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Popularidade recorde ajuda, mas não garante futuro fácil a Lula

  • Petista tem governo aprovado por 43% dos eleitores
  • Tolerância inicial já é uma praxe no país pós-ditadura
  • Momento crítico deve ser a partir da metade de 2003

    Fernando Rodrigues

    BRASÍLIA - 09.abr.2003 - A democracia brasileira é muito jovem. Desde o final do regime militar (que foi de 1964 a 1985), o país teve apenas três presidentes eleitos pelo voto direto. Nos Estados Unidos, o sistema existe há mais de 200 anos.

    É verdade que o Brasil teve eleição direta para presidente no passado. Mas o país era tão atrasado, as regras eram tão diferentes, que as experiências que valem mesmo são as mais recentes. Fernando Collor (PRN) foi eleito em 1989. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) conquistou duas eleições consecutivas, em 1994 e 1998. E Luiz Inácio Lula da Silva venceu a disputa presidencial em 2002.

    Lula chegou aos 100 dias de governo com uma popularidade recorde entre os presidentes eleitos pelo voto direto no Brasil. O quadro abaixo resume o cenário:

    Como cada presidente começou e terminou seu mandato
    (% de respostas "ótimo" e "bom" para o desempenho do governo)
      expectativa antes da posse primeira pesquisa (100 dias) última pesquisa
    presidente % de "ótimo" e "bom" % de "ruim" e "péssimo" % de "ótimo" e "bom" % de "ruim" e "péssimo" % de "ótimo" e "bom" % de "ruim" e "péssimo"
    Fernando Collor (PRN) 71 4 36 19 9 68
    Itamar Franco 18 21 34 11 41 8
    Fernando Henrique Cardoso (PSDB) 70 5 39 16 26 36
    Luiz Inácio Lula da Silva (PT) 76 3 43 10 ? ?
    Fontes: pesquisas Datafolha
    Datas das pesquisas:
    Collor (março.1990, junho.1990 e setembro.1992); Itamar (2-3.setembro.1992, 15-16.dezembro.1992 e 12-14.dezembro.1994); FHC (12,13 e 14.dezembro.1994, 21-23.março.1995 e 9-11.dezembro.2002); Lula (31 de março a 1 de abril de 2003)


    Como se observa, é notável o feito de Lula depois de governar 3 meses e alguns dias. A administração federal petista tem uma aprovação recorde se comparada aos presidentes anteriores (acesse todas as pesquisas completas aqui). É, sem dúvida, um alívio depois de tantas previsões catastrofistas propagadas pelos agentes financeiros em 2002.

    Ocorre, entretanto, que o fato em si -os 43% de aprovação para o governo Lula- não garante quase nada em relação ao futuro da administração petista. Na realidade, o percentual apenas revela que o eleitorado brasileiro tem um padrão de comportamento semelhante em relação a presidentes recém-empossados.

    Os eleitores tinham uma expectativa alta antes da posse de Collor. Segundo o Datafolha, 71% esperavam um governo collorido "ótimo" ou "bom". FHC também ficou com um percentual quase idêntico, de 70%. E Lula teve 76%.

    Três meses depois de terem sentado na cadeira de presidente da República, Collor, FHC e Lula recuaram cerca de 30 pontos percentuais cada. O governo Collor teve 36% de "bom" e ótimo" com 100 dias. FHC foi para 39%. Lula marcou 43%, segundo o Datafolha.

    A rigor, como a margem de erro da pesquisa Datafolha é dois pontos percentuais, para mais ou para menos, Lula está no limite do empate técnico com FHC depois de 100 dias no Palácio do Planalto.

    Em resumo, o padrão de tolerância do eleitor brasileiro é amplamente favorável aos políticos, sejam eles quem forem. É difícil encontrar 3 presidentes tão diferentes entre si como Collor, FHC e Lula. No entanto, para os eleitores, o início da administração de todos eles mereceu uma avaliação quase idêntica.

