|
Arquivo Pessoal
Ademir da Guia acena para a torcida palmeirense em sua despedida, em 1984
|
Ademir da Guia, o craque de uma época em que seleção brasileira não era para qualquer jogador
por Murilo Garavello
Ademir da Guia foi um dos melhores meias que o futebol brasileiro
já produziu. Com sua técnica apurada e seu estilo tranqüilo, elegante e
eficiente, deslumbrou milhões de pessoas e conquistou uma série de títulos importantes. Mesmo assim, teve pouquíssimas chances de atuar pela
seleção brasileira.
Atualmente, qualquer jogador que atue em um clube de médio a grande e
tenha atuações destacadas por dois fins de semana consecutivos pode
esperar uma convocação para a seleção. Há pouco tempo, o
caminho era mais árduo, e a camisa amarela, um objetivo difícil de ser
atingido.
O livro recém-lançado "Divino -A vida e a arte de Ademir da Guia", de
Kleber Mazziero de Souza contempla a vida e a carreira do jogador que,
aos 21 anos, foi eleito o melhor jogador do Campeonato
Paulista de 1963, conquistado com a camisa do Palmeiras. Firmou-se
como titular do time paulista justamente naquele ano e não deixou mais a equipe até 1977.
Da Guia é considerado o maior ídolo da história do Palmeiras. Há uma
estátua dele na sede do clube. Conquistou o bi do Campeonato Brasileiro
(72/73) e cinco títulos paulistas (63/66/72/74/76), sempre como o
comandante do meio-campo da equipe.
"Ele tinha facilidade para fazer jogada muito difícil: dominava a bola
alta que vinha de frente, com a perna esticada. Ele pegava ela no ar, e
parece que a bola grudava no pé dele. Tinha elegância, o toque refinado,
uma visão de campo impressionante. Sua colocação era perfeita. Ele
parecia estar em todos os lugares do campo", diz o ex-atacante Leivinha,
companheiro de Ademir da Guia no Palmeiras e na seleção que disputou a Copa do Mundo
de 1974, na Alemanha.
Arquivo Pessoal
Da Guia, em foto recente, com seu filho, Ademirzinho, que pretende seguir os passos do pai e do avô
|
Apesar de ser ídolo no Palmeiras, Da Guia teve poucas participações na
seleção brasileira. Sua primeira chance apareceu apenas em 1965. Sob o
comando de Vicente Feola, Da Guia foi titular da seleção em três
partidas amistosas (vitórias de 5 a 1 sobre a Bélgica e 2 a 1 sobre a
Alemanha e empate em 0 a 0 contra a Argentina).
No quarto jogo, foi substituído por Feola aos 20min do primeiro tempo,
quando o Brasil já vencia a Argélia por 3 a 0 (definitivamente, eram
outros tempos). Em seu lugar, entrou Gérson, o preferido da imprensa
esportiva do Rio de Janeiro, à época muito influente junto a CBD (que
comandava a seleção brasileira). Da Guia não seria convocado novamente
para a seleção até 1974, ou seja, nove anos depois.
Na Copa de 74, apesar de estar no auge de sua forma física e técnica,
mesmo aos 33 anos, não ficou nem no banco de reservas em todas as
partidas -exceto na disputa do terceiro lugar contra a Polônia. Conta o
livro que, no dia da partida, os jogadores almoçavam na concentração da
seleção. Ademir da Guia, já conformado com sua ausência no time, repetia
a sobremesa quando foi avisado por um auxiliar de Zagallo (o técnico da
seleção à época) de que jogaria a partida à tarde, poucas horas depois.
Mesmo sem atuar por cerca de dois meses (tempo da preparação da seleção
e dos dias de Copa já decorridos), Da Guia foi um dos melhores da
seleção no jogo. Inexplicavelmente, foi substituído logo no início do
segundo tempo. Questionado pela imprensa, revoltada com a derrota,
Zagallo alegou que Da Guia pedira para sair. Elegantemente, o jogador
confirmou a versão -falsa. Mais tarde, receberia uma mensagem do
preparador físico Admildo Chirol, em que Zagallo mandava agradecer por
ele não ter criticado sua substituição.
Hoje, Da Guia dá aulas em escolinhas de futebol. Mantém o mesmo estilo
calmo, correto e elegante que porta pelo menos desde que entrou no
esporte. "Não sou frustrado por não ter tido muitas chances na seleção. O futebol
me deu muitas alegrias, é meu ganha-pão até hoje. A ausência na seleção,
na verdade, fez com que eu me aprimorasse mais, a cada dia. Não
adiantava nada eu reclamar ou criar polêmica. Sempre pensei que jogador
de futebol não pode ficar irritado porque está na reserva ou não foi
para a seleção. Tem é de trabalhar, mais e mais, para se superar e, se a
vaga surgir, ele estar pronto".
|
|
|
"As qualidades técnicas do Zequinha, que é o titular, são superiores às minhas. Porém, tenho comigo o que penso ser meu maior trunfo: a força de vontade. Com ela, posso vencer tudo que possa vir a impedir que me torne um grande craque".
Ademir da Guia, em 1963, antes de se tornar titular e ser premiado como o melhor jogador do Palmeiras que foi o campeão paulista do ano.
"A preparação física me ajudou muito. Aos 20 anos, jogava como um veterano, só numa faixa do campo. Aos 30 anos, corria como um garoto"
Idem.
"A gente brincava de 'bobinho' nos treinos e tentava fazer o Ademir ir para o meio. Todo mundo tocava para ele com efeito, mas não tinha jeito. Do jeito que a bola viesse ele dominava. Eu não me lembro de uma única vez em que o Ademir tenha ido para o meio da roda."
Leivinha, ex-jogador, jogou com Ademir no Palmeiras e foi à Copa de 1974.
"O preço que vocês pagaram não é o que vale só uma das pernas dele!"
Freitas Solich, técnico do Flamengo, em 1961, dirigindo-se a um dos diretores do Palmeiras, que acabara de comprar Ademir da Guia do Bangu.
"Ele está jogando demais. É para o Palmeiras o que o Pelé é para o Santos. Quem ganhou do Fluminense não foi o Palmeiras, foi o Ademir da Guia".
Zagallo, em 1971, sobre a derrota do Fluminense para o Palmeiras na Copa Libertadores daquele ano.
|
|