pernambuco (51,4%). Maranhão (31,3%) e Sergipe (34,7%) destoaram da média regional com menores índices de reeleição. A região com a menor taxa de reeleição foi o Centro-Oeste (31,5%), onde o embate entre PMDB e PSDB em Goiás (28,6) e em Mato Grosso (31,7%) entre PSDB e PFL foi muito forte.
Mulheres
Em 2000, as mulheres conquistaram uma proporção ligeiramente maior prefeituras (5,9% vs. 5,5%) do que em 1996 (Quadro 6). Porém, não sustentaram os ganhos na região Norte (20,5% em 1996, e somente 7,6% dessas prefeituras foram ocupadas por mulheres em 2000. A região exibiu uma queda, embora bem menor. Mas, foi justamente no Nordeste (que apresentou a maior taxa de reeleição) onde o desempenho das candidatas foi melhor, subiu o número de prefeitas de 8,6% em 1996 para 12,1% em 2000.
Em relação aos partidos (Quadro 7), o PSB elegeu a maior proporção (9,2%) de prefeitas, seguido pelos outros partidos menores (7,4%) e o PFL (7,3%). As mulheres tiveram o menor êxito no PDT (2,1%) e no PL (3,9%)., PT (4,6%) e PMDB (4,7%).
Mas, apesar de uma cota maior (30%) do que em 1996 (20%) para mulheres nas listas proporcionais dos partidos (para vereador), a proporção de vereadoras eleitas caiu de 11,2% para 10,6%. (Quadro 8) Com a exceção do Sudeste, onde a média continuou nos 9,3%, a proporção de mulheres eleitas caiu, mais fortemente na região Norte.
Como em 1996, desempenho das mulheres na eleição proporcional, "amparadas" pelas cotas, foi melhor do que no pleito majoritário (Quadro 9). Desta vez, foi o PT que se destacou com 13,2% de vereadoras, seguido pelos partidos menores (11,6%). Diferente dos outros partidos, o PT abre mais espaço nas suas diretorias nacional, estaduais e municipais para as militantes. O PDT parece ser o partido mais fechado ás mulheres, sendo que somente 9,2% dos seus vereadores são mulheres.
Conclusões
Quais as conclusões podemos extrair desta análise sobre o processo político brasileiro e o seu sistema partidário? Quais comparações com os pleitos anteriores são pertinentes? Quais impactos podemos esperar sobre o Congresso, o Governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, e a sua sucessão até o final do ano 2002?
Eleições Proporcionais - Como na seqüência 1996 è 1998, a nova configuração política em nível municipal (prefeitos e vereadores) em 2001 terá um impacto forte sobre as eleições para deputado em 2002. Em 1996, o PT dobrou o número de prefeitos eleitos e o PSDB triplicou, e por tabela, em 1998 estes dois partidos aumentaram as suas bancadas na Câmara Federal significativamente, aproveitando as bases locais ampliadas. Este ano, 96 deputados federais (19%) foram candidatos a prefeito ou vice prefeito, sendo 19 dos quais eleitos no 2o turno e outros 12 vão para o 2o turno. Assim, em 01 de janeiro de 2001, até 31 suplentes poderiam assumir estas vagas na Câmara Federal. Dois senadores também lograram êxito.
Capitais - Muitos dos 9 prefeitos das capitais reeleitos em 01 de outubro e os 9 possíveis reeleitos em 29 de outubro tornar-se-ão candidatos potenciais a governador dos seus respectivos Estados, especialmente nos 15 Estados onde os governadores foram reeleitos em 1998. Até se desincompatibilizar em abril de 2002, estes prefeitos terão acumulados 5 anos e 3 meses de experiência -- bem mais do que teriam se a emenda da reeleição não tivesse sido aprovada em 1997. Por outro lado, em 2000, aliados de 14 dos 26 governadores foram eleitos e outros 5 têm chances em 29 de outubro.