    O que faz a diferença é o que vem depois. Aí é que a porca pode torcer o rabo. Ou não.

    Collor sofreu um processo de impeachment e saiu do cargo antes da hora. FHC, o oposto, navegou em popularidade altíssima e até foi reeleito em 1998 (embora tenha se dado mal no segundo mandato). O que acontecerá com Lula? Impossível responder.

    Mas é fácil dizer por que Collor se deu mal e FHC se saiu tão bem (no primeiro mandato).

    Collor chegou como um outsider e não soube costurar uma base sólida de apoio no Congresso. Acusações de corrupção que foram acolhidas pelo Congresso fizeram o trabalho de destruição no governo collorido.

    No caso de FHC, o país viveu talvez o seu último grande plano econômico de ilusão, o Plano Real (outros foram o Plano Cruzado e o Plano Collor). O real valia 1 dólar. O frango e o iogurte alimentavam os pobres. A classe média se regozijava passeando em Miami e em Orlando. Uma fantasia que durou 4 anos. A dívida interna explodiu. Mas o tucano se reelegeu no primeiro turno em 1998.

    É evidente que foi o Plano Real que segurou FHC com popularidade alta durante todo o seu mandato. O tucano chegou a ter 47% de aprovação ("bom" e "ótimo") para o seu governo em dezembro de 1996, dois anos depois de ter tomado posse. Uma enormidade. A teoria do auto-engano explica porque os eleitores acreditaram na ficção de 1 real valer 1 dólar (na Argentina foi um pouco pior: durou 10 anos a paridade entre o peso e a moeda norte-americana).

    E com Luís Inácio Lula da Silva, o que vai segurá-lo -ou não- com a popularidade em alta até dezembro de 2006, durante 4 longos anos? Impossível dizer, mas a fórmula petista apresentada até agora contém os seguintes componentes:

    1. social - por meio do programa Fome Zero, diminuir o grau de pobreza do país de uma maneira que seja perceptível para a maioria da população;

    2. economia ortodoxa - respeitando contratos, pagando a dívida e fazendo austeridade fiscal (gastando muito pouco), Lula pretende colocar o Brasil nos trilhos e fazer o país voltar a crescer e a gerar empregos.


    Tudo isso pode dar certo. Mas só será possível afirmar com segurança daqui a alguns meses quais são as chances reais de sucesso de Lula. Aí é que fica um grande ponto de interrogação.

    FHC teve a condescendência do eleitorado para fazer alguma coisa, mas já entrou no cargo com uma mercadoria na mão (a ficção de 1 real valer 1 dólar, adotada ainda antes da eleição, quando o tucano era ministro da Fazenda em 1994).

    Lula está sendo bem tratado pelo público porque essa parece ser a praxe geral. Só que ainda não apresentou nada de prático. E quando junho chegar? Como será a reação da população?.

    Mesmo que a cotação do dólar fique em um patamar razoável e o risco Brasil esteja abaixo dos 1.000 pontos, nada poderá evitar que a inflação de 2003 continue próxima dos 10%. Nem que os empregos sejam gerados como prometido na campanha.

    Também é pouco provável que o Fome Zero tenha, já a partir do início do segundo semestre de 2003, apresentado resultados palpáveis. A pergunta que fica no ar é: o padrão de tolerância a Lula será maior do que para outros governantes? Se sim, por quê? Se não, como vai reagir o petista quando começarem a faltar o pontos percentuais na categoria "bom" e "ótimo"?

    Como já registrado acima, as respostas só serão conhecidas mais adiante.

    Talvez já prevendo dias mais difíceis, o presidente Lula fez um discurso sobre os 100 dias de seu governo afirmando que assumiu o país com a economia passando por "momento dramático". E que "o Brasil estava à beira da falência". Foi a primeira vez desde que tomou posse, de forma oficial e solene, que o petista jogou para a administração anterior um pouco da culpa para um possível fracasso futuro. Para ler a íntegra do discurso, clique aqui.


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