Por Denise Carvalho, especial para Reuters
SÃO PAULO (Reuters) - As grandes empreiteiras brasileiras já fizeram as contas: mais de 30 por cento dos 30 bilhões de dólares que as Nações Unidas estimam que custará a reconstrução do Iraque serão destinados à construção civil. Mas elas só devem abocanhar projetos como subcontratadas das gigantes americanas que vencerem a queda-de-braço na disputa dos contratos vultosos.
"A exemplo do Kweit, a reconstrução do Iraque ficará por conta das norte-americanas. Mas é provável que as companhias façam concorrências entre construtoras de todo o mundo para a execução de obras", afirmou o presidente da Área Internacional da construtora Andrade Gutierrez (AG).
Segundo o executivo, é comum no mercado da construção pesada que, em contratos de grande porte, uma empresa lidere a gestão e faça parcerias para a realização de obras civis, montagem, fornecimento de equipamentos e outros suprimentos.
O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, afirmou esta semana que o Brasil pretende participar do processo de reconstrução do Iraque nos setores de serviços, engenharia e construção civil.
Mas pode não ser muito fácil. "Participar de obras no Iraque dependerá das oportunidades e da situação política do país depois do fim da guerra e da instalação do novo governo", alertou o diretor de Mercado da Área Sul do Brasil da Construtora Norberto Odebrecht (CNO), a maior empresa de engenharia e construção do Brasil, João Borba.
Não há nenhuma movimentação das grandes empreiteiras nacionais na tentativa de garantir negócios no Iraque porque crêem que o comando da reconstrução será dividido entre grupos como a Bechtel, a Parsons, a Fluor e a Halliburton, que foi dirigida pelo atual vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney.
A Andrade Gutierrez já atuou no Oriente Médio. Entre 1997 e 2002, fez um túnel na cidade de Teerã, no Irã. Na época, o contrato somou 50 milhões de dólares.
A Odebrecht é uma das poucas empresas brasileiras que sabe o que é atuar em regiões de conflito. Há quase 15 anos, trabalha em Capanda, em Angola. Durante a execução de obras de uma usina hidrelétrica, no início da década de 90, a companhia enfrentou invasões no empreendimento, feitas pelo movimento guerrilheiro Unita. Na Colômbia, teve funcionários seqüestrados pelos guerrilheiros das Farc.
PREJUÍZOS NO IRAQUE
A construtora mineira Mendes Júnior é a única empresa brasileira que construiu obras no Iraque. A experiência ainda tem suas consequências.
A empreiteira conquistou uma obra de 1,2 bilhão de dólares em 1978 para a construção de uma ferrovia de 553 quilômetros de extensão. O contrato era um dos cinco maiores projetos de obra pública em andamento no mundo. Quando o Iraque entrou em guerra contra o Irã, em 1980, o país de Saddam Hussein deixou de honrar o pagamento das obras.
O governo brasileiro, então, entrou em acordo com o Iraque: financiaria parte do projeto, com a garantia do pagamento em petróleo. Ainda assim, o Iraque deixou de cumprir os compromissos. O resultado foi que, em dezembro de 1987, a Mendes Júnior paralisou os empreendimentos, tendo um crédito com o Iraque de 421 milhões de dólares.
Depois de nova negociação, a Mendes Júnior retomaria as obras, dois anos depois. Mas não deu tempo de finalizá-las. Outra guerra, do Iraque contra o Kweit, pôs fim aos trabalhos da construtora. A empresa desistiu e resolveu deixar o país.
"Mais de 340 brasileiros tiveram dificuldades para retornar ao Brasil por causa das restrições iraquianas. Voltamos apenas com as roupas do corpo", contou o executivo responsável pela Área de Comunicação Empresarial da construtora, Gleiber Faria.
A Mendes Júnior está reerguendo-se das dívidas, depois de ter vivido uma crise severa, que a obrigou vender ativos, como empreendimentos imobiliários e a siderúrgica do grupo. Em fase de reestruturação, conseguiu faturar em 2002 cerca de 430 milhões de reais. Chegou a registrar mais de 1 bilhão de dólares antes do "efeito Iraque".
A Mendes Júnior está brigando na Justiça mineira contra o Banco do Brasil (BB) para recuperar os prejuízos. Quando o Iraque deixou de honrar o pagamento das obras e o governo brasileiro financiou os projetos, segundo Gleiber Faria, a Mendes Júnior teria a garantia de recebimento dos créditos pelo BB. O embate está na Justiça desde 1995.