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O que faz um cortador de cana
Cleo Velleda/Folha Imagem
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Trabalhadores em lavoura de cana-de-açúcar queimada
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FABRIZIO RIGOUT
enviado especial a Cravinhos (SP)
Eles ajudam a produzir o álcool dos automóveis e o açúcar que usamos em casa.
São chamados cortadores
de cana ou simplesmente trabalhadores rurais. Têm o
apelido ``bóias-frias'' porque
a comida (bóia) que levam
para o campo costuma esfriar
antes da hora do almoço.
O dia de um cortador começa às 7h da manhã e termina
às 4h da tarde. Sua tarefa é
cortar a maior quantidade de
cana-de-açúcar possível.
Cada trabalhador é responsável por uma fileira de pés de
cana; conforme vai cortando,
ele faz uma pilha. O fiscal vem
e mede as pilhas com um
compasso.
Para cada metro de cana
empilhada, o cortador ganha
de 5 a 10 centavos, dependendo do estado da lavoura.
A cana queimada vale menos, porque não tem folhas e
é mais fácil de cortar. Já a cana que nasce torta e a cana
crua valem mais, porque dão
mais trabalho.
O corte de cana é um trabalho difícil. A pessoa precisa
saber usar bem o podão (faca) para não se machucar.
Precisa também de muita
força nos braços e disposição
para ficar o dia todo no sol,
com as costas curvadas.
A maioria dos trabalhadores usa equipamentos de proteção -luvas, botas, óculos.
Mas só o arroz-e-feijão das
bóias não basta para repor as
proteínas que gastam. Faltam
carne, ovos ou leite.
O corte de cana dura seis
meses. No resto do ano, enquanto esperam a cana brotar
de novo, os trabalhadores
plantam seu alimento ou procuram serviço nas colheitas
de amendoim e algodão.
As máquinas estão chegando
Quem dá emprego para os
cortadores de cana são as usinas que fabricam álcool e
açúcar. Aos poucos, as usinas
de São Paulo estão descobrindo que é mais vantajoso colher cana com máquinas do
que com pessoas.
A reportagem da Folhinha
viu uma colheitadeira de cana
cortar, em dois minutos, a
mesma quantidade de cana
que um trabalhador corta em
um dia de trabalho.
As colheitadeiras são mais
seguras e limpas do que o trabalho manual. Podem cortar
a cana sem precisar queimá-la antes. Dois operadores
de máquina fazem o trabalho
de centenas de cortadores.
A maioria das pessoas dispensadas por causa das colheitadeiras não sabe operar
essas máquinas.
Menor de 18 não pode cortar
Muitos cortadores de cana
pedem a ajuda de suas mulheres e filhos na lavoura.
Mais gente cortando quer
dizer mais produção e, portanto, mais salário.
Menores de 18 anos, porém,
não podem cortar cana porque a Justiça das regiões de
Cravinhos e Ribeirão Preto (SP)
decidiu que a atividade é penosa (muito cansativa) e pode prejudicar o crescimento
normal das crianças, além de
tomar o tempo em que elas
deveriam estar na escola.
As empresas que contratam
menores de 18 anos são multadas, e os meninos ficam
proibidos de cortar cana.
As fiscalizações protegem
a saúde dos jovens e crianças,
mas, sem querer, causam um
problema: se eles param de
trabalhar, a família vive com
ainda menos dinheiro.
``O governo deveria dar
emprego para quem ele tira
da lavoura'', reclama João
Rafael, 40, pai e cortador de
cana em Monte Alto (SP).
Trabalho no campo, vida na cidade
Cleo Velleda/Folha Imagem
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Cortador de cana na cidade de Pitangueiras, no interior de São Paulo
|
do enviado especial
Apesar de trabalhar na roça,
a grande maioria dos ``bóias-
frias'' mora em cidades. Suas
casas têm poucos quartos. Os
parentes costumam morar
juntos e há muitas crianças.
De manhã, Márcio Araújo,
11, do bairro de Cruz das Posses em Sertãozinho (SP), vai à
escola. À tarde, ele ajuda o
avô a preparar ração para os
porcos. A mãe e a tia passam
o dia na lavoura.
Márcio e o primo Anderson
Araújo, 12, brincam de carrinho de rolimã e de pegar passarinhos no quintal.
``Quero ser professor de artística'', diz Anderson, 12.
Márcio quer carregar cana.
``É um serviço menos pesado
do que cortar'', justifica.
(FR)
Seis filhos em dois quartos
Benedita Leite, 32 anos de
vida e 13 de corte de cana,
mora com seus seis filhos na
cidade de Barrinha (SP). Dois
deles são adolescentes e foram pegos trabalhando no
canavial em outubro de 1995.
Ficaram sem emprego por
quase um ano e hoje trabalham numa firma de limpeza.
Gilson, 16, cortou cana desde os 13 e ainda reclama de
dores no peito.
A família de Benedita se espreme em dois quartos, enquanto a reforma da casa não
fica pronta.
As filhas Jéssica, Jaqueline e
Talita, se divertem brincando
com a prima Bruna, 4.
De brinquedo de verdade
elas só têm uma bonequinha,
que Jéssica não pára de pentear. Ela quer ser cabeleireira.
Projeto forma homens do campo
Cleo Velleda/Folha Imagem
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Márcio Araújo e família, no quintal, com o porco do avô
|
do enviado especial
A maioria dos cortadores de
cana tem pouco estudo e não
aprendeu a fazer outra coisa
além de trabalhar na lavoura.
Por isso, se perdem o emprego, não estão preparados
para outras profissões.
Vendo que esses casos se repetiam, o promotor de Justiça Wanderley Trindade e o
produtor rural Edson Minohara tiveram a idéia de criar
um programa para ensinar
profissões aos jovens que
eram tirados do corte da cana.
Assim nasceu o Sara - Serviço de Aprendizagem Rural ao
Adolescente.
O Sara existe há um ano.
Emprega 50 meninos e dá
cursos de iniciação profissional a outros 70.
Eles aprendem a criar minhocas, produzir mudas de
alface, plantar árvores frutíferas, café, criar peixes, entre
outras atividades.
É como um curso de ciências com a mão na massa.
(FR)
Fazendeiros colaboram
O projeto Sara conseguiu
que vários donos de fazendas
``emprestassem'' suas terras
para os meninos plantarem,
em troca de ficar com parte
da produção.
Nessas terras, os meninos
plantam limões, mexericas,
café e hortaliças. Eles também usam um viveiro com irrigação (esguichos de água)
para fazer nascer as sementes
de alface. A técnica chama-se
``plasticultura''.
Além das atividades práticas, os participantes do Sara
têm aulas de agricultura e pecuária (criação de animais).
Segundo Wanderley, quem
completa 18 anos tem de sair
do Sara, mas ganha um terreno para plantar.
(FR)
Longe da cana-de-açúcar
O projeto Sara parte da idéia
de que toda criança e todo jovem têm o direito à educação
e ao não-trabalho.
Os alunos do projeto ganham um salário mínimo para ir à escola, participar das
aulas práticas e, principalmente, para não voltarem a
trabalhar na cana-de-açúcar.
Árvores para a cidade
Os meninos do Sara já plantaram 2.000 mudas de árvores na cidade de Cravinhos.
O trabalho é patrocinado
por donos de empresas em
troca de anúncios nos protetores das árvores.
Fale com a Folhinha: folha@uol.com.br |