Esquerda-Direita - Apesar das entrevistas dos parlamentares do PT na TV no domingo a noite cantando "uma vitória contundente", ou "a rejeição total do modelo econômico do FHC", o resultado (como veremos na análise acima) foi mais equilibrado -- o PT avançou bastante, especialmente nas cidades maiores, o PSB nem tanto, e o PDT regrediu. Entre os partidos situacionistas, o PFL avançou, o PSDB um pouco menos, o PMDB regrediu um pouco, e o PPB perdeu bastante terreno. Porém, o PT pode avançar mais no 2o turno, principalmente se derrotar o PFL em Recife e Curitiba. Por outro lado, os candidatos petistas que obtiveram maior sucesso em 2000, foram justamente os menos rancorosos e mais "pragmáticos", que concentraram o seu discurso na resolução dos problemas cotidianos da cidade, e não em libelos ideológicos.
Transparência - Talvez um dos recados mais fortes foi dado pelos eleitores paulistanos contra os escândalos da "máfia dos fiscais e das propinas" que foi devassado em 1999-2000, por uma CPI na Câmara Municipal e o Ministério Público estadual, que resultou na cassação de alguns vereadores, o indiciamento de outros e condenações e prisões para um vereador e vários funcionários municipais pertencentes ao chamado "esquema Pitta-Maluf". Porém, esta aliança evitou o impeachment do Prefeito Celso Pitta, mas os eleitores estavam esperando "armados" (com os seus votos) na esquina em 01 de outubro. Apenas dois vereadores deste esquema foram reeleitos e todos os outros, inclusive os parentes dos acusados, foram derrotados. O PT que liderou as investigações aumentou a sua bancada de 9 para 16 e o bloco anti-Pitta/Maluf pulou de 20 para 30. Estes resultados constituem um duro handicap para o candidato Maluf no 2o turno.
Garotinho vs. Brizola - Aparentemente, os resultados na cidade do Rio de Janeiro vão provocar um enfrentamento final entre o Governador Garotinho e o Índio Velho (Brizola) que confirma a Lei de Michels com o comando total do "seu" PDT nos últimos 20 anos. Certamente, em novembro será convocada uma convenção nacional do partido para um "acerto de contas". Se Garotinho perder este último round, sai do PDT (talvez para o PSB), levando uns 20 deputados federais e mais de 100 prefeitos. Resta saber se o outro cacique dos anos 1950 (Miguel Arraes) aceitará esta "invasão", que poderia fortalecer o socialismo brasileiro -- ao mesmo tempo que fere de morte o "socialismo moreno", que talvez sobreviva numa fusão com o PTB.
Maluf vs. FHC - Chegando em terceiro lugar na eleição paulistana (por uma margem de apenas 6.000 votos), no domingo à noite o Vice Governador Geraldo Alckmin disparou o seu apoio à candidata do PT, Marta Suplicy. Da Alemanha, FHC declarou a sua "simpatia" à petista, reforçada com a decisão do diretório paulista do PSDB.. Outro perdedor, Sen. Romeu Tuma (PFL) também mostrou-se simpático a "candidata da honestidade e moralidade", mas foi refreado com a decisão do diretório nacional do PFL vetando qualquer apoio ao PT no 2o turno. Enfrentando uma "missão [quase] impossível" no 2o turno, Paulo Maluf (PPB) logo lançou o desafio da realpolitik. Ao PFL: "Lembrai-vos dos seus candidatos que enfrentarão o PT no 2o turno (Curitiba e Recife)". Ao PSDB/FHC: "2002 vem aí", uma clara ameaça à continuidade da coligação governista.
ACM vs. FHC - No seu estilo próprio, mal fecharam as urnas no domingo a noite, que o Sen. Antônio Carlos Magalhães soltou os seus primeiros disparos pós-eleitorais. Tendo aumentado o seu cacife no PFL, vis-à-vis os seus companheiros em Pernambuco e Paraná, com a sua esmagadora vitória na Bahia, almejou duramente os Ministros da Saúde e Transportes [razão: desembolsos pré-eleitorais das suas pastas nos feudos do PFL]. Sabendo que os Ministros baianos estão na mira do FHC para a reforma ministerial, ACM também atacou os Ministros da Justiça e Integração, e ainda debitou o bom desempenho do PT na conta dos "ministros incompetentes do governo FHC".
