19/02/2004 - 08h10
Dirceu pede para sair e é convencido a ficar
Valor Econômico
BRASÍLIA - O ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, pediu demissão ontem pela manhã, em reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, mas foi dissuadido. Até então, Dirceu havia apenas colocado o cargo à disposição do presidente, na segunda-feira, informação que foi desmentida pelo porta-voz da Presidência, André Singer. Ontem, porém, ele estava não só abatido, mas muito insatisfeito com o vazamento da informação de que ele havia colocado o cargo à disposição de Lula no início da semana, com as trapalhadas do PT no Congresso e, sobretudo, com a iniciativa de apuração do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, segundo relato de uma fonte bem informada. Anteontem, Thomaz Bastos defendeu que as investigações das ações do então subchefe de Assuntos parlamentares da Casa Civil, Waldomiro Diniz, não ficassem restritas ao ano de 2002, mas que abrangessem também o período em que ele trabalhou ao lado de José Dirceu, ou seja, até janeiro. Ao contrário dos esforços dos assessores do presidente, de tentar retirar a crise aberta com esse episódio de dentro do palácio do Planalto, o ministro da Justiça sugeriu exatamente o contrário, levar as investigações para dentro do palácio. Isso deixou José Dirceu " muito chateado " . A assessoria de Lula entendia que uma maneira de preservar o presidente e o próprio ministro seria confinar o assunto no ministério da Justiça, no Ministério Público e na Polícia Federal.
Essa estratégia, que havia sido definida no início da semana, sucumbiu, de fato, ontem, com o anúncio de criação de uma comissão de sindicância para apurar os passos de Waldomiro Diniz enquanto sub-chefe da Casa Civil, conforme decisão comunicada pelo ministro Aldo Rebelo, da Coordenação Política. " Foi uma manhã terrível " , comentou uma fonte, após a reunião com Lula, que contou com a presença dos ministros Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação do Governo, e da Fazenda, Antonio Palocci, e que produziu intensos boatos nos mercados. Ao final da tarde, os ânimos estavam mais serenos: Dirceu não deixará o cargo. O fato é que o governo não conseguiu definir uma estratégia para lidar com essa crise e está a reboque dos acontecimentos. Teme o imponderável. Há quem, no centro do poder, defenda a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para preservar a ética do PT enquanto partido e governo. Mas mesmo os que a defendem receiam seus desdobramentos, assim como estão aflitos com o que ainda pode surgir.
Por exemplo, ontem havia uma enorme inquietação sobre o conteúdo da entrevista que Waldomiro Diniz deu à revista " Época " , e que não foi totalmente transcrita na edição que trouxe a denúncia do caso. Fontes oficiais têm informação de que Diniz acaba admitindo, na entrevista, que trabalhou para um " bicheiro " durante a negociação dos pleitos da Gtech - a empresa que opera, para a Caixa Econômica Federal (CEF), o sistema online de loterias. Pelo menos, nesse caso, há uma certeza por parte do governo: os procedimentos da CEF na renovação do contrato com a Gtech, em 2003, estão corretos. " Nesse caso, estamos tranqüilos " , garantiu um assessor. Se essa informação for procedente, o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil prosseguia nos seus negócios paralelos já no governo de Lula.
Junto às tentativas de contornar a crise nos seus aspectos políticos e éticos, procura-se avaliar que tipo de seqüelas poderão atingir a área econômica do governo. Se, conforme os desdobramentos do caso, José Dirceu tiver que se afastar do cargo, " será um desastre, porque ele é um dos pilares deste governo " , comenta um funcionário da Presidência. " Que concessões teriam que ser feitas para se rearrumar a base aliada, caso ele tenha que deixar o governo? " , indaga. Concessões representam ou mais gastos públicos, cargos ou medidas de agrado da base, tão mais voraz quanto mais frágil for o governo.
O ministro chefe da Casa Civil não retornou os telefonemas do Valor para confirmar ou negar que tenha pedido demissão.
|