UOL Business - A Melitta tornou-se conhecida por seus filtros de papel, mas hoje o principal produto de vocês é o café. Qual a participação de cada produto no faturamento da empresa?
Irving Nadir Vieira - O café responde por algo em torno de 55%, enquanto a linha de filtros tem uma participação de 35%. O restante do faturamento vem de produtos que completam um portfólio que você é obrigado a ter, ou seja, que fazem parte da missão da Melitta.UOL Business - Dentro dessa missão, existe algum produto que vocês ainda não ofereçam mas tenham intenções de lançar?
Vieira - Nosso departamento de marketing está sempre monitorando o mercado de forma a fazer com que a empresa ocupe seus espaços, obviamente dentro de sua vocação. Existe um estudo para medir junto ao mercado, o chamado "stretch", até onde você pode esticar sua marca sem tirar o âmago, o foco da empresa, da própria marca.
UOL Business - O consumo per capita de café no Brasil é bem menor do que na Alemanha, por exemplo. A Melitta tem alguma estratégia para aumentar o consumo no país?
Vieira - O consumo per capita de café na Alemanha é o dobro daqui. O alemão consome em torno de 8 quilos, 8 quilos e meio de café por ano, enquanto o brasileiro consome 4, 4,3 quilos. Então aumentar o consumo per capita não é preocupação de uma marca, como é o caso da Melitta, e sim do segmento torrefador como um todo. A Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), por exemplo, está preocupada com isso e planeja uma série de programas a partir do ano que vem. A preocupação da Melitta é sempre com o seu share, é ampliar sua participação no mercado. Hoje a Melitta é a segunda marca nacional de café [a primeira é Pilão, da Sara Lee], com 5,4% de market share. A meta para este ano é chegar a 5,5%. É um crescimento lento.
UOL Business - Apesar de pequeno, ao que você atribui esse crescimento? Houve alguma mudança?
Vieira - Não existe um único fator, ou seja, não foi a embalagem, não foi a qualidade do grão, não foi a qualidade da nossa equipe de vendas. Na verdade é um conjunto de fatores. Acho que o fato de a Melitta ter aumentado sua participação no mercado se deve à imagem da marca, à sua constante por busca de qualidade, seja a própria qualidade do produto em si, seja a qualidade de suas embalagens.
UOL Business - Como o mercado de café tem se comportado nos últimos anos?
Vieira - Ele deu uma decrescida. Eu diria que a partir de 1999, 2000, ele vem andando de lado em termos de qualidade, porque os preços foram sendo depreciados de tal forma que o que sobrou no mercado foi um café muito ruim. Os próprios produtores passaram a fechar suas portas, a mudar de cultura, e quem continuou não fez os tratos culturais adequados porque não valia a pena. Agora é que estamos tendo uma pequena melhora nos preços.
UOL Business - Mas isso também tem a ver com o número de empresas que atuam no setor.
Vieira - Sim. Em nenhum lugar do mundo existem tantas empresas quanto aqui. A Abic estima 1,3 mil empresas, o que é uma concorrência absurda, principalmente se você considerar que não são todas as empresas que têm uma marca só. Então um mercado com 2 mil marcas trabalha muito por preço. E uma das estratégias da Melitta é sempre sair dessa vala comum que é preço.
UOL Business - Qual sua expectativa em relação ao preço do café agora?
Vieira - Eu enxergo assim: o ano passado teve uma safra de café muito forte no Brasil, quase 50 milhões de sacas de café. Então nós inundamos o mundo de café, e quando acontece isso o preço cai. Mas existe uma regra no mercado de café: todo ano que você tem uma super safra, no ano seguinte você tem uma safra ruim. Os preços subiram em função dessa expectativa. E quando o mundo descobrir que a safra no Brasil vai ser inferior a 30 milhões de sacas, ou seja 40% menor que em 2002, isso levará ao consumo dos estoques e ao aumento dos preços. Mas não vai ser nenhuma loucura. Como já estamos na metade da colheita, a menos que haja uma geada para quebrar de vez a safra, a expectativa é boa. Até porque para o torrefador é importante que o preço seja remunerador da atividade da lavoura.
UOL Business - Como que é trabalhar com um mercado tão volátil?
Vieira - É uma loucura, mas por outro lado também é fascinante. Entramos no mercado todos os dias, seja para comprar, seja para sondar ou acompanhar os boatos: greve de caminhoneiro na Colômbia, tufão no México. É realmente uma loucura. Mas apesar de ser um mercado muito volátil dá para trabalhar com projeções de médio e longo prazo.
UOL Business - Os cafés especiais têm conquistado um espaço cada vez maior nas prateleiras dos supermercados. A Melitta tem algum produto nessa linha?
Vieira - Os cafés especiais no Brasil hoje representam 5% do volume global, o que é muito pouco. Eu diria que o nosso café expresso pode ser considerado dentro desse segmento especial.
UOL Business - Mas em faturamento eles representam mais do que isso, correto?
Vieira - Talvez em termos de faturamento eles respondam pelo dobro, ou seja 10%, porque os cafés especiais têm um valor agregado muito maior.
UOL Business - É comum ver as marcas de café associadas a redes de cafeterias, como vocês faziam antes com o Fran's Café. Atualmente vocês têm parceria com alguma outra rede?
Vieira - Não. Tínhamos um contrato de merchandising com o Fran's Café, pelo qual eles usavam a nossa marca nas máquinas e nós fornecíamos cardápio, bonés, xícaras, todo o material com a nossa logomarca. Esse contrato expirou e nós não renovamos.
UOL Business - Por quê? Esse tipo de acordo não é interessante?
Vieira - É sempre interessante, desde que seja bom para os dois lados. O que aconteceu em relação ao Fran's Café é que num determinado momento a rede decidiu abrir o leque, ou seja, a filosofia anterior - de ser uma cafeteria - era muito adequada para a Melitta, mas como eles evoluíram para uma cadeia de lanches rápidos deixou de nos interessar. Mas se surgir uma nova rede interessada em ter a Melitta como parceira vamos estudar com o maior prazer.
UOL Business - A Melitta distribui produtos para outros países da América Latina. Qual sua estratégia em relação às exportações?
Vieira - Distribuímos, mas é muito pouco. Exportamos para Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Chile, mas esses países - com exceção da Argentina - ou são muito pequenos ou não consomem café, e por decorrência, também não compram filtro de papel. O Chile, por exemplo, é um país que consome instantâneo. E o grande líder mundial nessa área é o Nescafé [da Nestlé]. O Uruguai é um país pequeno, a população deles é menor do que a torcida do Corinthians. Na Argentina, o café mais consumido é o "glaceado", um café torrado com açúcar, com um gosto caramelizado. Então você vê que tudo isso limita muito as exportações brasileiras da Melitta, que hoje estão em torno de 1% das nossas vendas. Ou seja, eu prefiro investir no Brasil.
UOL Business - Quanto vocês estão investindo este ano?
Vieira - Este ano o investimento deve chegar a 11,5 milhões de reais, cerca de 3,5 milhões de reais em um novo equipamento. Estamos no meio do processo de instalação de uma máquina para duplicar nossa linha de 500 gramas a vácuo, do café tradicional. O que acontece é que tínhamos uma capacidade de torração muito maior que a nossa capacidade de envase, ou seja, estávamos no gargalo. No ano passado envasamos 21 mil toneladas de café, com as máquinas funcionando dia e noite. Mas essa nova máquina vai nos dar uma folga. E isso permitirá que a partir do ano que vem a gente invista no mercado para poder vender mais.
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