Além da reforma ministerial, FHC está articulando discretamente apoios para a eleição do Sen. Jader Barbalho (PMDB-PA) e Dep. Inocêncio de Oliveira (PFL-PE) para as Presidências do Senado e da Câmara Federal. Se FHC tiver êxito nestas duas iniciativas, reduzirá o peso político do PFL do B(ahia), e reforçará o seu controle sobre a bancada governista em 2001, a tempo para o esforço final para aprovar as reformas da previdência, dos sistema político e tributário/fiscal.
Reforma Política - Os resultados deste pleito municipal devem contribuir para a deliberação de vários itens da reforma política em 2001. Aparentemente, a reduzida taxa de reeleição dos prefeitos eleitos em 1996 vai reforçar as teses da manutenção deste mecanismo para 2002; mas, talvez o conceito da desincompatibilização vinga, especialmente para governadores e prefeitos. Com a frustração em relação ao mecanismo das cotas para as mulheres nas eleições proporcionais, novas medidas para garantir uma proporção maior de mulheres nas casas legislativas devem ganhar impulso -- especialmente a da lista fechada e bloqueada. Assim, cada partido é encarregada de compor a sua lista de candidatos e ordená-los previamente, e o eleitor somente vota na legenda. Na Argentina, por exemplo, os partidos são obrigados a colocar o nome de uma mulher pelo menos no 3o , 5o e 7o lugar na lista. Na verdade, a lista fechada resolve outras coisas também, como: a fidelidade e coesão partidária, a concorrência se torna entre partidos e não mais entre candidatos individuais (usualmente na mesma chapa), o financiamento das campanhas fica centrado nos partidos (mais barato e fácil fiscalizar), o eleitor talvez lembre melhor pelo menos em qual partido votou para poder cobrar melhor o desempenho deste no legislativo.
Candidaturas 2002 - Ainda é muito cedo para projetar cenários para a sucessão presidencial em 2002, mas algumas situações se esboçam.
Ciro Gomes (PPS-CE) não for ferido de morte com a derrota da sua ex-mulher, Patrícia, para a prefeitura de Fortaleza. O PPS alargou as suas bases municipais e provavelmente receberá mais adesões no Congresso e nas assembléias estaduais em 2001.
Não emergiu deste pleito nenhuma liderança nova no PT para rivalizar a quarta candidatura de Lula em 2002. Tarso Genro foi para o 2o turno e é um candidato muito regional. O Gov. Olívio Dutra foi enfraquecido com o embate com o PDT em Porto Alegre.
Quanto às alianças para o 2o turno, o pragmatismo do PSDB se contraste com a posição mais rígida do PFL. Quanto este fechou questão no diretório nacional contra qualquer aliança com o PT, o PSDB-SP empurrado pelo Gov. Mário Covas decidiu apoiar Marta Suplicy irrestritamente. Aparentemente, Covas está pensando em 2002 com uma possível aliança à Esquerda com o PT. No Paraná, visando a sua campanha ao governo do Paraná em 2002 e o enfraquecimento do PFL do Jaime Lerner, o Sen. Álvaro Dias forçou o PSDB-PR a apoiar o candidato do PT à prefeitura de Curitiba. O PSDB-CE continua forte nas bases municipais, mais a possível candidatura do Gov. Tasso Jerisatti continua uma enigma.
Por enquanto, não vislumbra nenhum candidato viável no PMDB, a não ser o Gov. Itamar Franco (MG) que já se desfiliou do partido, ou o Sen. Pedro Simon (RS) que já colocou a sua candidatura á disposição do partido -- ou eventualmente o ex-presidente José Sarney.
No PFL, as seções pernambucana e paranaense estão enfraquecidas, deixando ACM com mais poderes. Porém, a eleição do Dep. Inocêncio de Oliveira para a Presidência da Câmara Federal poderia reequilibrar a situação um pouco. Resta saber que a Gov. Roseana Sarney (MA) terá cacife além da região nordestina para ensaiar uma candidatura.
No "trabalhismo", se o Gov. Anthony Garotinho (RJ) sair do PDT terá uma tarefa árdua pela frente para reorganizar o seu esquema político. Idem Leonel Brizola, se for para o PTB, com certeza uma nova liderança deveria sair deste novo agrupamento partidário.
David Fleischer, 59, é Ph.D. pela University of Florida, professor titular de Ciência Política na UnB e edita semanalmente a newsletter em inglês "Brazil Focus".
Escreva para David Fleischer: fleischer@uol.com.br
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